EDITORIAIS
Inflação fora da meta representa risco para
2022
O Globo
A inflação oficial de 2021, anunciada ontem
pelo IBGE, ficou pouco acima de 10%. Foi o pior resultado registrado desde
2015, quando o cavalo de pau aplicado na política de juros pelo Banco Central
no governo Dilma Rousseff levou ao descontrole nos preços. Desta vez, apesar da
reação tardia do BC à pressão inflacionária da pandemia, a política de juros
começa a se mostrar eficaz.
Depois de 11 meses de alta, a inflação
acumulada em 12 meses começou enfim a ceder. Caiu de 10,74% em novembro para 10,06%
em dezembro. Pode ser um primeiro sinal de vitória contra a herança mais
nefasta que o presidente Jair Bolsonaro deixará ao sucessor. A inflação corrói
o poder de compra de todos, mas atinge com maior intensidade os mais pobres,
como demonstram os números de 2021.
Num país que ainda tateia na transição para
uma economia de baixo carbono, o transporte dependente do petróleo e dos
combustíveis fósseis foi o principal vilão dos preços no ano, com alta acima de
21% (só a gasolina subiu quase 48%; o etanol, 62%). Os outros vilões foram a
habitação (alta de 13%), artigos de residência (12%), vestuário (10%) e
alimentação (8%). Na lista das maiores altas estão café, açúcar, legumes,
frutas, carnes, frango — e tudo o que afeta diretamente o bolso da população.
Embora a curva de preços tenha enfim virado
para baixo em dezembro, o resultado voltou a ficar aquém do que esperavam os
analistas de mercado, e os fatores estruturais que impulsionam a alta
persistem. A batalha está longe de vencida. Será dificílimo que o BC cumpra a
meta inflacionária deste ano, mantendo o índice entre 2% e 5% (analistas
preveem mais de 5%). Para 2021, o teto da meta era de 5,25%.
Por tê-la descumprido, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, teve de enviar uma carta pública ao ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando os motivos. Atribuiu a maior parcela do desvio da meta (69%, ou 4,38 pontos percentuais) à “inflação importada”, resultado de gargalos logísticos globais, da alta do petróleo e outras matérias-primas, além da súbita recuperação mundial depois da recessão de 2020. O único fator interno que apontou foi a crise de energia. Mas o Brasil não tem como exportar toda a responsabilidade por suas mazelas.
Pelos últimos números da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre as 46 principais
economias, apenas Turquia e Argentina registraram inflação maior que a
brasileira nos 12 meses encerrados em novembro (o quadro de dezembro é
semelhante). A recuperação da demanda global e a alta das matérias-primas contribuíram
para o saldo recorde na balança comercial brasileira em 2021. Apesar disso e
das reservas cambiais que fecharam o ano em US$ 362 bilhões, o dólar se manteve
em alta, impedindo o barateamento de produtos importados que reduziria a
inflação. Com o dólar alto, os combustíveis também se mantiveram em alta.
Os motivos — ausentes da carta de Campos
Neto— foram dois: a incerteza política resultante das manifestações
antidemocráticas de Bolsonaro e a desconfiança derivada da ruptura do teto de
gastos e da apropriação do Orçamento pelo Centrão, sacrificando a última âncora
fiscal que permitia vislumbrar um cenário de controle na dívida pública. E os
responsáveis, que o presidente do BC também não mencionou, são dois: Guedes e
Bolsonaro.
Anvisa deveria autorizar o uso de
autotestes para a Covid no Brasil
O Globo
Não se pode dizer que a explosão de casos
de Covid-19 no país seja inesperada. Até o início do mês passado, a redução no
número de infectados e mortos sugeria uma tranquilidade enganadora. O que
ocorria no mundo, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, com o avanço da
variante Ômicron, deveria ter chamado a atenção das autoridades sanitárias. Mas
o país não se preparou para o básico: testar a população. Tão logo passaram as
festas de fim de ano, aconteceu o óbvio: uma corrida às unidades básicas de
saúde. Faltaram — ainda faltam — testes para atender à demanda.
