BC delimita ritmo e alcance do ciclo de redução de juros
Valor Econômico
Não haverá intensificação do ritmo de queda
da Selic sem que ocorram “surpresas positivas substanciais”
A ata da reunião do Comitê de Política Monetária que decidiu um impulso inicial mais potente para o ciclo de flexibilização monetária também delimitou seu ritmo e alcance. No plano de voo do Banco Central, não há hoje motivos para se esperar que os ajustes determinados de 0,5 ponto percentual para as próximas reuniões sejam mais intensos. Por outro lado, a política monetária seguirá contracionista até que a inflação atinja a meta, isto é, os juros reais permanecerão algo acima da taxa neutra, de 4,5%, indicando que a taxa Selic pode encontrar seu limite de baixa ao redor de 8%-8,5%, caso não haja mudanças positivas relevantes no cenário prospectivo.
A ata dá mais elementos para qualificar a
divergência que resultou em votação apertada entre os diretores (4) que
defenderam um corte inaugural de 0,25 ponto percentual e os cinco que, como o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apoiaram um ajuste maior, de
0,5 ponto percentual. Houve consenso entre os dois grupos, no entanto, sobre
ter chegado o momento de reduzir a Selic. “O Comitê unanimemente avaliou que a
evolução do cenário desde a última reunião permitiu acumular a confiança
necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”, registra
a ata.
As diferenças de avaliação sobre a
magnitude do corte de juros decorreram mais do estágio do processo inflacionário
no início do ciclo e da coerência em relação às mensagens que o BC transmitiu
até há pouco. A ata explicita que tanto cortes de 0,25 ponto como de 0,5 ponto
tinham “mérito” e conduziriam à convergência da inflação para a meta.
O grupo mais conservador, que optou por um
ajuste menor, permaneceu fiel à mensagem de “cautela e parcimônia” que deu a
tônica da orientação do BC e, para eles, não houve “alterações relevantes no
cenário ou projeções do Comitê que justificassem uma reavaliação dessa
sinalização”. O outro grupo, no qual se perfilaram os dois novos diretores do
BC indicados pelo governo Lula - o diretor de Política Monetário, Gabriel
Galípolo, e o de Fiscalização, Ailton de Aquino -, argumentou que a política
monetária “significativamente” contracionista já permitia o início de cortes em
ritmo moderado (0,5 ponto) sem que isso comprometesse a eficácia das doses já
ministradas sobre a atividade econômica. A dinâmica recente “mais benigna” da
inflação e a reancoragem parcial “rápida” das expectativas de inflação desde a
definição das metas de inflação pelo Conselho Monetário Nacional justificariam
uma recalibragem da dose de juros. E assim foi feito.
Outro ponto de consenso que determinou o
início da redução dos juros foi o de que “um cenário com expectativas de
inflação com reancoragem apenas parcial, núcleos de inflação ainda acima da
meta, inflação de serviços acima do patamar compatível com a meta para a
inflação e atividade econômica resiliente requer uma postura mais conservadora
ao longo do ciclo de flexibilização”.
A decisão de um ajuste maior do que o
esperado pela maioria dos investidores, diante de um cenário ainda não seguro
de desinflação - o IPCA está mais longe da meta de inflação do que esteve nos
dois ciclos anteriores de afrouxamento monetário - causou ruídos esperados, que
a ata procura dissipar. Não haverá intensificação do ritmo de queda da Selic,
que se tornou uma leitura corrente após o corte de 0,5 ponto, a menos que
ocorram “surpresas positivas substanciais”, como uma “reancoragem bem mais
sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma
dinâmica substancialmente mais benigna do que a esperada da inflação de
serviços”.
O Copom discutiu os motivos de a
reancoragem ser apenas parcial e entre eles reapareceu a incerteza sobre a
dinâmica fiscal, que foi retirada do balanço de riscos, mas permanece no
cenário-base do BC, porque os investidores não acreditam que o governo vá
cumprir as metas de resultado primário estabelecidas no novo regime fiscal.
