O Globo
Muito discutida nas redes sociais a
história dos cantores sertanejos que fazem shows milionários custeados por
dinheiro público. Logo eles, severos críticos dos artistas que se utilizaram da
Lei Rouanet para financiar seus espetáculos.
Hipocrisia à parte, os mecanismos usados
pelos cantores bolsonaristas é sofisticado e visa, exatamente como o famoso
orçamento secreto, a burlar a transparência.
A Lei Rouanet está escrita, tem mecanismos
de controle e prestação de contas. Nesse sentido, é mais avançada. Isso não
significa que, no passado, com ou sem ela, não tenham acontecido shows
discutíveis, como o de Ivete Sangalo na inauguração de um hospital no Ceará. O
dinheiro teria sido mais adequadamente gasto em esparadrapo, seringas e
aspirinas.
Mas tudo isso é apenas detalhe diante da
grandeza do tema “política cultural”. Se não avançarmos um pouco mais, corremos
o risco de nos perdemos nesse bate-boca.
Na semana passada, numa conversa com Carlos Minc e André Trigueiro para a TV, afirmei que um dos grandes impactos positivos para mim na Rio-92 foi a afirmação de que preservar a diversidade cultural era tão importante como preservar a própria biodiversidade.
Na minha cabeça, não vejo futuro econômico
se não levarmos em conta, de um lado, o valor da natureza e, de outro, da
produção de conteúdos no século XXI.
Muitas pessoas esnobam uma política
cultural sem perceber a importância da indústria do entretenimento para o PIB
planetário . Outras ignoram o conceito de economia criativa, por meio do qual,
usando a história, mitos e a cultura locais, é possível achar uma saída
turística para localidades esquecidas no interior.
No livro “A conveniência da cultura”,
George Yúdice mostra como a cultura tornou-se um importante componente da
economia global e, mais ainda, como, em certos momentos, ela se revela um eixo
do desenvolvimento urbano, como é o caso do Museu Guggenheim em Bilbao, na
Espanha.
A incompreensão do problema faz às vezes
com que alguns lutem por uma política para a indústria automobilística e
rejeitem a ideia de uma política cultural, pelo fato de estarem vivendo, de
certa forma, num mundo que já passou.
Não tenho a pretensão de formular uma
política cultural para o Brasil. Mas é inevitável chegar a ela, a partir da
questão ambiental: quem preservaria nossas florestas se não fossem as
comunidades indígenas e os quilombolas?
Não teria escrúpulo em defender a ajuda
oficial a determinado tipo de arte. Acho que os americanos fizeram bem financiando
a viagem do Modern Jazz Quartet pelo mundo: era o exercício do soft power. Da mesma forma, é
razoável que a Alemanha financie o trabalho revolucionário da dança de Pina
Bausch, um orgulho para o país.
O problema mais fascinante é como financiar
a produção cultural, ampliar empregos, de uma forma democrática. De um modo
geral, governos querem financiar quem os apoia e boicotar quem os critica.
Segundo um analista independente, Idelber
Avelar, crítico do governo Lula, houve um momento em que isso foi conseguido
nas gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira no Ministério da Cultura. Havia
espaços que não exigiam fidelidade ao governo e eram voltados para os setores
mais pobres, chamados Pontos de Cultura.
Uma funcionária da Unesco, citada por
Yúdice, afirma que, infelizmente, só se convence governo a investir em cultura
argumentando que reduz conflitos sociais e promove o desenvolvimento econômico.
A cultura assim é levada a cumprir tarefas
de outras áreas. Acrescentaria que, numa cidade como o Rio, será impossível uma
política de segurança civilizada sem um diálogo com a cultura, sobretudo a da
juventude.
Embora o espaço seja curto, creio que, por
trás dessa manobra de alguns cantores sertanejos, há um vasto caminho de
discussão sobre a cultura, sem partidarismos e sem a ilusão de que o valor
reside apenas em bens materiais.
Um comentário:
Música brega não é cultura,é castigo,rs.
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