Uma solução para aliviar as filas que se
formam em postos de testagem seria o autoteste, mais simples, rápido e barato
que o realizado nos laboratórios (RT-PCR). O paciente só precisaria entrar nas filas
para confirmar um resultado positivo em casa. Embora sejam largamente usados na
Europa e nos Estados Unidos, os testes caseiros são proibidos no Brasil por uma
resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2015. Ela diz
que não podem ser fornecidos para leigos produtos que tenham a finalidade de
diagnóstico de presença ou exposição a agente transmissível, incluindo os que
causam doenças infecciosas passíveis de notificação compulsória. Mas afirma que
“a proibição poderá ser afastada por resolução da diretoria colegiada, tendo em
vista políticas públicas e ações estratégicas formalmente instituídas pelo
Ministério da Saúde”.
Na segunda-feira, o governo informou que
pediria à Anvisa a liberação dos autotestes. Segundo o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, a agência já emitiu sinal positivo, mas pediu um parecer
sobre o assunto. Queiroga diz que o ministério não deverá adotar uma política
pública de distribuição de testes caseiros, mas permitirá que eles sejam
vendidos em farmácias.
O gargalo na testagem afeta instituições
públicas e privadas. Como mostrou reportagem do GLOBO, no SUS, a espera para
fazer um teste para vírus respiratórios pode levar horas. Laboratórios
particulares também estão sobrecarregados, e há farmácias com estoques zerados.
Desde o início da pandemia, o governo nunca
se preocupou com a testagem em massa. De acordo com números da plataforma Our
World in Data em 10 de janeiro, os testes realizados no Brasil (309 por mil
habitantes) são inferiores a países como França (3.048) e Itália (2.464) ou
mesmo vizinhos como Chile (1.443) e Argentina (643).
Diante da explosão de casos provocada pela
Ômicron e da ocorrência concomitante de uma epidemia de gripe (influenza), a
Anvisa precisa rever sua posição. Como não se testa ou se testa pouco, não é
improvável que cidadãos contaminados estejam circulando por aí, transmitindo a
doença. O certo seria testá-los e, confirmada a infecção, isolá-los e rastrear
seus contatos. O autoteste ajudaria a aumentar o isolamento dos infectados. O
desleixo com a testagem se mostrou um erro ao longo da pandemia. A diferença é
que hoje lidamos com uma variante que se espalha numa velocidade sem
precedentes.
Desastres em dois dígitos
O Estado de S. Paulo.
Com inflação e desemprego acima de 10%, o Brasil de Bolsonaro mantém desempenho muito pior que o da maior parte do mundo
Inflação e desemprego acima de 10% são
piores do que na maior parte do mundo.
Dois desastres econômicos e sociais de dois
dígitos, inflação e desemprego, enriqueceram o currículo tenebroso do
presidente Jair Bolsonaro em 2021. Empobrecimento foi a contrapartida para a
maioria das famílias, com miséria e fome para as mais desafortunadas. A alta de
preços até dezembro, de 10,06%, foi a maior desde 2015, quando um aumento de
10,67% premiou os desmandos da presidente Dilma Rousseff. Mas nem com a
recessão de 2015-2016 a petista conseguiu elevar a desocupação a 14%, taxa
superada em vários trimestres pelo presidente negacionista e inimigo da
vacinação. O último levantamento mostrou 12,9 milhões de desempregados, 12,1%
da força de trabalho. Não há sinais de melhora significativa até o fim do ano
recém-terminado nem expectativa de grande redução do desemprego em 2022.
Já acuados pelas dificuldades de emprego,
os brasileiros ainda viram seus ganhos devastados pelo forte encarecimento de
bens e serviços. Transportes, habitação e alimentação foram os itens com
maiores aumentos e maiores impactos no resultado geral da inflação. Comer ficou
7,94% mais caro, mas essa variação, inferior à de outros itens, ocorreu sobre
uma base muito elevada. No ano anterior os preços de alimentos e bebidas haviam
subido 14,09%. A alta acumulada em dois anos chegou, portanto, à assustadora
taxa composta de 23,15%, num quadro de míseras oportunidades de trabalho e de remuneração.
Mas a inflação, dizem figuras do Executivo, é um desajuste espalhado
globalmente a partir de 2020, como efeito da pandemia. A rápida retomada
inicial da economia chinesa pressionou preços de produtos agrícolas e minerais.