Outra hipótese foi a de que “o Banco Central poderia tornar-se mais leniente no
combate à inflação”, correspondente à percepção de muitos investidores sobre o
que ocorrerá com a política monetária com a mudança da composição da diretoria
do BC quando a maioria dos membros tiver sido indicada pelo atual governo.
O Copom, então, emitiu novos juízos sobre
fatores que poderão influir no processo inflacionário, onde se incluiu até o
avanço do crédito direcionado na economia. “O esmorecimento no esforço de
reformas estruturais, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a
estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros
neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política
monetária e, consequentemente, sobre seu custo para a economia”, aponta a ata.
Dúvidas sobre o comportamento da inflação
envolvem o hiato do produto, a distância em que se encontra a economia de seu
potencial de crescimento. A desaceleração no segundo semestre pode dirimi-las,
tornando o cenário muito mais favorável à redução dos juros.
Juiz de garantias traria mais lentidão,
redundância e custo
O Globo
Judiciário brasileiro já dispõe de três
instâncias para revisar os erros da primeira. Faz sentido criar mais uma?
Está prevista para hoje no Supremo Tribunal
Federal (STF)
a retomada da votação sobre a criação do juiz de garantias, magistrado cujo
trabalho ficaria restrito à fase de instrução do processo (busca e apreensão,
escuta telefônica, interrogatórios etc.). Seria um juiz mais próximo da
investigação, enquanto um segundo seria responsável pelo julgamento.
O objetivo da mudança, segundo seus
defensores, é tornar o trâmite mais imparcial. Atualmente, um mesmo juiz fica
encarregado do inquérito e da sentença, numa dinâmica que os garantistas
consideram prejudicial aos réus. O novo modelo procura imitar países europeus
e, na superfície, parece mais sensato. Na realidade brasileira, porém, ele
criaria redundância, ampliaria um Judiciário já gigantesco, traria despesas
estimadas em bilhões e tornaria a Justiça ainda mais lenta.
A criação do juiz de garantias foi aprovada
pelo Congresso em 2019, como parte do Pacote Anticrime, sancionado por Jair
Bolsonaro. Logo em seguida, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADIs) foram apresentadas no STF contra a implementação. Em 2020, o ministro Luiz
Fux, relator das quatro, suspendeu temporariamente a aplicação da lei, sob o
argumento de que ela exigia a apresentação de evidências “acima de qualquer
dúvida razoável” sobre seus reflexos.
Quando o assunto chegou ao plenário da
Corte há seis semanas, Fux
votou pela inconstitucionalidade da lei que obrigou todas as comarcas do país a
adotar o juiz de garantias. Para ele, a norma presume, sem evidências, a
parcialidade dos magistrados no sistema atual, por isso viola o princípio
constitucional da proporcionalidade (novas restrições só se justificam se forem
proporcionais aos direitos protegidos). O relator também argumentou que a
criação de um mecanismo tão intrusivo só poderia ser proposta pelo próprio
Judiciário. Ao fim, Fux defendeu que a adoção deve ser opcional. Caso não seja,
disse que a norma ferirá “de morte” o direito dos cidadãos a uma duração de
processo razoável.
Mesmo antes de Fux terminar seu voto, o
ministro Dias Toffoli avisou que pediria mais tempo para analisar a questão,
mas prometeu devolver o caso ao plenário em agosto. Com o reinício da votação
previsto para hoje — primeiro caso de vulto a contar com a participação do
recém-empossado ministro Cristiano Zanin —, espera-se que a decisão saia em
breve.
No sistema judicial brasileiro já há três
instâncias para rever o trabalho da primeira. A ideia de que injustiças são
frequentes porque um mesmo juiz cuida da instrução e do julgamento carece de
comprovação empírica. Além de supérflua, a medida custaria caro. Comarcas com
um só juiz teriam de ser atendidas por magistrados de outras cidades,
incorrendo em gastos e tempo extra. Em questão de meses, certamente surgiria a
demanda pela ampliação das vagas para juízes, a categoria mais dispendiosa e
privilegiada do funcionalismo brasileiro.
