Folha de S. Paulo
Triunfo eleitoral, cada vez mais distante,
sempre foi o plano B de Bolsonaro
Munique tornou-se, desde setembro de 1938,
um nome polissêmico. A capital da Baviera alemã passou a evocar “apaziguamento”
e, ainda, “traição”. No Brasil de hoje, Munique é Brasília, desde que o comando do
Exército recusou-se a punir Eduardo Pazuello. Dependendo da
conclusão do caso do coronel Aleksander Lacerda, logo será São Paulo.
No Rio de Janeiro, em 23 de maio, Bolsonaro
pronunciou um discurso subversivo, em ato de rua. Ao seu lado,
no palanque, estava Pazuello, que também discursou. Duas semanas
depois, uma nota do Exército comunicou o arquivamento do processo
administrativo instaurado contra o general da ativa.
Munique: Neville Chamberlain e Édouard
Daladier entregaram os Sudetos a Adolf Hitler.
Brasília: Paulo Sérgio de Oliveira jogou à lata de lixo o Regulamento
Disciplinar do Exército que proíbe manifestações públicas políticas de
militares de ativa.
O “chavismo de
direita” de Bolsonaro, na precisa expressão de Rodrigo Maia,
subverte a ordem democrática na tentativa de dissolver a fronteira legal que separa
os homens em armas da atividade política. O triunfo eleitoral, horizonte cada
vez mais distante, sempre foi o plano B do presidente. Seu plano A é um golpe
de Estado: a submissão do Judiciário e do Congresso ao “meu
Exército”.
O “meu Exército” bolsonarista não é o Exército brasileiro, mas uma milícia nucleada por militares amotinados. A agitação subversiva no interior das Forças Armadas ainda não ganhou tração, apesar do espaço aberto pelo apaziguamento do comandante do Exército. Nas polícias militares, porém, ergue-se um Partido Bolsonarista cujos contornos delineiam-se com nitidez às vésperas dos atos golpistas de 7 de Setembro.
Nas quase 400 mensagens que publicou em
agosto, o militante
bolsonarista Aleksander Lacerda, que veste uniforme de coronel da PM,
insultou reiteradamente o governador paulista e o presidente do Senado. Mas,
sobretudo, convocou seus “amigos” —ou seja, os 5.000 policiais de sete
batalhões que comandava— aos atos subversivos.
Não são gestos de um solitário desvairado,
mas lances de uma estudada provocação. Lacerda testava os limites, investigava
a firmeza da coluna vertebral de João Doria. Sua conclusão provisória é que São
Paulo pode ser Munique.
“Ele tem de ser severamente punido sob o
ponto de vista administrativo e sob o ponto de vista penal-militar. Se não,
vamos instalar a balbúrdia na instituição”, alertou o coronel Glauco Carvalho,
ex-comandante de policiamento da capital do estado.
Doria, porém, preferiu classificar o
comportamento de Lacerda como “inadequado” e afastá-lo de
seu comando, entregando-o à Corregedoria da PM. A “balbúrdia” está a
apenas um tiro de distância.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já
firmou entendimento de que governadores têm a prerrogativa de expulsar oficiais
da PM, via processo administrativo, sem prejuízo de julgamento pela Justiça
Militar. Contudo, em São Paulo, o apaziguamento começa a fazer seu curso.
Simulando cegueira, Doria
descreveu a conclamação de Lacerda ao motim como um “fato pontual”.
Enquanto o governador praticamente
encerrava o assunto, a facção bolsonarista da PM paulista organizava caravanas
de ônibus de policiais que, à paisana, pretendem participar das manifestações
do 7 de Setembro.
“A solução do problema da Tchecoslováquia é
o prelúdio de um acordo mais amplo pelo qual toda a Europa pode encontrar a
paz”, declarou Chamberlain ao retornar de Munique. Segundo a teoria do
apaziguamento, a paz vale a traição. Trump e Biden aplicaram a tese ao
Talibã, assinando um
acordo pelo qual o governo afegão libertou 5.000 combatentes inimigos,
que retornaram de imediato ao campo de batalha.
“Vocês tiveram a escolha entre guerra e
desonra. Escolheram a desonra, e terão a guerra”, fulminou o sucessor de
Chamberlain. Cabul caiu 16 meses após o acordo. Hitler atacou um ano após
Munique.
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