quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Fernando Exman: Depois de 90 anos, o poder do voto feminino

Valor Econômico

Governo corre para reduzir alta rejeição entre as mulheres

Setenta e sete milhões, quinhentos e oitenta e um mil, seiscentos e dezesseis brasileiras estão aptas a votar nas eleições marcadas para outubro. Juntas, elas somam 52,86% do eleitorado, mais do que os 52,50% do pleito de 2018. E representam, também, um dos principais desafios do presidente Jair Bolsonaro em sua campanha à reeleição.

Questão antiga. Ao longo de sua ruidosa carreira parlamentar, Bolsonaro protagonizou alguns episódios que ganharam destaque nas páginas mais infelizes dos diários da Câmara dos Deputados. Em um deles, atacou participantes de uma audiência pública que debatia a violência contra mulheres e meninas, o enfrentamento ao estupro e à impunidade, além de políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento a vítimas.

Isso foi em setembro de 2016, mas há outros exemplos. Muitos. Tantos que durante a campanha de 2018 Bolsonaro foi alvo de manifestações populares lideradas por mulheres em diversas cidades do país, protestos que ficaram conhecidos como “Movimento Ele Não”. Se isso o atrapalhou ou acabou o ajudando a conquistar a vitória no pleito, como disse certa vez o marqueteiro João Santana em entrevista ao Valor, é uma discussão para os especialistas. Mas, o fato é que, mesmo depois de eleito presidente da República, Bolsonaro ainda não conseguiu melhorar sua avaliação nesse crescente segmento da população.

Recente trabalho do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) serve de indicativo. Quando perguntadas se aprovam ou desaprovam a maneira como Bolsonaro está governando o Brasil, 70% das entrevistadas disseram que reprovam. Entre os homens, esse índice foi de 66%. Só 25% das entrevistadas disseram que aprovam, ante 30% dos homens.

Mais mulheres do que homens consideraram a atual administração “péssima”, e menos demonstraram disposição de votar pela reeleição do presidente. Bolsonaro também foi mais apontado por elas quando os entrevistadores perguntaram: “Dentre estes candidatos a presidente da República, em qual não votaria de jeito nenhum? Mais algum? Algum outro?” O resultado foi que 58% das mulheres rejeitam o presidente, contra 51% dos homens.

Diante desse cenário, adversários de Bolsonaro já têm algumas ideias de como sensibilizar essa parcela do eleitorado, a qual pode determinar o desfecho da disputa.

Uma delas é reforçar a percepção de que falta empatia ao chefe do Executivo. Isso já começou durante a CPI da Covid, quando senadores que integravam o grupo majoritário da comissão parlamentar de inquérito passaram a exibir vídeos de Bolsonaro relativizando o perigo do coronavírus e o número de mortes. Um trecho especialmente chocante era quando o presidente imitava, num gesto de péssimo gosto, alguém com falta de ar.

Na passagem para o Ano Novo, ao manter as férias enquanto diversos municípios baianos sofriam com enchentes e inundações, o presidente deu nova oportunidade para os seus críticos. Estes tampouco deverão deixar de explorar a demora na vacinação infantil e a declaração de que desconhece mortes de crianças infectadas pela covid-19.

Outra certeza é que abordarão, durante a campanha, o aumento dos preços que mais afetam o orçamento familiar e a redução do poder de compra. Inevitavelmente, a inflação será outro grande desafio do governo no embate que se aproxima. Ainda é cedo para saber como reagirão, quando chegarem às seções eleitorais, os milhões de mães, avós, tias e irmãs.

Bolsonaro, contudo, também desenha uma estratégia. Uma possibilidade aventada por seus aliados é a escolha de uma mulher para a vaga de vice, e, neste caso, há duas ministras que podem assumir o papel: Tereza Cristina, titular da pasta da Agricultura, e Damares Alves, que está à frente da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Aliás: em ação que o Ministério Público Federal lista uma série de declarações discriminatórias do presidente, as duas aparecem na passagem que lembra quando Bolsonaro ironizou as críticas sobre o fato de o primeiro escalão ter 20 homens e só 2 ministras. Segundo ele, havia equilíbrio. Era Dia da Mulher. A peça lista mais casos lamentáveis.

Outra estratégia do governo é o lançamento, ainda que tardio, de programas que possam ser citados num eventual debate ou em alguma propaganda. Em outras palavras, algo que possa servir de antídoto contra os ataques que certamente virão.

Um exemplo é o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, instituído no finalzinho de dezembro do ano passado por meio de decreto. Três anos depois da posse. É difícil imaginar que tenha resultados práticos a curto prazo, até porque depende de uma potente articulação com Estados e municípios, diálogo que este governo não possui.

Nunca é demais lembrar que nem sempre foi assim. Por muito tempo, pouco importou para as lideranças políticas o que pensavam ou demandavam as cidadãs deste país. A luta foi longa e a briga, mais do que justa.

A vitória veio em 1932, quando no dia 24 de fevereiro Getúlio Vargas editou o decreto presidencial que instituiu um novo Código Eleitoral. Mas há outros detalhes que valem ser recordados deste mesmo verbete da história do Brasil: em 1933, houve eleição para a Assembleia Nacional Constituinte e as mulheres puderam votar e serem votadas pela primeira vez. No entanto, apenas uma conseguiu eleger-se deputada federal - Carlota Pereira de Queirós, por São Paulo. Bertha Lutz, outra candidata e referência do movimento feminista, obteve a primeira suplência pelo Distrito Federal.

Instalada, a Constituinte elaborou uma nova Carta Magna, que passou a valer no ano seguinte, consolidando o voto feminino - a Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 estabeleceu que poderiam votar “os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos”. Quando se analisa em perspectiva, pouco tempo passou desde então. O suficiente para que, hoje, o eleitorado feminino seja visto como fundamental para qualquer estrategista de campanha.

 

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