Quem chama a lei dos juízes de garantias de
“avanço civilizatório” costuma lembrar os abusos cometidos em julgamentos da
Operação Lava-Jato. Esquece-se, porém, de apresentar evidências de que tal
comportamento seja corriqueiro. Reformas na Justiça são urgentes, mas no
sentido contrário ao apontado pelo juiz de garantias. É necessário torná-la
mais ágil e rápida, mais barata e extinguir privilégios que são uma afronta à
população.
Sanção de Lula à ozonioterapia expõe a
população a risco desnecessário
O Globo
Presidente que criticou Bolsonaro pela
gestão temerária da pandemia já tem uma cloroquina para chamar de sua
Contrariando a recomendação de entidades
médicas, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
e da própria ministra da Saúde, Nísia Trindade, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que autoriza a ozonioterapia como
tratamento de saúde complementar no país. Até então, ela era
permitida apenas em procedimentos odontológicos (como tratamento de cáries) ou
estéticos (limpeza e assepsia da pele).
Embora terapias com ozônio para tratar
doenças que vão de dores crônicas ao câncer estejam na moda e reúnam
celebridades nacionais e internacionais entre seus adeptos, não há nenhuma
comprovação científica de eficácia e segurança desses procedimentos. Nos
Estados Unidos, as autoridades de saúde informam que o ozônio “é um gás tóxico,
sem aplicação médica útil conhecida em terapias específicas, complementares ou
preventivas”.
Não é por acaso que instituições
respeitadas da área médica tenham defendido o veto presidencial ao projeto,
aprovado pelo Senado em julho. A Academia Nacional de Medicina (ANM) informou
não ter conhecimento de trabalho científico que comprove a eficácia da
ozonioterapia em nenhuma circunstância e alertou sobre os riscos à saúde.
Posição semelhante foi manifestada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e
pela Federação Nacional dos Médicos. Até o Conselho Federal de Medicina (CFM) —
criticado na pandemia pela leniência com a prescrição da cloroquina, a despeito
da ineficácia comprovada no combate à Covid-19 — diz em nota que a
ozonioterapia é procedimento de “caráter experimental” que deveria ficar
restrito ao “ambiente de estudos científicos”.
Não bastassem os riscos de procedimentos
experimentais, a liberação da ozonioterapia cria embaraços jurídicos. O CFM
proíbe os médicos de usar o tratamento, mas a lei os libera. Para ser usados,
os equipamentos de aplicação de ozônio precisam ser aprovados pela Anvisa, que
só os autoriza em procedimentos odontológicos e estéticos. Confusão à vista.
Numa democracia, é sempre saudável o debate
sobre novas leis. O que preocupa nesse caso é Lula desprezar
pareceres de instituições médicas e do próprio Ministério da Saúde sem
justificativa nem argumento plausível. A regulação cabe à Anvisa e deve ser
feita segundo critérios técnicos, não interesses políticos de parlamentares.
Infelizmente, o Brasil já viu esse filme. Em meio à pandemia mais letal em cem anos, o então presidente Jair Bolsonaro ignorou as recomendações técnicas e preferiu se aconselhar com um gabinete paralelo anticiência, que glorificava a cloroquina e demonizava as vacinas. O final dessa história, com mais de 700 mil mortos, é conhecido. É um contrassenso que o atual governo, que usa o slogan “a Ciência voltou” em anúncios institucionais, aprove uma lei que passa ao largo das evidências científicas e das boas práticas na saúde, chancelando o disse me disse das redes sociais e expondo a população a riscos desnecessários. Lula, que tanto criticou a gestão anterior na saúde, já tem uma cloroquina para chamar de sua.
