Valor Econômico
Atual momento da economia brasileira
demanda atenção
Viabilizado em grande parte pela
credibilidade que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, construiu nos últimos
meses no setor privado e no Congresso, o atual momento da economia brasileira
demanda atenção. Agosto será crucial.
O mês avança carregando incertezas em relação ao texto final do novo regime fiscal, embora seu desenho geral já seja bem conhecido, à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024 e ao Orçamento do ano que vem. O Senado começa agora a debater a reforma tributária e o projeto que retoma o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), medidas fundamentais para se avaliar a sustentabilidade das contas públicas a longo e curto prazos, respectivamente.
Ou, como diz o novo diretor-executivo da
Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Marcus Pestana,
existem, sim, sinais positivos nas expectativas dos agentes econômicos -
sobretudo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e à inflação. E neste
último caso, destaca, deve-se fazer menção honrosa à blindagem assegurada ao
Banco Central (BC) para a condução das políticas monetária e cambial. Mas as
incertezas que ainda persistem no front fiscal geram um “equilíbrio precário”.
Alguns números podem ser citados. Nessa
segunda-feira (7), por exemplo, o Relatório Focus divulgado pelo BC voltou a
registrar alta na mediana das projeções do mercado para o crescimento da
economia brasileira para este ano, de 2,24% para 2,26%. Para 2024, ela
manteve-se em 1,30%. No conjunto da obra, o cenário é muito melhor do que o
pintado no início do ano pelo mercado.
Já a mediana das projeções para a inflação
de 2023 permaneceu em 4,48%, enquanto a de 2024 oscilou de 3,89% para 3,88%.
Acima da meta, e isso tem relação com a dinâmica fiscal.
A confiança é outro fator a se observar. Em
julho, informa a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Índice de Confiança
do Empresário Industrial (Icei) avançou 0,7 ponto, de 50,4 para 51,1 pontos.
Foi o segundo mês consecutivo em que a indústria demonstra confiança.
Como nem todas as notícias são positivas, o
Índice de Confiança Empresarial (ICE) do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) apontou retração no mesmo mês, uma queda de
0,5 ponto, para a marca de 94,0 pontos, após dois meses em alta. Fruto da piora
das expectativas em relação ao ambiente de negócios no horizonte de seis meses.
De um lugar estratégico, Marcus Pestana
tenta traduzir a situação. Antes, contudo, ele destaca que o papel da IFI não
deve ser analisar o mérito das propostas em discussão, se estão corretas ou
não, e sim alertar para os eventuais riscos nelas embutidos.
Criada em 2016 pelo Senado, a instituição
consolidou-se nos últimos anos como uma referência na análise das contas
públicas. Agora, tenta aumentar sua estrutura e passar a servir também à
Câmara. Em outras palavras, tornar-se uma instituição do Parlamento.
O movimento é interessante em um momento
que o governo promete perseguir uma meta de déficit primário zero a partir do
ano que vem.
“Antes, o gargalo da economia era o
estrangulamento externo e o balanço de pagamento. O endividamento externo era o
debate central. Depois, passou a ser a inflação, que era um mecanismo
permanente de ajuste fiscal”, diz Pestana, que foi professor de economia e
secretário de Planejamento de Minas Gerais. Com as receitas indexadas e
despesas manipuladas na boca do caixa, lembra, era possível ajustar as contas
públicas no dia a dia. Controlada a inflação com o Plano Real, conta, os
problemas fiscais se tornaram evidentes.
Ex-deputado pelo PSDB, Pestana foi um
defensor do teto de gastos. Segundo ele, estando a contabilidade pública no
fundo do poço, era preciso uma regra simples e eficaz. “Mas ajuste fiscal não
se faz só pela despesa”, argumenta, citando a necessidade de aumento de
arrecadação, uma elevação de receitas impulsionada pelo crescimento econômico e
vendas de ativos pelo Estado. “O atual arcabouço tem uma visão multilateral.”
A questão é a já conhecida dependência do
arcabouço em relação ao aumento das receitas. Neste caso, sublinha, deve-se
avaliar o que é realmente palpável em cada aposta do Executivo.
O projeto do Carf, por exemplo, tende a
resolver um problema de curto prazo, embora seja uma incógnita em relação ao
fluxo de recursos depois. Já as estimativas de arrecadação sobre apostas variam
muito, e a reforma tributária ainda está em construção.
Quanto à necessária e elogiável reforma
tributária, acrescenta, um ponto importante no debate é o “hiato de
conformidade”: a diferença entre o potencial de arrecadação do novo sistema e o
que será efetivamente arrecadado. Só a partir do texto final será possível
avaliar plenamente o potencial comportamento de sonegadores, de judicialização
e da elisão fiscal.
A IFI também aguardará para calcular os
efeitos da reforma sobre a produtividade, o PIB, preços relativos e o emprego.
Deve ter pressa, contudo, para dissecar a proposta de Orçamento. A ideia é
passar um pente fino para ver se as projeções de receitas e despesas estão
consistentes.
Diante desses números, a IFI e outras
instituições que atuam na área avaliarão se a legislação fiscal está sendo
seguida e se as contas públicas serão mesmo sustentáveis a longo prazo. Será um
período essencial para voltar a auscultar os humores do mercado.
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