EDITORIAIS
A estupidez e suas consequências
O Estado de S. Paulo
O fracasso deste governo não é causado por fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de
acabar com a corrupção, promover uma profunda transformação liberal do Estado
brasileiro e dar um novo dinamismo à economia. Sua eleição instalaria – este
era o discurso eleitoral – um novo patamar de moralidade pública, eficiência
estatal, produtividade e respeito ao cidadão.
Decorridos dois anos e meio de governo, é
evidente que Jair Bolsonaro não realizou nada disso. E não há o menor sinal de
que, até o final do mandato, cumprirá alguma promessa feita em 2018.
Segundo o bolsonarismo, Jair Bolsonaro
falhou no cumprimento de suas promessas por culpa dos outros. O Supremo
Tribunal Federal (STF), o Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os
governadores e os prefeitos não deixaram que ele realizasse suas propostas. No
conto bolsonarista, Jair Bolsonaro é o presidente da República que mais sofreu
resistência na história e, por isso, não consegue entregar o que prometeu.
Muito difundido nas redes sociais, tal discurso não tem respaldo nos fatos. Jair Bolsonaro não realizou nada do que prometeu em razão de sua própria conduta. Foi ele que impediu e continua a impedir qualquer melhoria possível. Os últimos dias explicitaram, uma vez mais, a verdadeira identidade deste governo. Com uma turma dessa estatura moral e cívica, é impossível promover o desenvolvimento social e econômico do País.
Na sexta-feira passada, o presidente
Bolsonaro recomendou a compra de fuzis. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô.
Povo armado jamais será escravizado”, disse Jair Bolsonaro, em frente ao
Palácio da Alvorada. Um presidente da República assim, com tal obtusidade, não
precisa de opositores. Com essa mentalidade, é rigorosamente uma ilusão pensar
em avanço social ou econômico do País.
Em circunstâncias normais, a recomendação
de Jair Bolsonaro sobre a compra de fuzis já seria uma absoluta estupidez. Num
Estado Democrático de Direito, o poder público deve incentivar e assegurar a
paz e a ordem, não instigar medo na população para que ela se arme.
Nas circunstâncias atuais, com pandemia de
covid, alta taxa de desemprego, crescimento da inflação e crise econômica, o
conselho de Bolsonaro sobre a aquisição de fuzis revela criminosa indiferença
com a população. Poucas vezes se viu tamanho deboche. Um presidente da
República que não assume suas responsabilidades, esquiva-se dos problemas
nacionais, inventa atritos com outros Poderes e ainda sugere que a população
compre fuzil. De onde saiu tal sujeito?
Nada parece ser capaz de suscitar respeito
ou seriedade em Jair Bolsonaro. Na terça-feira passada, viu-se outro caso de
deboche por parte do presidente da República. Indicado ao STF, André Mendonça
enfrenta sérias resistências no Senado. Há fundadas dúvidas se a sua prioridade
é servir à Constituição ou a outros senhores.
Nesse cenário, Jair Bolsonaro disse que
André Mendonça se comprometeu, caso consiga a vaga no Supremo, a almoçar uma
vez por semana com ele. Como se vê, o presidente da República não apenas
promove atritos com o Supremo. Pretende deixar registrado seu desprezo pela
separação e independência dos Poderes, em puro escárnio à Constituição.
O deboche também é visto no primeiro
escalão do governo. Na quinta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo
Guedes, teve o descaramento de fazer a seguinte provocação: “Qual o problema
agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”.
Não há respeito aos fatos nem à vida
alheia. Não há limites para a insensibilidade. Tudo – desde a diminuição do
poder de compra e o endividamento da população, passando por princípios
constitucionais, até o sofrimento e a morte causados pela covid –,
rigorosamente tudo, é respondido com um “e daí?”.
O fracasso deste governo não é causado por
fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É
apenas e tão somente Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro. É apenas e tão
somente Paulo Guedes sendo Paulo Guedes. O restante é pura consequência.
Terceira dose para os mais vulneráveis
O Estado de S. Paulo
A aplicação da 3.ª dose da vacina em idosos e imunossuprimidos é a decisão mais acertada
Os brasileiros com 60 anos ou mais
representaram pouco mais da metade (51%) dos mortos pela covid-19 no mês de
julho. As internações de idosos em UTI em decorrência da doença também
cresceram 42,1% naquele mês, revertendo a tendência de queda observada desde
janeiro. Especialistas atribuíram estes dados preocupantes à disseminação
comunitária da variante Delta no País e à queda da efetividade das vacinas ao
longo do tempo. A população idosa, como se sabe, foi priorizada na Campanha
Nacional de Vacinação contra a covid-19 e começou a ser vacinada no início
deste ano.
