O Globo
A coisa mais perigosa do mundo é arriscar
previsões sobre o comportamento de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, é indiscutível
que, depois da missão Michel Temer, em setembro do ano passado, ele baixou o
verbo com os ministros do Supremo Tribunal Federal. Parece que a nota do
almirante da reserva Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa,
levou-o a baixar a bola também no ridículo conflito em torno da vacina das
crianças. Se disso resultar uma moratória de Bolsonaro diante da pandemia, o
ano de 2022 terá começado melhor.
Desde que o coronavírus entrou na agenda
mundial, o capitão errou todas. A “gripezinha” matou mais de 620 mil pessoas, e
a cloroquina serviu para nada. A boa notícia veio do funcionamento do programa
de imunização, área em que o Brasil tinha um desempenho histórico louvável. A ele,
somou-se o comportamento da população, vacinando-se. Nem o declínio na
qualidade da gestão do Ministério da Saúde foi suficiente para anestesiar os
brasileiros.
Se Bolsonaro parar de exercer ilegalmente a medicina, deixando a pandemia para os médicos, todo mundo ganha.
O coronavírus teve um terrível efeito sobre
o governo de Bolsonaro. Começou brigando com João Doria, um governador que
havia ajudado a eleger. Em seguida, brigou com Luiz Henrique Mandetta, um
deputado que havia colocado no Ministério da Saúde. Nelson Teich, seu
substituto, devolveu-lhe o cargo em poucas semanas, até que o capitão puxou da
mochila sua arma secreta: um general da ativa. Eduardo Pazuello deu com os
burros n’água e quebrou o encanto da mágica da nomeação de militares para
cargos civis. O doutor Marcelo Queiroga foi para a cadeira e mostrou que um
médico pode ser pior ministro que um general. Todas essas encrencas saíram do
próprio governo, girando em torno de muitas superstições e alguns projetos de
falcatrua. A oposição nada teve a ver com isso.
Ao atacar a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, presidida por um almirante-médico da reserva, escolhido por ele,
Bolsonaro atravessou o espelho. Ele jamais documentaria a insinuação de que a
Anvisa tinha interesses na compra de vacinas. Esse tipo de malandragem rolou na
máquina do Ministério da Saúde e foi contida, como ficou demonstrado pela
Comissão Parlamentar de Inquérito.
O conflito com a Anvisa e com Barra Torres
fez parte do acervo de brigas inúteis do governo Bolsonaro. Nessa prateleira
estão as caneladas contra a China, a eleição de Joe Biden e o governo argentino
de Alberto Fernández. Tudo para nada. Vale lembrar que, nos primeiros dias de
governo, a diplomacia de Bolsonaro usou os ofícios de um embaixador israelense
exibicionista, aceitando uma missão inútil de socorristas para o desastre de
Brumadinho.
Movido por teorias delirantes, o governo
escolhe mal tanto os aliados como os adversários. Na pandemia, como o vírus é
microscópico, brigou com os colaboradores.
Em 1904, quando alguns políticos,
jornalistas e militares insuflaram a Revolta da Vacina, o presidente Rodrigues
Alves traçou uma linha que não poderia ser ultrapassada. Prevaleceu. Em 2022, é
possível que a linha traçada pacificamente por Barra Torres venha restabelecer
a racionalidade no tratamento da pandemia. A ver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário