EDITORIAIS
Prática e discurso
Folha de S. Paulo
Bolsonaro age contra ômicron, sem deixar
mistificação sobre passaporte da vacina
Ao fim e ao cabo, o governo do presidente
Jair Bolsonaro acabou por acatar
recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
para a entrada no país de visitantes estrangeiros durante a pandemia de
Covid-19.
Viajantes deverão apresentar, além de teste
PCR negativo feito às vésperas do embarque, um certificado de vacinação —ou
manter-se em quarentena por um período de cinco dias. É um conjunto de
exigências que não discrepa tanto dos adotados em países com histórico de
competência muito superior ao nosso no trato da moléstia.
Teria sido obviamente preferível tornar a
imunização a exigência padrão, abrindo exceção apenas para crianças, indivíduos
que, por razões médicas, não possam tomar a vacina e outros casos especiais.
Não temos, afinal, nenhuma estrutura para verificar se o isolamento será efetivamente cumprido. Há também o risco de que a possibilidade de vir ao Brasil sem imunização, aliada à desvalorização do real, acabe gerando um tipo de seleção adversa, que torne o país um destino dourado para negacionistas internacionais.
Especialmente agora —com as incertezas da
variante ômicron— essa é uma situação a evitar.
O fato de Bolsonaro não ter contrariado a
recomendação da Anvisa não significa que ele tenha passado a atuar com
responsabilidade e equilíbrio. No afã de agradar a seus apoiadores mais
aloprados, o presidente simulou que desafiaria o parecer dos técnicos.
Tentou passar a impressão de que o governo
rejeitaria o chamado passaporte da vacina, que qualificou como "coleira
que querem colocar no povo brasileiro".
Em seu teatro, não hesitou em recorrer a
mentiras. Disse que a Anvisa pretendia fechar o espaço aéreo brasileiro, algo
que a agência nem sequer cogitou fazer.
No cômputo geral, porém, o governo aceitará
os certificados internacionais de vacinação e imporá aos não imunizados regras
mais restritivas do que aos vacinados.
Nessa novela de desencontros, foi
particularmente assustador ver o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga —alguém
que deveria, em virtude do cargo e do diploma de medicina, estar comprometido
com a ciência e os objetivos do sanitarismo— ecoar as perfídias do chefe.
"Essa questão da vacinação tem dado
certo porque respeitamos as liberdades individuais. O presidente falou há
pouco: às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade", disse o
ministro, durante o anúncio das mudanças de regras sobre as fronteiras.
A vacinação é bem-sucedida, isso sim,
porque a população ignorou a propaganda contrária liderada por Bolsonaro —com
colaboração ou omissão de seus acólitos.
Avanço chileno
Folha de S. Paulo
País aprova o casamento gay, tema sobre o
qual o Congresso brasileiro se omitiu
O Chile, nação com cerca de 70% de
católicos, mais que no Brasil, ultrapassou-nos no avanço representado
pelo reconhecimento
em lei de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. É o oitavo país
latino-americano a dar o passo, num subcontinente em que predominava o
conservadorismo religioso.
O Senado chileno aprovou o matrimônio
homoafetivo e a adoção de filhos por casais do mesmo sexo por 21 votos, com
apenas 8 contrários e 3 abstenções. Modificado, o projeto retornou à Câmara,
onde recebeu 82 sufrágios favoráveis, 20 contrários e 2 abstenções.
Os senadores haviam alterado o texto dos
deputados para explicitar pontos vagos, como a limitação do número de pais a
dois. Houve entendimento de que a redação anterior permitiria a adoção de
crianças por grupos de pessoas.
No mesmo diapasão, pronunciando-se sobre o
caso de filhos gerados por técnicas de reprodução assistida, parlamentares
limitaram a condição de paternidade legal àqueles participantes do
procedimento. A chamada barriga de aluguel permanece proibida.
Tais restrições talvez venham a ser
superadas um dia, assim como as que ora se esvaem, conforme evolua e se amplie
ainda mais o conceito de família. Nesse caminho não parece haver volta, e
importa registrar que se extingue uma forma flagrante de discriminação com base
na orientação sexual.