Em seguida, surgiram desarranjos nas cadeias de suprimento de insumos, como
semicondutores. A indústria automobilística mostra com muita clareza os danos
causados por esses problemas. Custos de produção subiram em vários setores e
afetaram os preços finais cobrados no comércio.
Problemas ocorreram globalmente, de fato,
mas na maior parte do mundo a evolução dos preços tem sido muito mais discreta
do que tem sido no Brasil. Nos 38 países-membros da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a inflação acumulada em 12 meses chegou em
novembro a 5,8%, a maior taxa desde maio de 1996. No Grupo dos 20 (G-20), a
alta de preços acumulada nesse período atingiu 5,9%. Mas essa média foi
claramente influenciada pelos aumentos ocorridos em três países: 51,2% na
Argentina, 10,7% no Brasil e 8,4% na Rússia. No mundo rico, a economia com pior
desempenho nos preços, nos 12 meses até novembro, foi a dos Estados
Unidos, com variação de 6,4%. Na União
Europeia a média ficou em 2,9%, com a maior taxa, de 4,6%, registrada na Alemanha.
Menos afetados pela alta de preços ao
consumidor, os trabalhadores das economias avançadas e da maior parte das
emergentes também foram menos pressionados que os brasileiros pelo desemprego.
Na OCDE, o desemprego caiu de 5,8% em setembro para 5,7% em outubro. Na zona do
euro, a taxa média recuou, no mesmo período, de 7,4% para 7,3%. Nos Estados
Unidos, passou de 4,6% para 4,2%.
Várias dessas economias encolheram mais que
a brasileira, em 2020, mas com efeitos menos dramáticos no emprego, desajustes
menos prolongados e danos sociais menos sensíveis. No Brasil, o auxílio
emergencial aos mais pobres foi menos contínuo, a desocupação continuou muito
elevada e os preços aumentaram mais intensamente depois da fase inicial da
pandemia. A insegurança em relação ao quadro fiscal, especialmente quanto à
dívida pública, tem sido constante e assim permanece.
A gestão das contas federais, com pouco
planejamento, generosa distribuição de dinheiro a aliados do presidente e
excessiva atenção a interesses eleitorais, complica o financiamento do Tesouro,
pressiona os juros e gera permanente desajuste cambial. Insegurança econômica e
inflação acelerada são algumas das consequências. A maioria dos trabalhadores
pode nem ter noção dessas questões, mas essa gente é quem paga a conta dos
desmandos praticados em seu nome e com seu dinheiro.
O longo caminho da transparência
O Estado de S. Paulo.
Com dez anos de atraso, o Ministério do
Desenvolvimento Regional criou agora comissão prevista na Lei de Acesso à
Informação
Após o Estado revelar a existência do
chamado orçamento secreto, foram ajuizadas ações perante o Supremo Tribunal
Federal (STF) pedindo maior transparência para a execução das emendas de
relator, base do orçamento secreto. O Supremo concedeu a liminar, determinando
que fosse dada maior publicidade às interações de parlamentares com o Executivo
relativas a recursos públicos.
Após a decisão do STF, o Palácio do
Planalto editou, em dezembro do ano passado, o Decreto 10.888/2021 dispondo que
os pedidos de verbas feitos por parlamentares e recebidos pelo Executivo sejam
tornados públicos na Plataforma +Brasil, que reúne as informações sobre
transferências de recursos do governo. Também foi determinado que essas
informações estejam disponíveis ao público por meio de pedidos via Lei de
Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/2011).
Mesmo sem assegurar total transparência –
uma vez que a publicidade recai sobre os pedidos, continua-se sem saber, por
exemplo, os nomes dos parlamentares beneficiados com as verbas –, o Decreto
10.888/2021 representou um avanço. Foi fruto do trabalho da imprensa, que
revelou um modo não republicano de distribuição de verbas, e do Judiciário, que
exigiu o cumprimento da Constituição. O chamado orçamento secreto, sistema em
que parcela do Orçamento da União é informalmente direcionada por deputados e
senadores, sem transparência e sem demonstração dos critérios objetivos que
justifiquem as despesas, não é compatível com o Estado Democrático de Direito.