Mais distância
Folha de S. Paulo
Ministro da Justiça dá sinais de
aproximação excessiva com a cúpula da PF
A administração Jair Bolsonaro (PL) não fez
questão de esconder o seu desejo de submeter corporações de Estado, em especial
as armadas, às vontades idiossincráticas do presidente da República.
Tornou-se didática a esse respeito a
reunião ministerial de abril de 2020, gravada em vídeo e disponibilizada ao
público por ordem judicial. Nela o chefe do governo confessava,
na prosa tosca habitual, a sua disposição de interferir na Polícia Federal,
porque "a PF não me dá informações" e ele não podia "ser
surpreendido com notícias".
As trocas constantes ao longo do mandato em
postos estratégicos na PF e na Polícia Rodoviária Federal e a traumática
substituição simultânea dos três comandantes das Forças Armadas mostraram que
não se tratava de retórica vazia. O objetivo era desgastar a cartilagem que o
profissionalismo interpõe entre o mandonismo político-partidário e o serviço
público.
A Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) restaurou padrões de normalidade nessas relações e, até pelo compromisso
com o campo democrático firmado na campanha eleitoral, deveria estar atenta aos
ruídos que por vezes surgem no Ministério da Justiça.
O titular, Flávio Dino (PSB), no fim de
junho afirmou que poderia haver
novidades nas investigações da morte da vereadora do Rio Marielle Franco.
Semanas depois, a PF prendeu um suspeito do crime, e o próprio ministro da
Justiça anunciou que o detido fizera uma delação premiada e projetou novas
operações à frente.
Questionado sobre se o ministro havia
obtido informação privilegiada de um inquérito presidido com autonomia
funcional, o ministério afirmou que Dino dera apenas uma previsão de que
haveria novas operações, pois, tarimbado com 33 anos de vivência jurídica,
seria pessoa abalizada para fazer essas estimativas técnicas.
O clarividente ministro da Justiça não é a
única fonte de atenção acerca de uma aproximação excessiva entre uma autoridade
política e uma corporação policial.
O próprio diretor-geral da PF, Andrei
Rodrigues, demonstra grande e longeva afinidade com a cúpula petista. Figura
frequente nas viagens do presidente da República, entrou numa disputa
burocrática com o Gabinete de Segurança Institucional, órgão conduzido por
militares, pela primazia de zelar pela segurança do chefe de Estado.
A República viceja quando os protocolos que
abrandam o ímpeto dos poderosos são respeitados. Submetido aos caprichos do
chefe de turno, o aparato policial se desvirtua, persegue adversários e protege
amigos do grupo no poder. Por isso o governante e seus nomeados devem manter
uma saudável distância das corporações armadas.
Inócua ou temerária
Folha de S. Paulo
Lei que autoriza ozonioterapia é exemplo de
política que ignora racionalidade
A lei que
autoriza a ozonioterapia como tratamento complementar, aprovada pelo
Congresso e sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gera justificadas
críticas.
Segundo a Academia Nacional de Medicina, a
Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina, não há estudos
científicos suficientes que comprovem eficácia e segurança da técnica.
Em nota, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária e o Ministério da Saúde afirmam que, atualmente, só há permissão de
uso em duas áreas: odontologia e estética (assepsia da pele). Novos
equipamentos e indicações devem ser submetidos à Anvisa com pesquisas que
atestem resultados confiáveis.
Contudo a lei só especifica que o
"equipamento de produção de ozônio medicinal" deve estar regularizado
pela agência. Para especialistas, isso pode dar margem para que dispositivos já
autorizados sejam usados para outros fins, que não odontológico ou estético.
A ozonioterapia consiste na aplicação de
uma mistura de oxigênio e ozônio por via endovenosa, retal, intramuscular e
outras.
A técnica é permitida no SUS desde 2018,
dentro do programa de Práticas Integrativas e Complementares (PICs), que recebe
críticas de médicos e pesquisadores por oferecer serviços sem comprovação
científica —como aromaterapia, reiki e constelação familiar.