O presidente Sebastián Piñera não apoiou a
mudança de legislação em seu primeiro mandato, de 2010 a 2014. Agora,
declara-se favorável à modificação da lei e deverá sancioná-la, a meras duas
semanas da eleição do sucessor.
Os candidatos à frente nas pesquisas têm
posições opostas a respeito. Gabriel Boric, de esquerda, votou a favor. Antonio
Kast, da direita radical, pronunciou-se contrário e costuma denunciar suposto
"lobby gay" na imprensa.
No Brasil a união estável e o casamento de
pessoas do mesmo sexo podem ser registradas em cartório, mas somente com
fundamento em decisão do Supremo Tribunal Federal e resolução do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Não existe lei para tanto.
Essa pauta central do movimento LGBTQIA+
não avança no Congresso muito em razão da pressão religiosa, evangélica ou
católica. Para tais grupos o casamento só pode unir homem e mulher. Falta ao
Parlamento brasileiro reconhecer que não cabe ao Estado interferir nos laços
entre pessoas.
Almas gêmeas
O Estado de S. Paulo
Escandalosamente conivente com o governo Bolsonaro, o PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente pelos seus atos. Lula precisa de Bolsonaro desimpedido
Não é raro ouvir o discurso de que o
presidente Jair Bolsonaro tem sido ineficaz na promoção de suas promessas de
campanha – em especial, das reformas econômicas – em razão da forte oposição
que supostamente encontrou nos partidos de esquerda. O PT e seus satélites não
teriam dado nenhuma trégua àquele que os bolsonaristas radicais dizem ser o
primeiro governo “realmente de direita” do País.
É interessante que essa narrativa não é
repetida apenas pelo bolsonarismo. O PT tenta se apresentar como contundente
oposição contra o governo Bolsonaro. No entanto, apesar de servir a interesses
de petistas e bolsonaristas, esse discurso não tem nenhum apoio na realidade.
Os fatos mostram que o PT tem sido escandalosamente conivente com o governo
federal.
Basta ver a atuação do partido de Luiz
Inácio Lula da Silva na aprovação do nome de André Mendonça para o Supremo
Tribunal Federal (STF). O mesmo que foi visto antes, com Kassio Nunes Marques,
ocorreu agora. Apesar de colocar-se como oposição nas redes sociais, o PT
apoiou os escolhidos de Jair Bolsonaro.
É preciso que fique devidamente registrado
para a posteridade. Os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro para o
Supremo contaram com o aval do PT. Ou seja, os erros do bolsonarismo em relação
ao STF, cujos efeitos serão sentidos pelo País por muitos anos, não tiveram
oposição do lulopetismo.
Ademais, é notória a falta de vontade do PT
em pressionar pelo impeachment de Jair Bolsonaro. O partido de Lula não
mobilizou sua militância. Em alguns momentos, quando se tornou constrangedor
demais não fazer nada diante da pressão popular, o PT ainda ensaiou um jogo de
cena, mas nada além disso, seja no Congresso, seja nas ruas.
Diante do histórico petista, tão raivoso
contra os governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, sabotados
de todas as maneiras pelo partido de Lula, é acintoso o atual comportamento do
demiurgo de Garanhuns e de seus correligionários, tão compassivos com as
demandas de Jair Bolsonaro.
Eis a verdade inconveniente. Apesar de o
País dispor de meios constitucionais para tirar um presidente da República que
atua de forma incompatível com o cargo, os brasileiros tiveram de suportar Jair
Bolsonaro por quatro anos em razão, entre outros fatores, do interesse de Lula
de que Jair Bolsonaro continuasse elegível em 2022.
O PT nunca atuou seriamente para
responsabilizar o presidente da República pelos seus atos. Essa frouxidão foi
vista também na participação, um tanto acanhada, do partido de Lula na CPI da
Covid. Não se viu nenhum vislumbre da antiga combatividade dos petistas em
governos anteriores.
