Nas Forças Armadas, os privilégios e benefícios são reservados aos
oficiais, especialmente aos generais ou patentes similares, criando um enorme
fosso relativamente aos praças (sargentos, cabos e soldados). A democracia
instituída pela Constituição de 1988 passou longe da caserna.
O Congresso brasileiro é o segundo mais caro do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. E este elevado custo se deve, principalmente, aos privilégios extraordinários concedidos pelo Estado a estas estruturas aristocráticas de poder, o que representa uma evidente corrupção aos princípios basilares de um Estado democrático.
O Poder Judiciário
brasileiro é também um dos mais caros do mundo, custando aos cofres públicos
mais de R$ 100 bilhões anuais (R$ 103,9 bilhões, em 2021), o que corresponde a
1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e a 2,7% dos gastos totais da União e dos
Estados, segundo dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça, 2021. Mais
de 80% desse montante corresponde a despesas com pessoal.
Comparativamente com outros países, o Brasil gasta cerca de dez
vezes mais que a Inglaterra e três vezes mais que a Alemanha, considerada a
Justiça mais cara da Europa. As despesas judiciárias nos países integrantes da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) chegam a 0,5% do
PIB. Nos Estados Unidos, custam em torno de 0,15% do PIB, na Itália, 0,19% e na
Alemanha, 0,32%.
A magistratura brasileira destaca-se como a que goza de mais
benefícios e privilégios extraordinários. O custo médio mensal com um juiz
alcança cerca de R$ 50,9 mil. Em 2022, cerca 353 juízes, ministros ou
desembargadores perceberam salários superiores a R$ 100 mil, pelo menos 1 vez
no ano.
A lista de benefícios excluídos da incidência do teto
remuneratório dos servidores públicos é longa, sem contar os 60 dias de férias
aos quais os magistrados têm direito: auxílio-moradia, auxílio-alimentação, gratificações
por acúmulo de varas, auxílio-saúde, gratificação por produtividade, por aulas
em escolas da magistratura, auxílio pré-escolar e auxílio-educação para os
filhos. Há também gratificação por cargos de direção, por integrarem comissão
especial, por serem juízes auxiliares, licenças especiais, gratificações
relacionadas ao magistério, Bolsa Pesquisa, ajuda de custo para se instalarem
em outra cidade etc. Ainda que legais, esses penduricalhos escancaram a
distância entre a toga e o uniforme do resto dos mortais, tornando a categoria uma rica casta.
O alto custo para manutenção deste sistema deveria resultar numa
Justiça das melhores do mundo nos indicadores de eficiência, produtividade,
segurança jurídica e confiança. Infelizmente a realidade não é bem assim, de
acordo com o World Justice Project (WJP) nossa justiça vem caindo
gradativamente no quesito efetividade, ocupando, em 2022, o 81º lugar entre os
140 países analisados, caindo quatro posições desde o ano anterior. Entre os 32
países da América Latina e Caribe, o Brasil ocupa o 18º lugar.
Entre os medidores usados na pesquisa estão a facilidade para
acesso da população à justiça, a ausência de discriminação e corrupção no
sistema, a celeridade dos processos e a eficiência de meios alternativos de
solução de conflitos.
A magistratura distingue-se das outras carreiras do funcionalismo
público e, radicalmente, da maioria da população, sendo esta uma das muitas
contradições presentes na estruturação do Judiciário, notadamente, na
permanência de privilégios adquiridos em âmbito histórico, em seu modelo de
recrutamento e progressão e nos altos salários pagos aos magistrados
brasileiros. Este distanciamento da população influi de modo decisivo na
produção de uma prática judicial que tende a conservar as relações de poder
vigentes na sociedade brasileira.
O Judiciário brasileiro, assim como ocorre de modo geral nos
países ocidentais, justifica-se discursivamente como instituição voltada ao
combate à arbitrariedade e aos excessos dos demais poderes, bem como à garantia
da observância da lei e dos princípios constitucionais, como a liberdade e a
igualdade. No entanto, a excessiva autoconcessão de privilégios aos seus
membros perverte o sentido e a possibilidade de efetivação dos princípios que
deveria defender.
O distanciamento da massa da população resulta, ainda, na
distorção do sentido da própria função jurisdicional, que passa a ser
compreendida não como múnus republicano, do qual o magistrado é mero servidor,
mas como honraria nobiliárquica vitalícia, cujos privilégios são custeados
pelos desprivilegiados cidadãos brasileiros.
Juízes só podem ser demitidos por meio de sentença judicial. Na
área administrativa, a pena máxima a que estão sujeitos, no caso de cometimento
de faltas graves, é a aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais,
privilégio que mais causa repulsa e indignação.
Ao contrário da maioria dos servidores que, quando punido, vai ter
de lutar para averbar o seu tempo em outro regime previdenciário, no caso dos
juízes, a punição é a própria aposentadoria.
Aposentadoria compulsória vem sendo aplicada aos magistrados desde
1979 como sanção disciplinar no caso de faltas graves, como desídia com deveres
do cargo, conduta imprópria ao decoro da função, trabalho insuficiente, atraso
excessivo em decisões e despachos, parcialidade e tráfico de influência.
A condenação poderá levar à declaração de inidoneidade pela Ordem
dos Advogados do Brasil, impedindo a inscrição como advogado, além de tornar o
condenado inelegível por oito anos. O CNJ também encaminhará os
autos do processo ao Ministério Público para possível ação penal ou por improbidade
administrativa, que pode resultar na perda do cargo (demissão).
É inexplicável que depois de tantas reformas da Previdência, que endureceram as regras de aposentadoria de celetistas, servidores públicos e, um pouco menos, até dos militares a punição de juízes em forma de aposentadoria elevada continue incólume. Mesmo sendo retirada da Constituição pela recente reforma previdenciária, continua sendo aplicada por força da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
Diante de tantos privilégios e benefícios, cabe a pergunta: O plexo de direitos e garantias da magistratura é voltado à defesa da sociedade?
O que se pode concluir é que os privilégios e as remunerações
excepcionais permitem aos juízes integrar o círculo dos servidores públicos
mais afortunados economicamente, o que conduz a um compartilhamento das visões
de mundo, dos interesses, das relações de poder, dos valores e das opções de
consumo das elites econômicas e políticas.
E não devemos esquecer
que todas as biografias e memória dos ricos, poderosos e eminentes explicitam
que as pessoas dessas altas rodas estão envolvidas num conjunto de grupos
interligados, que se autoprotegem.
*Geólogo, advogado e escritor
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