Valor Econômico
Manobras são para mostrar situação fiscal
“melhorada”
Defensores de Dilma Rousseff sempre
alegarão que a ex-presidente perdeu o mandato devido a um golpe promovido pela
oposição. Na verdade, a história conta que a manobra política que levou ao seu
impeachment foi liderada por seus aliados tanto na eleição para o primeiro
mandato (2011-2014) quanto para o segundo (2015-2018), este interrompido em
maio de 2016 com o afastamento aprovado pela Câmara dos Deputados.
Alvo de dezenas de pedidos de impeachment,
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso explicou certa vez que esses são
iniciados pela Câmara apenas depois de cumpridas três condições: técnica, isto
é, quando o mandatário descumpre alguma lei; política, quando há o "clamor
das ruas" - manifestações populares constantes, a revelar insatisfação com
o governo -; e parlamentar, quando se reúne maioria no Congresso para aprovar o
impeachment.
No caso de Dilma, as três condições estavam preenchidas com folga no fim de 2015, quando se encerrou o primeiro ano de seu segundo mandato. Diz-se que o processo de impedimento é político, uma decisão soberana do Parlamento. Apenas esse argumento já justificaria o impeachment, afinal, estamos numa democracia. Ocorre que o governo da ex-presidente infringiu leis fiscais. Ainda assim, seus correligionários no PT sustentam a tese do golpe.
Mas, afinal, que ilegalidades o então
governo Dilma cometeu e qual é a gravidade dos delitos? Ela incorreu no que ficou
conhecido como "pedalada fiscal".
Como explica Antonio Carlos Costa d’Ávila
Carvalho Júnior, consultor de Orçamento da Câmara e um dos maiores
especialistas do assunto em Brasília, o resultado primário - conceito das
contas públicas que exclui a despesa com juros da dívida pública- considerado
oficial para fins de verificação do alcance das metas fiscais é publicado
mensalmente pelo Banco Central (BC). Este apura a variação do saldo da dívida
líquida do setor público (DLSP), descontando os juros apropriados pelo regime
de competência.
“Apenas as obrigações e os ativos
financeiros registrados junto a entidades do sistema financeiro, ou que tenham
se originado de operações por elas sancionadas ou intermediadas, integram o
montante da dívida líquida. Referido escopo determina, indiretamente, o regime
contábil da apuração: o momento do financiamento", observa Costa d'Ávila,
que, antes de se tornar consultor da Câmara, foi auditor do Tribunal de Contas
da União (TCU), analista do BC e funcionário do Banco do Brasil.
As pedaladas fiscais surgem justamente do
interesse das autoridades de mostrar situação fiscal melhor que a real.
Trata-se de uma maneira de postergar o registro da despesa primária. A pedalada
“clássica” não significa descumprir leis porque usa regras da metodologia
oficial.
“Nesse caso, sabedor de que o atraso no
pagamento de determinada obrigação não provocará aumento da DLSP, uma vez que,
por não atender aos critérios metodológicos, o passivo respectivo não será
captado pela estatística fiscal, o governo posterga para outro mês o desembolso
dos recursos, adiando o cômputo da variação primária deficitária pelo BC",
explica o especialista. São exemplos de pedaladas "clássicas" o
parcelamento de precatórios e os atrasos nos repasses de recursos de royalties
e do salário educação a Estados e municípios. "Estes últimos,
identificados em 2014 pelo TCU), no processo das 'pedaladas'."
As pedaladas ilegais são as que, além de
descumprirem regras ditadas pela contabilidade oficial, envolvem a realização
de operações que são contrárias, vedadas ou praticadas com inobservância de
outras normas. Pouco antes da eleição de 2014, lembra Costa d'Ávila, o governo
viu-se sem espaço fiscal para honrar o pagamento de várias despesas.
“Nos casos de seguro-desemprego, abono
salarial e Bolsa Família, atrasar o pagamento dessas obrigações seria uma
pedalada ‘clássica’ (dívidas junto a pessoas físicas não são captadas pela
estatística), mas traria elevado ônus político. A solução, nada ortodoxa,
adotada foi utilizar recursos da Caixa para honrar os dispêndios em nome da
União (operação vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal e
passível de enquadramento no artigo 359-A do Código Penal); deixar de
registrar, na DLSP, a dívida junto à Caixa (contrariando a metodologia); e
executar os dispêndios à margem do Orçamento (ato tipificado pelo artigo 359-D
do Código Penal), para que outras despesas de significativa exposição e bônus
político, inseridas no processo orçamentário, não precisassem ser
contigenciadas", diz o consultor, deixando claro o tamanho da ilegalidade
cometida pelo governo Dilma Rousseff.
Outro tipo de pedalada "fora da
lei" identificada em 2014 foi praticada no âmbito do PSI/BNDES/Finame. De
acordo com a lei que rege o programa, ao fim de cada semestre (período de
equalização), a União deveria pagar "equalizações de juros" ao
BNDES/Finame, para repor à instituição financeira recursos que esta deixava de
receber em razão da concessão de crédito subsidiado. Do ponto de vista das
regras da contabilidade oficial, pagar as equalizações - em dia ou não -
representaria incorrer em despesa primária, fosse pela redução do saldo da
Conta Única do Tesouro, fosse pelo aumento do estoque de obrigações,
respectivamente.
“Optou-se por não realizar os pagamentos e
por não registrar as dívidas na contabilidade oficial. Além disso, o extinto
Ministério da Fazenda passou a editar portarias que, ao arrepio da lei,
estabeleciam o lapso de 24 meses para pagamento das equalizações e os juros que
passariam a ser devidos em razão desse prazo. Funcionavam como verdadeiros
contratos unilaterais, por meio dos quais a União obrigava a instituição
financeira a financiá-la, em afronta à vedação trazida pelo artigo 36 da LRF
(Lei de Responsabilidade Fiscal). Não fosse o bastante, ao fim dos dois anos, a
dívida (principal e juros) não era paga nem registrada pelas estatísticas
fiscais”, explica Costa d'Ávila.
Tem mais. No âmbito do Minha Casa Minha
Vida, atrasar o pagamento de subvenções representaria postergar o registro da
despesa primária, mas afetaria a execução da política pública. Então, por lei,
o FGTS foi autorizado a honrar os pagamentos da União junto a cada mutuário.
“Uma das pedaladas ‘fora da lei’, no caso, consistia em não registrar nas
estatísticas o passivo oriundo da concessão do crédito, omitindo, assim, o
cômputo da despesa.”
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