Fosse adiante o impeachment, Jair Bolsonaro
não estaria no páreo eleitoral do ano que vem, o que certamente dificultaria os
interesses eleitorais de Lula. Sem o nome do atual presidente na urna, todos os
outros possíveis adversários do líder petista seriam desde já muito mais
competitivos. Lula, portanto, precisa de Bolsonaro.
E, estranha ironia, Bolsonaro também
precisa de Lula. Sem propostas, sem plano de governo e sem realizações a
mostrar, o ex-capitão tem uma única bandeira: apresentar-se como o candidato
mais radicalmente antipetista.
Recentemente, o ex-juiz Sérgio Moro falou
sobre a reação de Bolsonaro com a saída de Lula da cadeia. “A gente sabia que o
Planalto, o presidente comemorou quando o Lula foi solto, em 2019, porque ele (Bolsonaro)
entendia que aquilo o beneficiava literalmente”, disse o pré-candidato a
presidente, em entrevista à Rádio Jovem Pan Paraná.
Um e outro, Bolsonaro e Lula, ambos com enorme passivo de malfeitos, demagogia e irresponsabilidade, precisam de um inimigo terrível para mobilizar o País – Lula, amigo de ditadores esquerdistas da América Latina, se apresenta como herói da democracia contra Bolsonaro; já o presidente, empenhado em reduzir o Estado a um despachante de seus interesses privados, brada que é o único capaz de impedir que o lulopetismo volte a controlar o Estado. Um e outro são, assim, associados na empulhação e no atraso.
Desculpa esfarrapada
O Estado de S. Paulo
Falta de transparência na distribuição de
recursos do Orçamento permanece para evitar que parlamentares descubram que se
venderam por pouco
Um ofício enviado ao governo pelo
relator-geral do Orçamento de 2020, Domingos Neto (PSD-CE), escancarou a farsa
com que as discussões relacionadas à transparência das emendas de relator têm
sido conduzidas. Publicado pelo Estadão, o documento mostrou aquilo que até as
pedras sabem: é evidente que é possível revelar os autores dos pedidos de
transferências realizadas por meio das chamadas RP-9. Quem diz o contrário e
quem compactua com a situação o faz por outras razões.
Não se esperava nada diferente vindo do
deputado responsável pelo parecer do Orçamento do ano passado. Dentro da
política de compra de votos em que as emendas se transformaram, o relator tem
sido usado como figura de fachada entre parlamentares e Ministérios, mas é
claro que também tinha acesso às tabelas.
Na peça de 2020, foram executados R$ 20
bilhões em emendas do tipo RP-9 – dos quais R$ 5,4 bilhões alocados ao
Ministério do Desenvolvimento Regional foram solicitados por congressistas à
Secretaria de Governo da Presidência da República, responsável pela articulação
política. O Estadão conseguiu rastrear quase R$ 4 bilhões, ou 13% dos R$ 29
bilhões empenhados pelo Executivo entre 2020 e 2021 por meio da rubrica, mas a
maior parte dos recursos permanece sob segredo.
Com o documento, cai por terra a explicação
dada à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, pelos
presidentes da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG). Segundo eles, seria impossível cumprir de imediato a decisão que
cobrava publicidade sobre os nomes dos parlamentares envolvidos para retomar os
repasses do Orçamento deste ano, relatado pelo senador Marcio Bittar (PSL-AC).
A justificativa é a de que não havia como
identificar os responsáveis de forma retroativa, mas apenas daqui para a
frente. Para convencer a ministra de suas boas intenções, Lira e Pacheco
articularam a aprovação de um ato em que o Legislativo se compromete a ser
transparente – isto é, a cumprir a Constituição – só no futuro.
Se Rosa Weber acreditou ou não na
explicação dada por Lira e Pacheco e no esforço que será feito pelo Legislativo
a partir de agora, pouco importa. O fato é que ela liberou a execução das
emendas e deu 90 dias ao Congresso para que dê transparência a elas. Em sua
decisão, ela mencionou potencial risco à continuidade de serviços públicos
essenciais à população, principalmente na saúde, que fica com metade dos
valores. Pacheco, por sua vez, disse que fará o “possível” para cumprir o
prazo.