Mas, como informaram o ministério e a
Anvisa, o uso não foi além das áreas já normatizadas.
Causa espécie que o Congresso Nacional
perca tempo na formulação e aprovação de uma lei sobre tratamento carente de
respaldo científico. O Legislativo estimula, assim, a busca por um serviço
duvidoso e, no limite, perigoso —a técnica
pode queimar mucosas e causar danos vasculares e cerebrais.
Dada a dubiedade da redação do diploma, o
resultado pode ser ou inócuo, ao manter as restrições da Anvisa, ou pior,
temerário.
Há ainda o risco de judicialização, se
pacientes demandarem oferta para outros fins pelo SUS.
Durante a pandemia, o país testemunhou os
riscos de tratamentos sem base científica, com tentativas de permitir a
prescrição de cloroquina e até mesmo da ozonioterapia para combater o
coronavírus. O próprio PICs, do SUS, disponibiliza terapias questionáveis.
Não se concebe mais que o poder público
ignore a racionalidade no desenho de suas políticas baseadas em evidências, que
precisam buscar eficácia e segurança.
Sem medo das redes sociais
O Estado de S. Paulo
Câmara deve recolocar em pauta a necessária
regulação das redes sociais. Assim como não pode ficar refém do lobby das big
techs, País não pode titubear ante o lobby da desinformação
É alvissareira, uma demonstração de
verdadeira maturidade democrática, a notícia de que a Câmara dos Deputados se
prepara para votar, neste início de segundo semestre, a regulação das redes
sociais. O plano é votar, em primeiro lugar, o Projeto de Lei (PL) 2370/2019,
que trata do pagamento de direitos autorais por conteúdos audiovisuais
publicados em plataformas digitais e da remuneração de veículos de comunicação
por parte das empresas de tecnologia. Depois, a Câmara se debruçaria sobre um
novo texto do PL 2630/2020, o PL das Fake News, a ser apresentado pelo relator,
deputado Orlando Silva.
O lobby é parte do jogo democrático. Mas o
País – em especial, o Congresso, órgão por excelência da representação popular
– não pode ficar refém do lobby das empresas de tecnologia, que desejam impedir
todo e qualquer avanço regulatório. Elas estão muito confortáveis com o cenário
atual, no qual dispõem de ampla irresponsabilidade sobre o conteúdo publicado e
de autorização quase irrestrita, sem exigências de transparência, para
interferir na exposição de cada conteúdo.
Todos os países têm notado os efeitos
perniciosos da falta de uma regulamentação adequada das redes sociais em muitos
campos da vida social, econômica e política. E tentam encontrar caminhos para
esse desafio regulatório tão grande e, ao mesmo tempo, tão urgente. O Brasil
não é uma exceção.
Assim como não pode ficar refém do lobby
das empresas de tecnologia, o País não pode titubear ante o lobby da
desinformação, que foi decisivo para impedir a votação do PL 2630/2020 no fim
do primeiro semestre. Houve desbragada difusão de notícias falsas sobre o
projeto de lei, principalmente a respeito do poder que o Estado teria para
interferir nas publicações dos usuários. Com isso, o PL das Fake News, que
vinha aperfeiçoar a regulação justamente para assegurar a liberdade de
expressão a todos os usuários, passou a ser equivocadamente conhecido como o PL
da Censura.
Os detratores do projeto difundiram a ideia
de que, uma vez aprovado o texto, o governo Lula teria direito a remover
conteúdo das redes sociais. Ora, nenhum dispositivo do PL 2630/2020 confere ao
Poder Executivo federal o poder de arbitrar o que pode e o que não pode ser
publicado nas redes sociais. Se conferisse tal disparate, o texto seria, por
óbvio, inconstitucional.
