O Estado de S. Paulo.
Um bom futuro presidente é uma exigente construção prévia, não um anseio
Como remédio com prazo de validade vencido
e bula perdida, o governo, sem noção, me lembra a expressão da nonagenária
italiana, mãe de um amigo meu: ele é a falta total de absolutamente. Do lado de
cá, a vida social, econômica e civil tenta não se embriagar de amargura, vendo
a política como uma coisa falha. Viver é assunto muito grande e dele ninguém
escapa fugindo. Começou o ano da eleição com muitos acontecimentos e nenhuma
ideia. O Brasil não está destruído, ele não está mais é protegido.
Tentar alguma iluminação para lidar melhor
com a informação é essencial. Não há país mais fácil de entrar do que o Brasil.
No entanto, não há país que menos se esforce para ser atrativo nem para os
brasileiros que querem vencer pelo próprio esforço. Nosso modelo político e
judicial não serve para o sucesso social e econômico do País. Suga mais da vida
do que devolve de volta.
Nenhum grupo político econômico brasileiro moderno sobreviverá, se fingir que não está vendo como estão se organizando os recursos de poder dentro do Estado. Aproveitando a coincidência momentânea de três deficiências, a sanitária, mais aguda, a política e a econômica, crônicas, nos Três Poderes existem movimentos que vão deteriorando os mecanismos democráticos e colocando a sociedade em regime de liberdade marginalizada.
Desde os anos 2000 a política iniciou sua
migração para o sistema público de financiamento, para fugir da interação
social de ter de prestar contas à sociedade. O partidarismo pelego ocupou o
lugar do peleguismo sindical. Consolida-se a ideia de um tipo deputado
classista – do sindicato do orçamento – se unindo à lógica do quinto
constitucional, o sindicato dos juízes leigos. Esquerda e direita fundaram uma
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira(cpmf) Partidária e Eleitoral.
Pretendem sobreviver assim, sem mudar. E quem não muda melhor é imperfeito. Boa
tradição é perfeição, mas a associação entre voto obrigatório com contribuição
partidária obrigatória é dor imposta a cidadão de senzala.
Os partidos políticos não são mais
associações livres e ainda que nacionalistas, como decidiram se sustentar com
dinheiro público, ameaçam o orçamento nacional. O Fundo Eleitoral e Partidário
é a tampa que fechou de vez a vasilha civil da política. Governo novo é para
enterrar o imposto eleitoral na mesma cova do imposto sindical.
Se o Estado se sente estabilizado com o
desregramento do poder e a falta de restrição financeira, indiferente à saúde
da moeda, ele se põe contra a sociedade. Governo sócio da crise não gosta de
arcar com as consequências do que faz. Dedica-se a ser popular. Boa campanha
fará quem não for capaz de fazer da necessidade de alguém um jeito de enganá-la
ou suborná-la. Que busque aliados, sem submissão. E que não use a pobreza como
forma de fazer o pobre subjugado, e nunca ser livre para poder se dedicar ao
que pode ser.
Sempre tivemos mais diversidade do que
uniformidade estimulando a capacidade de grupos de expressar poder no
Parlamento. Agora, organizados como sociedade mútua contra o erário, o zelo em
cortejar é maior do que o de fiscalizar. Funcionando como um playground de
despesas, não tem tempo de atuar. E se manda tudo para o Supremo, vá ser juiz,
não deputado ou senador. Não é, pois, consistente nem coerente financiar um
pluripartidarismo caro, ruim, sem voto, com leis eleitorais e decisões
judiciais de encomenda. Entupido de leis, o Brasil precisa de alguém fora da
moldura que saiba usar a crítica como um ramo da sabedoria. Uma pessoa normal
que se tomar empréstimo se sinta endividada e disposta a pagar.
É inevitável o debate sobre a força dos
protocolos extrainstitucionais que fizeram os interesses da corrupção
predominarem sobre a responsabilidade da Justiça. É urgente que o Judiciário
caia em si e reveja o papel negativo do hiphop de juízes grafiteiros que, por
interpretação própria da lei, criaram a democracia torta que praticamos. Crime
de colarinho branco existirá enquanto membros de governo tiverem o hábito de
querer ser sócios de fornecedores. Para amarrar poderoso, a lei no Brasil é
frágil como barbante. Já para encher a cadeia de pobre, é aço. Juízes,
policiais e políticos são os que mais temem o fantasma que pulou fora da jaula
da ordem e está solto fazendo campanha.
Ninguém vence eleição exigindo o voto
somente de eleitor igual a ele. Em tempos difíceis, na urna de um vitorioso tem
de tudo: raiva, interesse, simpatia, indiferença e niilismo. Como fã da
fantasia, o imperfeito é o preferido do eleitor. A democracia movediça é seu
paraíso. Nenhum candidato a presidente acrescenta estranheza à sucessão. Mas há
nuances. Tudo desmorona quando o centro não resiste, levando o caos à cultura
democrática. Observe os coiguais, direita-esquerda, e os estereótipos que
invadem sua fama. Leve a sério o independente e a razão da sua emoção à flor da
pele.
Na estruturação de uma vitória eleitoral, o
eleitor é o último que entra. Seu mantra é o silêncio. Por isso, melhor tirar
de cena a esperança. Um bom futuro presidente é uma exigente construção prévia,
não um anseio.
*Sociólogo.
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