Agora, foi percorrido mais um trajeto desse
acidentado caminho pela transparência. O Ministério do Desenvolvimento
Regional, pasta diretamente envolvida no orçamento secreto, sendo responsável
por liberar os recursos aos pedidos dos parlamentares, criou um grupo para
avaliar documentos internos para fins de classificação de sigilo. Trata-se da
Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos (CPAD), um órgão
previsto no Decreto 7.724/2012, que regulamenta a LAI.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento
Regional, a nova comissão não avaliará documentos relativos à execução de
emendas de relator, cuja transparência será regida pelo Decreto 10.888/2021. De
toda forma, ainda que a CPAD não esteja relacionada à decisão do Supremo sobre
a publicidade da execução das emendas de relator, é notável que a sua criação
tenha ocorrido justamente agora, após a revelação do orçamento secreto.
Confirma-se, assim, a necessidade da
contínua vigilância sobre a atuação do poder público para uma efetiva
transparência. A Constituição de 1988 determina que a administração pública
seja regida, entre outros, pelo princípio da publicidade. Desde 2011, a LAI
regula o direito fundamental de acesso à informação, sob diretrizes precisas,
como a publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção; a divulgação de
informações de interesse público, independentemente de solicitação; o
fortalecimento da cultura da transparência nos órgãos públicos; e o
desenvolvimento do controle social da administração pública. E, desde 2012, há
uma regulamentação extensa da LAI, o Decreto 7.724/2012. No entanto, mesmo com
toda essa estrutura normativa, Legislativo e Executivo vinham descumprindo os
princípios básicos da transparência na execução do orçamento.
Ressalta-se que a simples existência da
CPAD no Ministério do Desenvolvimento Regional não significa por si só maior
transparência. A vigilância continua sendo necessária. De toda forma, é
benéfico que a pasta envolvida diretamente no orçamento secreto se aproxime das
diretrizes estabelecidas na LAI e no Decreto 7.724/2012.
Mais de uma vez, o governo Bolsonaro deu
mostras de pouco apreço pela transparência. Basta ver que, quando o Estado
revelou a existência do orçamento secreto, o Executivo federal ameaçou
processar judicialmente o jornal, dizendo que nada havia de secreto. Meses
depois, o governo admitiu a existência de documentos indisponíveis ao público.
A publicidade não é benevolência do governante. É um direito da sociedade.
No escuro
Folha de S. Paulo
Em meio a nova onda de infecções por Covid,
Brasil continua sem dados para formular estratégias
O Brasil jamais teve plano nacional amplo e
organizado de testes de Covid. As estatísticas da doença já foram prejudicadas
por problemas no sistema federal de registros, isso quando o próprio governo
não tentou censurá-las. Desde o dia 10 de dezembro, porém, o descalabro é
completo.
Faz mais de um mês, os registros
informáticos do Ministério da Saúde foram, segundo o governo, atacados
por hackers.
O descaso e a inépcia fizeram com que partes do sistema ficassem fora do ar até
sexta-feira passada, pelo menos.
Em 2020, a negligência com os dados da
pandemia já havia levado órgãos de imprensa a apurar por conta própria as
estatísticas. Agora, em meio a nova onda de casos, acompanhada de epidemia de
gripe, o país não tem um quadro completo de toda a situação.
Cientistas e técnicos não podem elaborar
análises, estimativas e estratégias de contenção de danos. Não houve tentativa
oficial de criar sistemas alternativos de informação; não há explicações sobre
o que se passou e como evitar novas panes. Sabe-se apenas que, também em caso
de guerra cibernética, o Brasil é presa fácil.
A desinformação favorece a estratégia
federal de negligência criminosa e a propaganda oficial de mentiras. Cidadãos
não têm noção dos riscos que correm nem recebem alertas objetivos de cautela. É
mais uma realização típica do governo: largar o país à própria sorte.
A esse respeito, vale ressaltar que Jair
Bolsonaro e seu capacho no Ministério da Saúde tentaram atrasar o quanto
puderam a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. A altamente
transmissível ômicron infecta os menores como nunca, a julgar pelas
informações de países mais desenvolvidos que o Brasil.