Com base na recomendação das autoridades
sanitárias e na experiência internacional, o governador de São Paulo, João
Doria (PSDB), afirmou em entrevista à rede CNN Brasil, no dia 17 passado, que o
Estado iniciara estudos para aplicação de uma terceira dose da vacina contra a
covid-19 na população mais vulnerável ao vírus. “A terceira dose está em
avaliação, sim, e, se houver necessidade, os programas de imunização adotarão
esta medida”, disse Doria, enfatizando que, “se necessário for, o governo de
São Paulo irá providenciar mais doses da Coronavac” para a população.
Em coletiva no Palácio dos Bandeirantes na
quarta-feira passada, Doria anunciou que a aplicação da terceira dose em
indivíduos com 60 anos ou mais começará no dia 6 de setembro no Estado de São
Paulo.
No dia seguinte, o Ministério da Saúde
publicou nota técnica detalhando a aplicação da dose de reforço em todo o País.
Neste primeiro momento, a pasta priorizará no plano de vacinação a aplicação da
terceira dose em idosos com mais de 70 anos e em pessoas imunossuprimidas, caso
de indivíduos submetidos a transplante de órgãos sólidos ou de medula óssea,
pacientes em tratamento de câncer, portadores do HIV, entre outras condições
clínicas.
A boa-nova traz enorme alívio para a
população diretamente atingida e seus familiares, haja vista que estes grupos
prioritários não apresentam uma resposta imune à vacina tão robusta como a de
pessoas mais jovens ou que não tenham o sistema imunológico comprometido por
alguma doença ou por efeito de medicamentos.
Inicialmente, aventou-se a possibilidade de
começar a aplicação da dose de reforço nos idosos e nos profissionais da área
de saúde. Mas, em boa hora, o Ministério da Saúde decidiu priorizar os
imunossuprimidos. A decisão faz todo sentido. É razoável inferir que a maioria
dos profissionais que atuam na chamada linha de frente do combate ao
coronavírus não tem o sistema imunológico comprometido. E os que têm estarão
cobertos pelos critérios definidos na nota técnica.
De acordo com a orientação do Ministério da
Saúde, o reforço da terceira dose valerá para quem tomou qualquer uma das
vacinas usadas na Campanha Nacional de Vacinação contra a covid-19 há pelo
menos seis meses e será realizado, preferencialmente, com a aplicação de uma
dose extra da Pfizer, de matriz RNA mensageiro. Na falta deste imunizante, as
alternativas serão as vacinas de vetor viral Janssen ou AstraZeneca.
É importante deixar claro que a aplicação
da terceira dose da vacina contra a covid-19 não significa, de forma alguma,
que as duas doses que asseguram imunização completa – ou a dose única, caso da
Janssen – não sejam seguras ou eficazes. A dose extra é apenas isto, uma
proteção adicional para pessoas que, dadas a idade ou condições clínicas, não
apresentam a mesma resposta imunológica que a maioria dos indivíduos.
Não se descarta a vacinação periódica de
toda a população, independentemente de idade ou condição de saúde, tal como
ocorre com a imunização contra outras doenças, como a influenza, por exemplo.
“Se os estudos científicos concluírem que isto será necessário”, disse Rodrigo
Cruz, secretário executivo do Ministério da Saúde, “toda a população será
revacinada contra a covid-19 em 2022.”
O avanço da vacinação e, agora, a aplicação
de uma dose de reforço para os mais vulneráveis são indicativos de que a tão
ansiada imunidade coletiva está mais próxima.
Epidemia de aumentos
O Estado de S. Paulo
Prévia da inflação mostra contaminação geral dos preços e governo sem rumo
Com dinheiro curto, comida cara e forçado a
economizar no gás e na luz, o brasileiro comum já enfrentou uma alta de preços
de 5,81% no ano e de 9,30% em 12 meses, segundo a prévia da inflação de agosto.
O aumento mensal, de 0,89%, foi o maior para agosto desde 2002, quando atingiu
1%. A atual epidemia inflacionária contaminou oito dos nove grandes grupos de
bens e serviços pesquisados. Ficou bem mais difícil morar, comer, usar veículo
próprio e distrair-se com rádio ou televisão, mas o ministro da Economia, Paulo
Guedes, mostra-se confortável e pouco preocupado. Os números são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15
(IPCA-15), com preços coletados entre 14 de julho e 13 de agosto.
