Valor Econômico
O ex-presidente conhece as vantagens de uma
inflação baixa e da responsabilidade fiscal
A vitória do ex-presidente Lula na eleição
de outubro, em disputa polarizada com o presidente Bolsonaro, é provável. A
chance é baixa de surgimento de uma candidatura única capaz de unir eleitores
de perfil moderado e avessos aos dois candidatos. A rejeição à Bolsonaro, até
por ser o postulante incumbente, recuará com o Auxílio Brasil.
Ao mesmo tempo, as intenções de voto em
Lula podem diminuir com o esperado ataque nas redes sociais, associando-o aos
malfeitos no governo PT. No entanto, a estagnação, o alto desemprego e os
conflitos frequentes de Bolsonaro enfraquecem o cenário em que sua votação
supere as de Lula. Quando muito, haveria 2º turno.
O quadro pode se tornar ainda mais
favorável para Lula, caso a sua campanha convença eleitores com perfil
conservador sobre a adoção de uma plataforma sem extremismos. A possível
participação do ex-governador Geraldo Alckmin, como vice-presidente na sua chapa,
demonstra a vontade de Lula de compor alianças com o centro.
Mesmo assim, alguns participantes de
mercado projetam um governo PT radical e orientado pela revolta de ter sido
vítima da suposta contrariedade da elite e de alegações de ligação com a corrupção.
A escolha de um conjunto de economistas heterodoxos para coordenar a discussão
na sua campanha reforça essa leitura.
Como a corrida eleitoral atém-se a platitudes sobre temas econômicos, a escolha desses economistas por Lula não é uma sinalização sobre quem seria o ministro da Economia nem sobre a linha a ser adotada. A análise dos governos de Bolsonaro e de Lula aponta que o mais eficaz seria ter um político experiente no cargo, com uma equipe mais ortodoxa do que a do grupo escolhido pelo PT. Os rumores de que um 3º governo Lula revisaria as privatizações, revogaria a reforma trabalhista e eliminaria a autonomia do Banco Central (BC), entre outros devaneios, são discursos de campanha para agradar as bases mais aguerridas ou circunscritos a comissões - caminho certo para não prosperarem. Ademais, essas propostas não seriam apoiadas pelos congressistas de centro, o que dificultaria seu avanço no Congresso. Independentemente da mágoa por sua condenação e prisão, Lula não teria ganhos em abraçar ações revanchistas.
Assim, a percepção de que Lula adotaria
políticas heterodoxas se dissipará mais rapidamente do que na eleição de 2002,
quando perdurou até o pleito. Um governo Lula defenderia uma plataforma
moderada e direcionada às demandas dos mais pobres, em particular em educação,
saúde e renda. O ex-presidente conhece as vantagens de uma inflação baixa e da
responsabilidade fiscal. A autonomia do BC e o esperado recuo da inflação em
2022 ajudariam um governo PT, que não precisaria defender uma política monetária
mais apertada nem um plano que, como em 2003, foque quase apenas nessa redução.
Esse arcabouço permitiria a Lula concentrar
esforços em agendas pró-crescimento - estímulos aos investimentos em
infraestrutura e tecnologia, de melhoria da distribuição de renda e de criação
de oportunidades para os trabalhadores informais.
A avaliação de Lula sobre os requisitos
para a implementação dessa agenda será crucial para o seu sucesso. O aumento
dos investimentos públicos e o das transferências de renda para os mais
carentes sem nenhum comprometimento firme com o declínio da dívida pública e a
obtenção de superávits fiscais não terão êxito. A composição das contas
públicas demonstra que essa agenda requer reformas, em particular a tributária
e a administrativa.
Não é uma missão fácil. Mesmo com o
discurso liberal da sua equipe, Bolsonaro não avançou com essas reformas, em
parte, devido à sua baixa crença nas propostas e à inabilidade dos seus
operadores. O governo PT teria ainda mais dificuldade. Segmentos radicais do
partido defenderiam aumento exagerado de impostos sobre os mais ricos e sobre
os ganhos de capital, bem como a elevação da tributação sobre as correntes de
comércio e as remessas de divisas para o exterior. Após oito anos como
presidente, Lula sabe que essas medidas são pouco eficazes ou insuficientes e
não afastam a necessidade de reformas.
Ao desprezar as versões de reforma
tributária em tramitação no Congresso, Bolsonaro comprovou que não há condições
de aprovar projetos sem partilhar cargos com a base aliada e sem a participação
dos principais líderes na sua formulação. Essa parece ser a única maneira de
avançar com ajustes amplos e de reduzir renúncias tributárias ineficientes.
A Reforma Administrativa também precisa ser
perseguida, dado o peso dos gastos com servidores ativos e inativos nas contas
públicas. Mesmo não tendo nenhuma dívida de gratidão com a maioria do
funcionalismo, que nunca cerrou fileiras com o partido, o PT teria dificuldade
de propor uma reforma administrativa de peso e a transferência do controle de
estatais para o setor privado. Nesse caso, a melhor estratégia seria encorajar
a tramitação da proposta existente no Congresso com ajustes, bem como manter o
atual processo de venda de concessões.
As relações internacionais, bem como as
políticas voltadas às minorias e de defesa do meio ambiente, melhorariam
instantaneamente sob Lula. Não é certo, porém, que as ações implementadas
seriam efetivas a ponto de mudar rapidamente o quadro desfavorável.
A construção de uma sólida base de apoio no
Congresso para aprovar essas reformas seria relativamente fácil para o PT. A
maioria dos partidos do Centrão, mesmo os que sustentam no momento o atual
presidente, não teriam objeção de apoiar o novo governo. Além da federação de
partidos de esquerda, PP, MDB e PSD, entre outros, comporiam provavelmente o
governo Lula, ainda mais se Alckmin participar da articulação.
Em suma, não seria difícil formar um
governo com atuação mais efetiva do que o atual. Lula precisaria, porém,
partilhar a formatação de propostas com os principais líderes do Congresso. O
risco seria de um governo PT crer que há atalhos menos desgastantes para
alcançar seus objetivos. A consequência seria clara: mais anos de estagnação,
inflação alta e frustração.
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