Números locais indicam altas de internações
em UTIs, sinal de que a variante, embora menos letal, se espalha rapidamente,
chegando assim aos mais frágeis, como idosos e aqueles que não se vacinaram.
Qual o ritmo da nova onda? Quais grupos de
pessoas atinge com mais facilidade e gravidade? O que fazer a fim de preparar
hospitais? Mesmo que as informações voltem a ser registradas, tão cedo não
haverá séries de dados longas o bastante para reflexão mais precisa.
No escuro, o país não sabe qual pode ser o
efeito desta nova onda sobre o funcionamento de serviços e da economia. São
frequentes as notícias de cancelamentos
de voos por falta de tripulantes, abatidos pelo coronavírus, por exemplo.
Como a variante afetará hospitais ou serviços e negócios essenciais, como a
produção de alimentos, água e energia?
Para os cidadãos desamparados, a ignorância
é uma maldição. Para os propósitos do governo, uma grande conveniência.
A destruição de Palmares
Folha de S. Paulo
Ao segregar livros, presidente de fundação
ligada a movimento negro degrada ainda mais sua função
O atual presidente da Fundação Cultural
Palmares, Sérgio Camargo, já deu demonstrações suficientes de despreparo
para a função que ocupa. A dissintonia não é estranha ao governo de Jair
Bolsonaro (PL), que se dedica, em muitas frentes, mais à destruição do que à
construção institucional.
Os exemplos são vários e saltam aos olhos
em setores mais suscetíveis à estratégia da chamada guerra cultural. Trata-se de
enfrentar a suposta ameaça de um marxismo fantasmagórico que se infiltraria nas
instituições e na cultura para destruir valores tradicionais.
Camargo talvez seja a face mais caricata e
degradante desse padrão, que prosperou na Educação, no Ambiente e no Itamaraty,
entre outros setores e órgãos do atual governo —caso notório da Cultura, na
qual se inscreve a fundação.
Dedica-se o gestor a fazer o triste papel
de um homem negro que nega o racismo estrutural e atribui aos próprios negros
as situações adversas que enfrentam em razão de discriminações. Declarações
como as que ridicularizam
o Dia da Consciência Negra falam por si.
Camargo, contudo, não se contenta com seus
disparates retóricos. Procura efetivar o desmonte da fundação com medidas
estapafúrdias, como a tentativa de banir obras da biblioteca da instituição por
representarem "temática não negra, francamente marxista".
Autores como os economistas Celso Furtado e
Maria da Conceição Tavares entraram na lista de banidos do burocrata, ao lado
de nomes como o historiador Marco Antonio Villa, um conhecido crítico de visões
de esquerda.
Impedido pela Justiça de se desfazer das
obras, Camargo criou uma seção para confiná-las, em cuja porta afixou os
dizeres "Acervo
da Vergonha", com uma estrela vermelha e o símbolo da foice e do
martelo.
Outra de suas obsessões é mudar o nome da fundação, trocando a referência ao
quilombo liderado por Zumbi, no período colonial, por uma homenagem à Princesa
Isabel, que assinou a Lei Áurea.
Camargo seria apenas uma figura deprimente
e insignificante não estivesse no comando de um órgão que foi criado em
decorrência de reivindicações de movimentos de defesa dos direitos de negros no
momento em que o Brasil promulgava uma nova Constituição, em 1988, e procurava
deixar para trás os anos de ditadura militar.
De um gestor tão disfuncional e desprovido
de qualidades nada de construtivo se pode esperar.
Com demanda fraca, queda da inflação
depende do dólar
Valor Econômico
Janeiro é mês típico de pressão nos índices
e o IPCA em doze meses até fevereiro ainda estará perto dos 10%
A pandemia sincronizou os ciclos econômicos
ao redor do globo e, em menor grau, os impulsos inflacionários. Ainda que com
pesos e dinâmicas diferentes, os motivos que levaram o IPCA no Brasil a atingir
10,06% em 2021 são basicamente os mesmos que levaram o CPI a 6,8% (novembro)
nos Estados Unidos e o HICP a 4,9% na zona do euro. São eles: aumento
vertiginoso de commodities, em especial petróleo, distúrbios nas cadeias de
produção, com a demanda se deslocando para bens e recuperação dos serviços, com
a maior mobilidade propiciada pela vacinação em massa. No caso brasileiro a
inflação foi mais longe não só pelo resquício persistente de indexação da
economia, mas, principalmente, pelo movimento altista do dólar que, pela lógica
de situações semelhantes do passado, deveria cair.