Uma inflação anual entre 7% e 8% está
“dentro do jogo”, disse o ministro na segunda-feira, negando qualquer
descontrole. A inflação está subindo em todo o mundo, argumentou, e deve chegar
a uns 7% nos Estados Unidos. Não é bem assim. No Brasil o surto inflacionário é
bem maior que em quase todo o mundo emergente e desenvolvido. Nos 12 meses até
junho os preços ao consumidor subiram em média 4,6% no Grupo dos 20 (G-20),
2,2% na União Europeia e 4,1% no conjunto da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mesmo período, o IPCA aumentou 8,35% no
Brasil, enquanto o desemprego permaneceu mais que o dobro do observado nas
economias de renda média e alta.
A inflação brasileira está fora do jogo, ao
contrário da avaliação do ministro Paulo Guedes. Para começar, a última
projeção do mercado, de 7,11% em 2021, supera de longe a meta (3,75%) e até o
limite de tolerância (5,25%) fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Em
segundo lugar, a alta de preços estimada no mercado para o próximo ano, de
3,93%, está bem acima do centro da meta (3,50%). Se as previsões estiverem
certas, os preços continuarão subindo rapidamente, enquanto o crescimento econômico
será igual ou até inferior a 2% – abaixo do medíocre, portanto.
Além disso, o conjunto das projeções tem
piorado e deve seguir piorando, se o presidente Jair Bolsonaro insistir em
causar insegurança quanto aos gastos federais, à dívida pública e à sustentabilidade
das finanças oficiais. Juros altos, câmbio instável e dólar caro continuarão
complicando o cenário e dificultando a recuperação, ainda muito lenta, da
economia brasileira.
É arriscado apostar, neste momento, numa
inflação de 7,11% em 2021. Será preciso conter as atuais pressões para baixar a
taxa acumulada e levá-la até aquele nível, já muito elevado. Apesar das
oscilações, as taxas mensais têm permanecido muito altas e as variações
acumuladas em 12 meses têm aumentado seguidamente.
Tendo superado 9%, a alta do IPCA-15 em 12
meses prenuncia um quadro muito parecido com o dos meses finais da presidente
Dilma Rousseff. De novembro de 2015 a fevereiro de 2016, a inflação anual
passou de 10%. O surto foi contido com uma forte alta de juros, suficiente para
mudar rapidamente as expectativas e frear os preços. Além disso, o novo
governo, embora destinado apenas a completar o mandato de uma presidente
removida do posto, havia mostrado uma forte disposição de iniciar o conserto
das contas públicas. As mudanças no Ministério da Fazenda e na direção do BC
com certeza contribuíram para a mudança de expectativas.
Mas o combate à inflação, hoje, é
especialmente complicado por vários fatores. Para começar, é preciso levar em
conta a difusão da alta de preços. Os aumentos ocorreram, no último mês, em
oito dos nove grandes grupos de bens e serviços. Não se resolve o problema
cuidando deste ou daquele item. A crise hídrica, com seus efeitos no custo da
eletricidade, é certamente uma questão muito importante, mas é uma entre
muitas. A diretoria do BC ainda tem credibilidade, mas tem sido incapaz, em seu
trabalho, de anular ou mesmo de atenuar os efeitos da ação presidencial, da
desorientação da equipe econômica e do descrédito do ministro da Economia.
Nenhum aperto monetário compensa um Executivo tão ruim chefiado por um
presidente devastador.
Perto do apagão
Folha de S. Paulo
Escancara-se o risco de que falte energia
elétrica no país, e é preciso planejar
Com a falta de chuvas nos últimos dois
meses, inferiores ao padrão já escasso do mesmo período de 2020, ficou mais
evidente a ameaça de que a geração de energia se mostre insuficiente para
manter o fornecimento até novembro, quando se encerra o período seco.
Apesar do quadro dramático —a pior crise
hídrica em 90 anos— e das recomendações para a adoção de medidas de redução de
riscos, o governo se mexe devagar.
De modo patético, Jair
Bolsonaro pediu que os brasileiros apagassem “um ponto de luz” em
suas casas, sem explicar a dimensão do problema, que já surge nos sucessivos
aumentos da conta de luz.
