quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Nilson Teixeira: Terceiro governo Lula não seria revanchista

Valor Econômico

O ex-presidente conhece as vantagens de uma inflação baixa e da responsabilidade fiscal

A vitória do ex-presidente Lula na eleição de outubro, em disputa polarizada com o presidente Bolsonaro, é provável. A chance é baixa de surgimento de uma candidatura única capaz de unir eleitores de perfil moderado e avessos aos dois candidatos. A rejeição à Bolsonaro, até por ser o postulante incumbente, recuará com o Auxílio Brasil.

Ao mesmo tempo, as intenções de voto em Lula podem diminuir com o esperado ataque nas redes sociais, associando-o aos malfeitos no governo PT. No entanto, a estagnação, o alto desemprego e os conflitos frequentes de Bolsonaro enfraquecem o cenário em que sua votação supere as de Lula. Quando muito, haveria 2º turno.

O quadro pode se tornar ainda mais favorável para Lula, caso a sua campanha convença eleitores com perfil conservador sobre a adoção de uma plataforma sem extremismos. A possível participação do ex-governador Geraldo Alckmin, como vice-presidente na sua chapa, demonstra a vontade de Lula de compor alianças com o centro.

Mesmo assim, alguns participantes de mercado projetam um governo PT radical e orientado pela revolta de ter sido vítima da suposta contrariedade da elite e de alegações de ligação com a corrupção. A escolha de um conjunto de economistas heterodoxos para coordenar a discussão na sua campanha reforça essa leitura.

Como a corrida eleitoral atém-se a platitudes sobre temas econômicos, a escolha desses economistas por Lula não é uma sinalização sobre quem seria o ministro da Economia nem sobre a linha a ser adotada. A análise dos governos de Bolsonaro e de Lula aponta que o mais eficaz seria ter um político experiente no cargo, com uma equipe mais ortodoxa do que a do grupo escolhido pelo PT. Os rumores de que um 3º governo Lula revisaria as privatizações, revogaria a reforma trabalhista e eliminaria a autonomia do Banco Central (BC), entre outros devaneios, são discursos de campanha para agradar as bases mais aguerridas ou circunscritos a comissões - caminho certo para não prosperarem. Ademais, essas propostas não seriam apoiadas pelos congressistas de centro, o que dificultaria seu avanço no Congresso. Independentemente da mágoa por sua condenação e prisão, Lula não teria ganhos em abraçar ações revanchistas.

Assim, a percepção de que Lula adotaria políticas heterodoxas se dissipará mais rapidamente do que na eleição de 2002, quando perdurou até o pleito. Um governo Lula defenderia uma plataforma moderada e direcionada às demandas dos mais pobres, em particular em educação, saúde e renda. O ex-presidente conhece as vantagens de uma inflação baixa e da responsabilidade fiscal. A autonomia do BC e o esperado recuo da inflação em 2022 ajudariam um governo PT, que não precisaria defender uma política monetária mais apertada nem um plano que, como em 2003, foque quase apenas nessa redução.

Esse arcabouço permitiria a Lula concentrar esforços em agendas pró-crescimento - estímulos aos investimentos em infraestrutura e tecnologia, de melhoria da distribuição de renda e de criação de oportunidades para os trabalhadores informais.

A avaliação de Lula sobre os requisitos para a implementação dessa agenda será crucial para o seu sucesso. O aumento dos investimentos públicos e o das transferências de renda para os mais carentes sem nenhum comprometimento firme com o declínio da dívida pública e a obtenção de superávits fiscais não terão êxito. A composição das contas públicas demonstra que essa agenda requer reformas, em particular a tributária e a administrativa.

Não é uma missão fácil. Mesmo com o discurso liberal da sua equipe, Bolsonaro não avançou com essas reformas, em parte, devido à sua baixa crença nas propostas e à inabilidade dos seus operadores. O governo PT teria ainda mais dificuldade. Segmentos radicais do partido defenderiam aumento exagerado de impostos sobre os mais ricos e sobre os ganhos de capital, bem como a elevação da tributação sobre as correntes de comércio e as remessas de divisas para o exterior. Após oito anos como presidente, Lula sabe que essas medidas são pouco eficazes ou insuficientes e não afastam a necessidade de reformas.

Ao desprezar as versões de reforma tributária em tramitação no Congresso, Bolsonaro comprovou que não há condições de aprovar projetos sem partilhar cargos com a base aliada e sem a participação dos principais líderes na sua formulação. Essa parece ser a única maneira de avançar com ajustes amplos e de reduzir renúncias tributárias ineficientes.

A Reforma Administrativa também precisa ser perseguida, dado o peso dos gastos com servidores ativos e inativos nas contas públicas. Mesmo não tendo nenhuma dívida de gratidão com a maioria do funcionalismo, que nunca cerrou fileiras com o partido, o PT teria dificuldade de propor uma reforma administrativa de peso e a transferência do controle de estatais para o setor privado. Nesse caso, a melhor estratégia seria encorajar a tramitação da proposta existente no Congresso com ajustes, bem como manter o atual processo de venda de concessões.

As relações internacionais, bem como as políticas voltadas às minorias e de defesa do meio ambiente, melhorariam instantaneamente sob Lula. Não é certo, porém, que as ações implementadas seriam efetivas a ponto de mudar rapidamente o quadro desfavorável.

A construção de uma sólida base de apoio no Congresso para aprovar essas reformas seria relativamente fácil para o PT. A maioria dos partidos do Centrão, mesmo os que sustentam no momento o atual presidente, não teriam objeção de apoiar o novo governo. Além da federação de partidos de esquerda, PP, MDB e PSD, entre outros, comporiam provavelmente o governo Lula, ainda mais se Alckmin participar da articulação.

Em suma, não seria difícil formar um governo com atuação mais efetiva do que o atual. Lula precisaria, porém, partilhar a formatação de propostas com os principais líderes do Congresso. O risco seria de um governo PT crer que há atalhos menos desgastantes para alcançar seus objetivos. A consequência seria clara: mais anos de estagnação, inflação alta e frustração.

 

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