No
longo prazo, diferença entre escolas privadas e estatais na pandemia aumentará
a desigualdade
Um
ano sem escola. Esse é o saldo da pandemia de covid-19 para milhares de alunos
das escolas estatais brasileiras. Em todos os níveis de ensino. Das creches às
universidades. Isso se tivermos vacinas no começo de 2021. Afinal, os
sindicatos de professores dessas escolas decidiram que somente voltarão ao
trabalho quando tivermos vacinas para todos.
Por
outro lado, uma parte importante das escolas privadas conseguiu manter as aulas
com a utilização de tecnologia digital. Ainda que se possa questionar se as escolas
conseguiram ou não manter a qualidade dos cursos presenciais, essa dicotomia
terá um efeito extremamente importante sobre a desigualdade da distribuição da
renda no País no longo prazo.
Isso é particularmente importante para as creches. Como mostrei em meu último artigo neste espaço, o auge do desenvolvimento da capacidade de aprendizagem do ser humano ocorre entre os seis meses de gravidez e os 5 ou 6 anos de idade. Como o estoque de capital humano acumulado pelos membros adultos das famílias está diretamente relacionado ao desenvolvimento da capacidade de aprendizado das crianças (os adultos são fundamentais para ajudar as crianças no desenvolvimento de capital humano) e ao nível de renda das famílias, uma das principais funções das creches e dos primeiros anos de escola é exatamente compensar, ao menos em parte, esse diferencial de estoque de capital humano das famílias. Como resultado desta diferença de comportamento entre as escolas privadas e as estatais durante a pandemia, a disparidade de capital humano acumulado vai aumentar nas próximas gerações, aumentando a desigualdade no longo prazo.
A
possibilidade de utilizar recursos públicos para financiar alunos nas creches e
na pré-escola, um dispositivo incluído no novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),
poderá ser um importante instrumento para minorar este processo. Como não
existem vagas suficientes para estes níveis de ensino na maior parte das
cidades brasileiras (somente 35% das crianças entre zero e seis anos de idade
estão em creches e na pré-escola), as prefeituras poderiam criar um programa de
financiamento de escolas privadas para estes níveis de ensino, na medida em que
construir mais prédios e infraestrutura física, contratar novos professores,
etc., para criar creches pode ser impossível, dadas as restrições fiscais dos
municípios.
Para
uma escola já existente, o aumento de custo decorrente da adição de um aluno é
relativamente pequeno. As instalações já estão prontas, o aluno adicional terá
pouco efeito sobre a qualidade do ensino, a infraestrutura física da escola é
pouco afetada pelo aluno adicional, etc. À medida que o número de novos alunos
aceitos cresce, o custo por aluno adicional também aumenta. Afinal, para manter
a qualidade do ensino será necessário aumentar o número de salas de aula, de
professores, etc. Ou seja, o custo de cada aluno que é acrescentado à sala de
aula aumenta com o número de alunos adicionais que a escola estará disposta a
aceitar.
Se
a prefeitura criar um programa que transfira uma determinada quantidade de
recurso por aluno pobre aceito pela creche, como são escolas privadas, elas
irão aceitar alunos se o custo adicional do aluno for igual ou menor que o
valor da transferência. Em especial, a creche vai aceitar novos alunos até o
ponto em que o custo adicional, que, como vimos, é crescente, for igual ao
valor da transferência.
Seria
uma forma relativamente barata de aumentar o número de alunos de famílias
pobres em creches, com o mínimo de burocracia. Por outro lado, um programa como
este irá aumentar o conjunto de creches que as famílias pobres poderiam
escolher para colocar seus filhos. O resultado, no longo prazo, seria uma
diminuição da desigualdade do estoque de capital humano entre as famílias e,
portanto, na desigualdade de renda no País.
* Professor do departamento de Economia da PUC/Rio, é economista chefe da Genial Investimentos
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