Valor Econômico
Falta de perspectiva de uma transformação
estrutural mais profunda na economia justifica as nuvens carregadas no
horizonte
A percepção dos participantes de mercado
sobre os fundamentos domésticos melhorou bastante no decorrer deste ano em
função das trajetórias mais benignas da atividade e da inflação, bem como da
diminuição dos riscos fiscais e políticos mais adversos.
O PIB do 1º trimestre foi maior do que o projetado, elevando a mediana das projeções de crescimento em 2023 de 0,8% no fim do ano passado para os atuais 2,3%. Apesar de a inflação IPCA seguir a dinâmica antecipada, com os 2,9% acumulados no 1º semestre similares à previsão formulada no fim de 2022, a projeção para 2023 recuou para 4,8%, após ter alcançado 6,1% em abril. As expectativas de inflação para 2024, 2025 e 2026 também retrocederam para, respectivamente, 3,9%, 3,5% e 3,5%.
Os avanços fiscais, com a proximidade da
votação final do arcabouço fiscal e a aprovação da reforma tributária na Câmara
dos Deputados, são igualmente positivos ao afastarem riscos de extrema
deterioração das contas públicas. Do lado político, as propostas mais
estatizantes e intervencionistas de alguns apoiadores do governo não foram
adiante, seja por conta de decisão contrária do presidente Lula seja devido ao
apoio insuficiente no Congresso, contribuindo para afastar cenários mais
adversos.
A percepção acerca dos prognósticos
favoráveis de curto prazo foi legitimada pelo Copom com o início do
afrouxamento monetário, o corte da taxa Selic acima do apreçado na curva de
juros, a sinalização de reduções dos juros básicos de 50 pontos base nas
próximas reuniões do Copom e a retirada de comentários sobre riscos fiscais do
comunicado do comitê. A melhoria da classificação de risco do crédito soberano
pela Fitch, apesar de ainda distante do grau de investimento, também referendou
o sentimento mais favorável.
Mesmo com os impactos trágicos da invasão
da Ucrânia, o bom desempenho dos principais blocos econômicos - a expressiva
alta dos juros internacionais contribuiu para o recuo da inflação sem uma
marcante desaceleração da atividade nem uma significativa alta do desemprego -
foi determinante para a elevação dos preços dos ativos globais - o índice de
ações S&P 500 aumentou de 3.840 pontos no fim de 2022 para 4.478 pontos na
6ª feira.
O cenário atual justifica, assim, a
percepção de céu azul no horizonte e a valorização dos preços dos ativos
locais. A taxa de câmbio apreciou de R$ 5,29/US$ no fim de 2022 para R$
4,73/US$ na semana passada, a taxa de juros para o contrato futuro de janeiro
de 2027 diminuiu de 12,6% para 10,1% e o Ibovespa, após atingir 98 mil pontos
em março, superou 120 mil pontos.
Os participantes de mercado têm minimizado,
porém, diversos riscos negativos para as perspectivas da economia. O consenso
sobre a atividade, por exemplo, é de significativa desaceleração a partir do 2º
trimestre. Mesmo que a expansão da economia possa superar 2% em 2023 e 2024, a estimativa
de crescimento potencial entre 1% e 1,5% é inferior à da maioria dos países
emergentes. Apesar da recente dinâmica benigna, a inflação ao consumidor
acumulada em 12 meses aumentará nos próximos meses por conta da forte deflação
do 3º trimestre de 2022 gerada pelo corte de impostos. Além disso, os núcleos
de inflação elevados reforçam o risco de aceleração dos preços nos próximos
meses.
Em um contexto mais amplo, a decisão de
alterar normas vigentes, como a política de preços da Petrobras e
a legislação de saneamento, incorpora incertezas negativas ao médio prazo.
Mesmo que minimizadas pelos agentes de mercado, a retomada da concessão de
subsídios creditícios e as menções de apoio a projetos que fracassaram no
passado tendem mais adiante a distorcer os preços e a prejudicar os
fundamentos.
Na frente política, a evolução dos ajustes
econômicos tem sido lenta devido à demora na consolidação de uma coalizão de
governo robusta e à falta de consenso sobre o teor dessas mudanças. O arcabouço
fiscal, por exemplo, ainda requer aprovação final na Câmara dos Deputados, com
líderes partidários condicionando a votação à incorporação de membros do PP e
do Republicanos ao Executivo.
Do lado fiscal, influenciados pelo impacto
positivo da simplificação do sistema tributário sobre a eficiência econômica,
os participantes de mercado têm, por ora, menosprezado o efeito negativo sobre
a produtividade advindo da provável necessidade de elevação da carga tributária
para fazer face à reversão do déficit primário a partir de 2024, em um ambiente
de expansão contínua dos gastos públicos.
Ademais, a tramitação em etapas da reforma
tributária impedirá a construção de um sistema eficiente, pois a proposta para
os impostos sobre a renda ainda é desconhecida. Assim, a avaliação fiscal
favorável tende a ser gradualmente substituída por um sentimento menos benigno,
em função da disseminação da leitura de que o cumprimento da meta de resultado
primário neste ano e em 2024 será difícil, a menos que o governo seja capaz de
antecipar a arrecadação de impostos futuros ou de cobrar novos tributos.
A ausência de um amplo debate sobre a
manutenção de inúmeras renúncias tributárias sem elevar a produtividade nem
melhorar as condições de vida dos mais pobres é um outro fator que enfraquece a
sustentação do sentimento positivo sobre a economia. Da mesma forma, a falta de
foco do Congresso em prol de uma revolução na educação dificulta a manutenção
de uma leitura positiva no médio prazo.
Em suma, a percepção favorável sobre os
fundamentos é justificável sobre algumas óticas. Todavia, o movimento dos
preços dos ativos está mais associado a questões de curto prazo, como a
trajetória recente das variáveis econômicas, a diminuição da probabilidade de
cenários negativos extremos e o movimento dos preços globais. Como não houve
mudanças estruturais na economia, a alta dos preços dos ativos locais pode,
portanto, ser apenas uma reação de curto prazo, passível de reavaliação mais à
frente. Nesse sentido, a falta de perspectiva de uma transformação estrutural
mais profunda na economia justifica as nuvens carregadas no horizonte.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em
economia,
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