Assim, mantém-se a brecha para o
descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que proíbe a
destinação de recursos por orientação política sem a observância de critérios
socioeconômicos, bem como os princípios constitucionais de impessoalidade,
moralidade e publicidade. A nova resolução das RP-9 ignora ainda critérios que
exigem execução equitativa para a distribuição de outras emendas, individuais e
de bancada. Fato consumado, o País terá que aceitar o meio-termo, tudo para que
os parlamentares não sejam expostos ao vexame de descobrir que podem ter
vendido seu apoio aos péssimos projetos do governo por um valor muito menor do
que o pago a seus correligionários, ruindo a base de Jair Bolsonaro.
Para o Orçamento de 2022, relatado pelo
deputado Hugo Leal (PSDRJ), as emendas RP-9 podem chegar a R$ 16,2 bilhões.
Coincidentemente, o valor seria suficiente para zerar a fila de candidatos ao
Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. Estimativas atualizadas apontam
que 21,6 milhões de famílias estariam aptas a receber o benefício, mas a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios abriu espaço para
contemplar somente 17,9 milhões. Vale lembrar que a permanência das filas de
miseráveis contou com o aval do governo. Outra empulhação se revela: socorrer
os mais pobres não era justamente a desculpa para abrir o rombo de R$ 106,1
bilhões no teto e acabar com pilares macroeconômicos e de responsabilidade
fiscal?
Congresso precisa ser ágil e aprovar PL das
Fake News
O Globo
É feliz, oportuno e necessário o texto do
Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido por PL das Fake News, que vai a plenário
na Câmara. Os deputados, em particular o relator Orlando Silva (PCdoB-SP),
trataram com cuidado e rigor a redação original recebida do Senado. Promoveram
aperfeiçoamentos derivados de mais de 30 audiências públicas com 150
especialistas. O resultado, ainda que possa estar sujeito a controvérsias
pontuais num ou noutro artigo, traz um avanço inegável ao ambiente de
comunicação brasileiro às vésperas do ano eleitoral.
Seria um equívoco sem tamanho acreditar que
o projeto tenta apenas coibir a desinformação e as notícias fraudulentas, como
o apelido sugere. O nome oficial — Lei de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet — transmite de modo mais preciso seu teor. O texto
cria regras e limites para defender o cidadão e a democracia num terreno hoje
sob controle das grandes empresas de tecnologia: redes sociais como Facebook,
Instagram ou Twitter; serviços de mensagens como WhatsApp ou Telegram;
ferramentas de busca como Google.
O desafio dessa regulação é mediar dois
valores essenciais da democracia. Primeiro, a liberdade de expressão. Segundo,
a responsabilização dos que dela abusam para cometer crimes como injúria,
calúnia, difamação, racismo, homofobia, discursos de ódio, campanhas mentirosas
contra a saúde pública ou instituições democráticas. O relator criou mecanismos
que tentam coibir abusos sem cercear liberdades.
As plataformas digitais precisarão ter
regras públicas de uso e moderação de conteúdo, além de publicar relatórios
periódicos com transparência. Haverá medidas contra robôs e conteúdo tido como
“inautêntico”, com identificação dos usuários em caso de violação. Serão
impostas restrições ao encaminhamento múltiplo de mensagens. A inclusão em grupos
estará sujeita à anuência do usuário, de modo que serviços como o WhatsApp
sejam usados para comunicação individual em vez do disparo em massa de
propaganda.
Na moderação, terão direito a defesa os
usuários cujos perfis ou conteúdos forem limitados, rotulados ou banidos.
Haverá regras para funcionários públicos e perfis oficiais de autoridades, que
não poderão bloquear cidadãos. A imunidade parlamentar será resguardada nos
mesmos termos da Constituição. Haverá uma instituição criada pelas próprias plataformas
digitais para receber denúncias e tomar as medidas cabíveis com agilidade. A
fiscalização ficará a cargo do Comitê Gestor da Internet.
