Folha de S. Paulo
Bipartidarismo secular, ausência de
populismo e partilha de poder moldaram democracia colombiana
Na Colômbia, um outsider será provavelmente
eleito presidente. E isso em um país marcado por um partidarismo sem
paralelo na região. Mas um olhar atento revela que esse resultado
não é paradoxal.
Três fatores marcam historicamente o sistema político colombiano. O primeiro é que dois partidos —Conservador e Liberal— dominaram a política por um século e meio, engendrando um hiperpartidarismo peculiar. A excepcional animosidade entre eles levou a confrontos com mais de 100 mil mortos, em 1902, e 170 mil mortos entre 1948 e 1960 (no episódio conhecido como La Violencia, o qual gerou uma especialidade temática: a "violentologia"). E isso antes da criação das Farc (1964).
No entanto, em 1958, os dois partidos
fizeram um pacto formal de partilha de poder após derrubarem o general Rojas
Pinilla (1953-1957), que ascendeu ao poder através de um golpe. O pacto
envolvia a paridade partidária nos ministérios e cargos públicos; Presidência
rotativa, a cada quatro anos; quórum para aprovação de leis de 66% etc. Durou
16 anos.
O segundo fator é que historicamente os
militares quase não cumpriram papel político no conflito partidário (o golpe de
Rojas Pinilla é exceção). Os confrontos armados davam-se entre milícias de
caudilhos regionais. O monopólio da violência era mais marcadamente partidário
que estatal.
O terceiro é o fato de que nunca surgiu um
Perón, um Vargas, um Cárdenas, um Ibáñez; ou seja, lideranças ou partidos que
incorporassem politicamente as novas massas urbanas. Gaetán, símbolo da
renovação ("Yo non soy um hombre, soy el pueblo"), foi assassinado,
ao que se seguiu o Bogotazo (mais de mil mortos) deflagrando La Violencia. O
país não renovou
suas elites políticas, permanecendo com estruturas partidárias e
dinastias políticas herdadas do século 19.
Paradoxalmente, o instrumento que pacificou
o país por duas décadas causou sua debacle. Ausência histórica do populismo e
pacto consociativo marcaram também a Venezuela, que teve o Pacto de Punto Fijo
no mesmo ano (1958). A reação a esses pactos também teve semelhanças: foi
denunciado por outsiders como um arranjo excludente que permitia a perpetuação
de elites corruptas no poder. As Farc e o bolivarianismo são as versões
radicalizadas dessa reação.
O conflito entre combater ou negociar com a
guerrilha provocou cisão interna no partido Liberal em 2002. Uma ala uniu-se
aos conservadores e garantiu a vitória de Uribe, ex-liberal que criou seu
próprio partido. O sucesso inesperado de uma liderança individual levou
ao colapso
do bipartidarismo, mas não do sistema partidário.
A vitória de um outsider sem partido nem
base congressual, isso sim pode fazê-lo.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Esperando o tempo em que a América católica e seus ridículos tiranos seja coisa do passado.
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