Valor Econômico
Governo corre para reduzir alta rejeição
entre as mulheres
Setenta e sete milhões, quinhentos e
oitenta e um mil, seiscentos e dezesseis brasileiras estão aptas a votar nas
eleições marcadas para outubro. Juntas, elas somam 52,86% do eleitorado, mais
do que os 52,50% do pleito de 2018. E representam, também, um dos principais
desafios do presidente Jair Bolsonaro em sua campanha à reeleição.
Questão antiga. Ao longo de sua ruidosa carreira parlamentar, Bolsonaro protagonizou alguns episódios que ganharam destaque nas páginas mais infelizes dos diários da Câmara dos Deputados. Em um deles, atacou participantes de uma audiência pública que debatia a violência contra mulheres e meninas, o enfrentamento ao estupro e à impunidade, além de políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento a vítimas.
Isso foi em setembro de 2016, mas há outros
exemplos. Muitos. Tantos que durante a campanha de 2018 Bolsonaro foi alvo de
manifestações populares lideradas por mulheres em diversas cidades do país,
protestos que ficaram conhecidos como “Movimento Ele Não”. Se isso o atrapalhou
ou acabou o ajudando a conquistar a vitória no pleito, como disse certa vez o
marqueteiro João Santana em entrevista ao Valor, é uma discussão para os especialistas. Mas,
o fato é que, mesmo depois de eleito presidente da República, Bolsonaro ainda
não conseguiu melhorar sua avaliação nesse crescente segmento da população.
Recente trabalho do instituto Inteligência
em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) serve de indicativo. Quando
perguntadas se aprovam ou desaprovam a maneira como Bolsonaro está governando o
Brasil, 70% das entrevistadas disseram que reprovam. Entre os homens, esse
índice foi de 66%. Só 25% das entrevistadas disseram que aprovam, ante 30% dos
homens.
Mais mulheres do que homens consideraram a
atual administração “péssima”, e menos demonstraram disposição de votar pela
reeleição do presidente. Bolsonaro também foi mais apontado por elas quando os
entrevistadores perguntaram: “Dentre estes candidatos a presidente da
República, em qual não votaria de jeito nenhum? Mais algum? Algum outro?” O
resultado foi que 58% das mulheres rejeitam o presidente, contra 51% dos
homens.
Diante desse cenário, adversários de
Bolsonaro já têm algumas ideias de como sensibilizar essa parcela do
eleitorado, a qual pode determinar o desfecho da disputa.
Uma delas é reforçar a percepção de que
falta empatia ao chefe do Executivo. Isso já começou durante a CPI da Covid,
quando senadores que integravam o grupo majoritário da comissão parlamentar de
inquérito passaram a exibir vídeos de Bolsonaro relativizando o perigo do coronavírus
e o número de mortes. Um trecho especialmente chocante era quando o presidente
imitava, num gesto de péssimo gosto, alguém com falta de ar.
Na passagem para o Ano Novo, ao manter as
férias enquanto diversos municípios baianos sofriam com enchentes e inundações,
o presidente deu nova oportunidade para os seus críticos. Estes tampouco
deverão deixar de explorar a demora na vacinação infantil e a declaração de que
desconhece mortes de crianças infectadas pela covid-19.
Outra certeza é que abordarão, durante a
campanha, o aumento dos preços que mais afetam o orçamento familiar e a redução
do poder de compra. Inevitavelmente, a inflação será outro grande desafio do
governo no embate que se aproxima. Ainda é cedo para saber como reagirão,
quando chegarem às seções eleitorais, os milhões de mães, avós, tias e irmãs.
Bolsonaro, contudo, também desenha uma
estratégia. Uma possibilidade aventada por seus aliados é a escolha de uma
mulher para a vaga de vice, e, neste caso, há duas ministras que podem assumir
o papel: Tereza Cristina, titular da pasta da Agricultura, e Damares Alves, que
está à frente da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Aliás: em ação que o Ministério Público
Federal lista uma série de declarações discriminatórias do presidente, as duas
aparecem na passagem que lembra quando Bolsonaro ironizou as críticas sobre o
fato de o primeiro escalão ter 20 homens e só 2 ministras. Segundo ele, havia
equilíbrio. Era Dia da Mulher. A peça lista mais casos lamentáveis.
Outra estratégia do governo é o lançamento,
ainda que tardio, de programas que possam ser citados num eventual debate ou em
alguma propaganda. Em outras palavras, algo que possa servir de antídoto contra
os ataques que certamente virão.
Um exemplo é o Plano Nacional de Enfrentamento
ao Feminicídio, instituído no finalzinho de dezembro do ano passado por meio de
decreto. Três anos depois da posse. É difícil imaginar que tenha resultados
práticos a curto prazo, até porque depende de uma potente articulação com
Estados e municípios, diálogo que este governo não possui.
Nunca é demais lembrar que nem sempre foi
assim. Por muito tempo, pouco importou para as lideranças políticas o que
pensavam ou demandavam as cidadãs deste país. A luta foi longa e a briga, mais
do que justa.
A vitória veio em 1932, quando no dia 24 de
fevereiro Getúlio Vargas editou o decreto presidencial que instituiu um novo
Código Eleitoral. Mas há outros detalhes que valem ser recordados deste mesmo
verbete da história do Brasil: em 1933, houve eleição para a Assembleia
Nacional Constituinte e as mulheres puderam votar e serem votadas pela primeira
vez. No entanto, apenas uma conseguiu eleger-se deputada federal - Carlota
Pereira de Queirós, por São Paulo. Bertha Lutz, outra candidata e referência do
movimento feminista, obteve a primeira suplência pelo Distrito Federal.
Instalada, a Constituinte elaborou uma nova
Carta Magna, que passou a valer no ano seguinte, consolidando o voto feminino -
a Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 estabeleceu que poderiam votar
“os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos”. Quando se analisa
em perspectiva, pouco tempo passou desde então. O suficiente para que, hoje, o
eleitorado feminino seja visto como fundamental para qualquer estrategista de
campanha.
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