As plataformas terão de identificar com
clareza publicidade e conteúdos que pagarem por “impulsionamento”. Empresas com
sede fora do Brasil e mais de 10 milhões de usuários aqui deverão ter
representantes legais no país para vender publicidade a brasileiros. Todo
anunciante deverá poder ser identificado às autoridades. Por fim, o texto
estabelece que as plataformas deverão remunerar empresas jornalísticas pelo uso
de conteúdo, como já ocorre na Austrália, França e Alemanha.
A votação na Câmara depende do presidente
da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Uma vez aprovado lá, o projeto deverá passar por
nova votação no Senado, pois houve alterações no conteúdo. Para o bom
funcionamento da democracia brasileira, a versão da Câmara deveria ser aprovada
com urgência e, depois, mantida no Senado, a tempo de o país ter mecanismos
eficazes de combate à desinformação no ano eleitoral.
Governo erra ao contrariar Anvisa e
permitir entrada de não vacinados
O Globo
Ao contrariar recomendação da Anvisa e
permitir a entrada no Brasil de viajantes não vacinados, mediante quarentena de
cinco dias, o governo federal mais uma vez erra na gestão da pandemia. A
medida, tomada sob o argumento de evitar a exigência de um passaporte
sanitário, é contraditória, pois não dispensa a apresentação de comprovação da
vacina para quem quiser evitar a quarentena. E tem efeito duvidoso, pois não se
sabe como será o controle e a fiscalização. Tudo isso enquanto a esquiva
variante Ômicron se espalha pelo mundo.
Na prática, tem sido pífia a vigilância
fronteiriça. Em maio, quando a variante Delta se espalhava, um brasileiro
desembarcou em Guarulhos, viajou para o Rio, depois foi para Campos, no Norte
Fluminense, onde se hospedou em dois hotéis antes de voltar à capital. Quando
exames do Instituto Adolfo Lutz constataram que ele estava infectado com a cepa
indiana, ele já tivera contato com dezenas de pessoas. Rastreamento zero. O
caso é típico.
Todos sabem que Bolsonaro é contra a
vacinação obrigatória. E que seus ministros da Saúde não têm autonomia. Na
segunda-feira, estava marcada uma reunião com a Casa Civil e os ministérios de
Justiça, Saúde e Infraestrutura para tratar da nota técnica da Anvisa que
recomendava a exigência do passaporte sanitário para entrar no Brasil. A
intenção da agência era evitar que o país se transformasse em reduto para não
vacinados, facilitando a evolução de novas cepas e pondo em risco a saúde
pública. A reunião foi desmarcada em cima da hora depois de Bolsonaro esculhambar
a orientação da Anvisa.
Na terça-feira, antes mesmo de o ministro
da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciar a permissão para entrada de não vacinados,
Bolsonaro já deixara clara a posição do governo. O presidente mentiu ao dizer
que a Anvisa queria fechar o espaço aéreo brasileiro. Chegou ao cúmulo de
comparar o passaporte sanitário a uma coleira. “Por que essa coleira que querem
colocar no povo brasileiro? Cadê nossa liberdade? Prefiro morrer a perder minha
liberdade”. Mais tarde, Queiroga repetiu o disparate, dizendo que “às vezes, é
melhor perder a vida do que a liberdade”.
O passaporte sanitário é adotado no mundo
inteiro como forma de estimular a vacinação e de aumentar a segurança da
população. Na Itália, passou a ser exigido nos transportes públicos. Nova York,
nos EUA, tornou a vacinação obrigatória para funcionários de empresas privadas.
A Alemanha impôs lockdown para não vacinados. No Brasil, várias cidades e
instituições exigem comprovante de vacinação.
Países ricos puxam expansão global e China
desacelera
Valor Econômico
China deve crescer menos por alguns anos -
mas não tanto a ponto de criar problemas políticos para um presidente que se
pretende vitalício
A China terá o menor crescimento em décadas
em 2022 e as economias desenvolvidas terão um papel quase igual ao dos países
emergentes em garantir um crescimento global estimado em 4,9%, o que também é
inédito na história recente. Os chineses são os maiores compradores de
commodities do Brasil e, salvo mudanças inesperadas na oferta e nos estoques,
seus preços deverão ser menos atraentes do que foram em 2021. O passo firme da
economia americana e a recuperação europeia abrem algum espaço para reanimar as
exportações brasileiras de manufaturas, há muito tempo sem um desempenho
significativo.
