Folha de S. Paulo
O que ouvi na cafeteria não foi,
infelizmente, um discurso isolado
Meu desjejum de 29 de maio numa cafeteria
da Asa Sul, área nobre de Brasília, revelou o pior da elite brasileira: má
educação, preconceito, indiferença e alienação quanto à realidade nacional.
Tudo o que eu queria era tomar um café e conversar com uma amiga de longa data,
a jornalista Claudia Dianni. Mas o dono do comércio local tinha outros planos.
E, depois de interromper nosso papo, desatou a falar feito doido.
Em meio à suposta tentativa de vender um queijo dito especial, desfiou uma ladainha de preconceitos tão arraigados que foi incapaz de reconhecê-los como problema. Começou perguntando minha origem para, em seguida, desfazer da cor dos meus olhos.
"Metade da minha família, a parte
nobre (e citou um sobrenome italiano), tem olhos verdes. Mas verdes mesmo, não
esverdeados como os seus", frisou. "A outra parte é comum, tem os
olhos escuros." E arrematou dizendo ter um avô "mais escuro" do
que eu e um "parente distante" que se casou com uma negra:
"Aquilo desgraçou a vida dele."
Meio aturdidas, tentamos encerrar o
assunto. Mas, além de educação, o homem demonstrou que também lhe faltavam
limites. E seguiu falando. Dessa vez do quanto a vida lhe ensinou em seis décadas
de existência... e partilhou algumas de suas crenças.
Sustentou que no Brasil as pessoas não
trabalham porque têm preguiça. Afirmou que pessoas negras não frequentam
restaurantes e cafés porque não querem. E disse que os pais não garantem
educação de qualidade aos filhos por não se darem ao trabalho de pesquisar boas
escolas públicas.
Para completar, criticou a "patrulha
do politicamente correto" ao referir o recente episódio em que uma
jornalista foi corrigida ao vivo por usar o termo "denegrir" num comentário
na TV. "Não se pode falar mais nada. É uma questão de etimologia. Não tem
nada de errado."
Pior que pagar para ouvir um monte de
disparates só a certeza de que, infelizmente, não se trata de um discurso
isolado.
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