A inglória tarefa fica apenas a cargo dos
órgãos técnicos, que ao menos estão agindo, embora de maneira incremental.
Novas simulações do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram
agravamento, com destaque
para a região Sul, onde o nível dos reservatórios até 24 de agosto
caiu para 30,7% —a projeção anterior apontava para 50% no fechamento do mês.
Mesmo no cenário mais favorável, que
pressupõe um amplo conjunto de medidas, como acionamento de grande capacidade
de geração térmica, importação de energia e postergação de manutenção de
equipamentos, o país chegaria em novembro praticamente sem sobra de potência, o
que amplia a probabilidade de apagões.
Embora se espere que tais medidas sejam
suficientes para evitar racionamento neste ano, não se descartam sobressaltos
pontuais, no contexto da alta demanda a que o sistema será submetido.
Apesar da ausência de liderança do
presidente, é um primeiro passo o anúncio, feito pelo ministro de Minas e
Energia, Bento Albuquerque, de um plano de descontos na conta de luz para
consumidores que se dispuserem a economizar energia voluntariamente. O custeio
desses incentivos recairá sobre todo o sistema.
Mesmo que se consiga chegar a novembro sem
interrupções na carga, os riscos não terão sido superados. As restrições à
vazão em reservatórios importantes, que vigoram há anos, não bastaram para
recuperar os níveis de água.
Se o regime de chuvas no verão não superar
a média dos últimos anos, a margem de manobra para 2022 será ainda menor.
Calcula-se que, nesse quadro, a geração térmica, mais cara, tenha de permanecer
durante todo o período úmido, o que seria algo inédito.
Desde já o país precisa considerar os
piores cenários e agir com toda a prudência possível, com foco em investimentos
na geração, modernização de turbinas em hidrelétricas antigas e planejamento
para ampliar a resiliência do sistema.
Auxílio antievasão
Folha de S. Paulo
Governo de SP acerta ao criar bolsa para
incentivar permanência no ensino médio
Não se contam como poucos os impactos da
pandemia de Covid-19 sobre a precária educação brasileira. Particularmente
vulneráveis se mostram estudantes do ensino médio que a crise econômica empurra
para o trabalho, de modo a reforçar a renda da família.
Pesquisas indicam que a evasão escolar pode
até triplicar e alcançar entre 30% e 40%. No retorno às aulas presenciais agora
em agosto, 38% dos alunos da rede municipal paulistana não compareceram (se bem
que parte disso pode ser decisão de famílias temerosas, que preferem o ensino a
distância).
Chega em boa hora, assim, a promessa do
governo paulista de contra-arrestar a tendência à evasão com uma bolsa de
incentivo para a permanência na escola. A verba destinada, R$ 400
milhões, prevê pagar a até 300 mil jovens o valor de R$ 1.000 anuais, em 2021 e
2022.
Seriam contemplados, inicialmente, 267 mil
secundaristas (21,5% de 1,24 milhão de estudantes do ensino médio) inscritos no
cadastro único federal, que arrola famílias em situação de pobreza ou pobreza
extrema. Mas elas precisam registrar-se de novo no programa Bolsa do Povo
Educação.
Os beneficiados se obrigam a manter um
frequência mínima de 80%, realizar avaliações e dedicar duas horas por dia a
estudo pelo aplicativo do Centro de Mídias. Além disso, terceiranistas terão de
comparecer a atividades preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem).
As contrapartidas exigidas vão na direção
correta, por manter foco antievasão, repetindo assim um aspecto elogiado do
programa federal Bolsa Família. A dúvida é se elas não se mostrarão
dificultosas para jovens premidos pela penúria em casa, diante do valor
relativamente modesto do estipêndio.
A fim de garantir o objetivo pretendido,
não seria má ideia cogitar elevar a quantia desembolsada. Cabe assinalar que o
governo João Doria (PSDB) remanejou R$ 50 milhões da Educação para publicidade
institucional da pasta, transferência digna de espécie por ocorrer em véspera
de ano eleitoral.
Recomenda-se, por fim, que o cadastramento
seja ágil, de maneira a não cumular famílias com excessos comprobatórios. Os
benefícios sociais de governos municipais, estaduais e federal se multiplicam,
não raro engendrando cipoal burocrático difícil de transpor para candidatos de
baixa escolaridade.
Mesmo com tais ressalvas, o programa acerta ao enfrentar um dos principais gargalos, se não o principal, do ensino público brasileiro.
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