A evolução da covid-19 e sua mais recente
variante, a ômicron, e a reversão dos enormes estímulos monetários e fiscais
nos países desenvolvidos determinarão a dinâmica do crescimento global.
Reincidências violentas do coronavírus e um erro no ritmo de aperto monetário nos
Estados Unidos poderão levar o mundo a crescer bem menos do que o previsto.
Ambos são possíveis, mas não compõem o cenário mais provável.
Os problemas dos Estados Unidos são mais
suaves do que os da China, as duas maiores economias do mundo. A inflação americana
é a mais alta entre as nações desenvolvidas, enquanto a da China é baixa e está
sob controle (perto de 3%). O Federal Reserve mudou o tom de sua orientação e
deve acelerar a retirada dos estímulos extraordinários executados para
enfrentar a pandemia, que começou em novembro e que deve ter seu passo
adiantado decidido na reunião do banco central em dezembro. Mesmo na pior
hipótese levantada pelos analistas - três altas de 0,25 ponto percentual dos
fed funds em 2022 - a política monetária ainda será estimulativa.
Deflacionado pelo PCE, o índice de inflação
preferido do Fed (5,1% em outubro), a taxa real de juros é negativa em 5%. O
título do Tesouro de 10 anos, com a alta da inflação, paga juro de -3,5%, um
recorde de baixa (Oxford Economics). Mas o aperto das condições financeiras que
isto sinalizaria pode ter efeitos muito maiores do que os de um aumento de 0,75
ponto percentual nos fed funds. O risco é o Fed errar na calibragem dos juros e
a economia esfriar mais do que o necessário. A política fiscal será
contracionista, pois a retirada dos estímulos, que já ocorreu em boa parte,
terá mais impacto que os pacotes multianuais aprovados do governo de Joe Biden.
As dificuldades da economia chinesa são de
outra natureza. Bolhas de crédito acumuladas por anos estouraram na forma de
colapso da Evergrande, a maior incorporadora imobiliária do país, seguida ontem
pela Kaisa, a segunda tomadora de empréstimos no exterior, que não quitou
débitos que venciam, além de dezenas de outras empresas desse mercado. O governo
chinês tenta mais uma vez desarmar a bomba do endividamento sem derrubar muito
o crescimento. Após apertar a regulação e o crédito, o BC chinês reduziu o
compulsório dos bancos, enquanto os veículos financeiros dos governos locais
aumentaram a compra de terras de incorporadores em dificuldades.
Quase um quarto do PIB chinês gira em torno
dos imóveis e essa é uma tremenda encrenca imediata. Há outras: surtos de
covid-19 em várias regiões acionaram o tratamento de choque padrão das
autoridades, isolando cidades ou bairros inteiros para controlá-los, com
diminuição das atividades econômicas. Dificuldades no abastecimento da energia
levaram Pequim a ressuscitar em massa o carvão como combustível das térmicas.
A disputa com os Estados Unidos e o aperto
político interno decretado por Xi como reação a ela - maior controle dos dados,
freio regulatório e de conteúdo das gigantescas empresas de TI, intervenção no
sistema privado de apoio ao ensino - têm efeito negativo sobre a economia. Xi
intensificou o rumo da China em direção ao mercado interno, em uma transição
problemática que deve significar crescimento menor por alguns anos - mas não
tão menor a ponto de criar problemas políticos para um presidente que se
pretende vitalício. Por outro lado, a guerra comercial com os EUA desviou parte
das compras americanas da China para Vietnã, México, Tailândia etc.
Os países emergentes da Ásia, às voltas com
virulência da covid-19 no terceiro trimestre, não sofrem surtos inflacionários
e devem voltar a crescer bem em 2022. Não é o caso dos emergentes
latino-americanos, como o Brasil, que já estão apertando sua política monetária
e possivelmente terão de continuar a fazê-lo depois que o Fed começar a elevar
a taxa de juros. O Brasil terá crescimento próximo de zero ou recessão.
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