Os índices de difusão não deixam dúvidas de
que o cerne original de propagação dos preços - valorização das commodities
alimentícias, energéticas e minerais em dólar - se disseminou pelos demais
bens. Em dezembro, 75% dos itens coletados para o cálculo do IPCA tiveram
aumento. No entanto, apenas a variação de preços de seis deles (etanol,
gasolina, gás de botijão, energia elétrica, automóveis novos e usados) somou
4,29 pontos percentuais do IPCA. A disparada dos combustíveis se alastrou pela
economia, porque é um insumo básico que influi nos custos de todos os produtos
e serviços.
Por grupos, a influência desses itens no
índice cheio foi ainda maior em 2021. Transportes, habitação (puxada por
energia elétrica e gás) e alimentos contribuiram com 7,92 pontos percentuais
dos 10,06% do resultado final. Essas constatações não diminuem o tamanho da
encrenca inflacionária em 2021, a maior desde 2016 e a terceira mais alta do
século. Mas sugerem limites para as intervenções convencionais da política
monetária e para as condições de reversão dos preços. Na zona do euro, a inflação,
sem energia e commodities agrícolas, representam metade do índice cheio, de
4,9%. Nos EUA, sem os mesmos itens, a inflação seria de 4,9% e não 6,8%.
Realidades específicas do Brasil jogaram o
índice mais para cima no curto prazo. O setor de serviços começou a se
recuperar mais tarde, dado o atraso inicial na vacinação. Em dezembro, a
variação de seus preços quase triplicou (de 0,27% para 0,79%) e no ano atingiu
4,75% - ainda assim abaixo da média de evolução dos preços. A inflação
subjacente de serviços avançou de 5,45% para 5,91%, segundo a consultoria MCM.
A falta de matérias primas, peças e componentes fez com que bens industriais
subissem 12% no ano, bem acima dos 4,52% em 2020, durante a pandemia.
Com o ritmo forte de alta dos juros, a
inflação cairá em 2022, mas a intensidade e a velocidade são incógnitas. Para a
baixa contam a queda da atividade da indústria, do comércio, que retirarão a
pressão dos bens industriais. Haverá recuo também na inflação de serviços,
setor castigado pela perda de renda e, agora, pela rápida propagação da nova
variante ômicron. O ritmo geral da economia amortecerá o IPCA, com a conjugação
de menor atividade, renda em queda (exceto para os que dependem dos programas
sociais do governo), desemprego alto e menor oferta de crédito.
Os preços de energia residencial subirão
menos, a julgar pelas previsões de um início de ano chuvoso. Os preços do
petróleo e derivados, apesar da previsível volatilidade, podem mitigar a
inflação, pois ainda que haja espaço para altas é difícil que elas ocorram
muito além do pico alcançado em 2021. Mesmo assim, derrubar o IPCA abaixo de 5%
parece uma proeza difícil de alcançar, a menos que o real se valorize ou as
cotações do dólar estabilizem.
Quase metade da inflação é efeito do dólar
que se valorizou quando normalmente tomaria o rumo contrário. Mas o cenário não
é favorável ao real e a desinflação pode ser mais lenta do que poderia. Os
juros nos Estados Unidos devem subir mais do que o previsto, dando sustentação
à moeda americana. Estripulias fiscais do governo Bolsonaro parecem ter criado
um piso para o recuo do dólar. Eleições em que o favorito é um candidato da
esquerda também não são propícias a um comportamento comedido do câmbio.
Com os principais itens de pressão
inflacionária fora do alcance da política monetária, o Banco Central talvez não
precise ir além do que se espera com a Selic (11,75%). No curto prazo, o jogo
está definido. Janeiro é mês típico de pressão nos índices e o IPCA em doze
meses até fevereiro ainda estará perto dos 10%. Depois, com a economia
rastejando, a inflação dependerá dos humores do dólar.
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