Para piorar, a tramitação do PL 2630/2020
foi especialmente conturbada no fim do primeiro semestre por força da atuação
invasiva do Supremo Tribunal Federal (STF). Medidas liminares do ministro
Alexandre de Moraes pretenderam estabelecer o que poderia ser dito sobre o
texto em estudo pelo Congresso. Foi uma evidente intromissão inconstitucional
do Judiciário na opinião pública. E, como era óbvio que ia acontecer, mais do
que assegurarem um ambiente de serenidade e de correção das informações, as
decisões de Moraes suscitaram ainda mais dúvidas e receios. Parecia que a tão
anunciada censura do PL das Fake News já estava sendo colocada em prática pelo
magistrado.
Diante de todo esse cenário, ganha novo
destaque a maturidade da Câmara dos Deputados em não desistir da regulação das
redes. A possibilidade de dividir o tema, votando por partes, pode facilitar um
debate mais sereno e racional da proposta. A tática de fatiar o projeto
original tem a finalidade de dar maior transparência ao debate. Com isso, como
bem lembrou o presidente da Câmara, Arthur Lira, os integrantes da bancada que
defende os interesses financeiros das empresas de tecnologia terão mais
dificuldade de se fazer passar por paladinos da liberdade de expressão, pois
cada assunto será tratado separadamente.
Este primeiro ano de legislatura, sem
eleições, é ocasião propícia para o Congresso enfrentar um tema tão
politicamente complicado. Os pilares da regulação das redes sociais em estudo
na Câmara são a liberdade de expressão, a transparência e a ampliação da
responsabilidade das plataformas. Tudo isso é altamente positivo para os
usuários das redes e para o País. Não convém desperdiçar a oportunidade.
Uma necessária resolução moralizadora
O Estado de S. Paulo
A ministra Rosa Weber, presidente do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levará ao plenário do CNJ nos próximos dias
uma alvissareira proposta de resolução que visa a regulamentar com mais rigor a
participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas.
Desde 2013, essa disciplina já existe, mas é branda, entre outras razões, por
operar em uma zona cinzenta. Esses eventos com a presença de magistrados têm
sido corriqueiramente tratados como colóquios acadêmicos, de modo que os juízes
se sentem legal e moralmente autorizados a participar. Na prática, porém,
muitos se confundem com festins entre lobistas e servidores públicos, onde
abundam conflitos de interesse.
Nesse sentido, o CNJ fará muito bem ao País
tanto ao aprovar, com desassombro, a proposta de resolução, antecipada pelo
portal Metrópoles, como ao detalhar o que caracteriza um evento genuinamente
acadêmico e o que não passa de convescote bancado por entidades privadas que
têm muitos interesses em jogo circulando pelos gabinetes da magistratura em
todas as instâncias do Poder Judiciário, sobretudo nas Cortes Superiores.
O fato de a mais alta autoridade judiciária
do País estar pessoalmente engajada na aprovação dessa resolução expõe a
dimensão da fissura que esses eventos patrocinados por entidades privadas
provocam na aura de imparcialidade que está na essência da atividade judicante.
Nunca é demais lembrar que a um magistrado não basta ser imparcial, de resto um
atributo comezinho do ofício; é mandatório parecer imparcial, ou a própria
ideia de justiça e a confiança dos jurisdicionados na solução mediada de
conflitos, dois pilares das sociedades civilizadas, não serão devidamente
assimiladas por todos os cidadãos.
A iniciativa da ministra Rosa Weber de
regulamentar com mais apuro a participação de juízes em eventos privados coroa
sua trajetória na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ às
vésperas da aposentadoria compulsória. A medida vem na esteira de outras, de
igual teor disciplinador, encampadas pela ministra, o que demonstra uma
inabalável disposição de enfrentar, com coragem e espírito republicano,
questões espinhosas no âmbito do Poder Judiciário que, exatamente por isso, há
muito permaneciam intocadas – seja porque mexiam em temas sensíveis para a
sociedade, seja porque tocavam na vaidade e na percepção de poder que parecem
mover alguns de seus pares.
Com a tenacidade que lhe é característica,
no entanto, a ministra Rosa Weber conseguiu avanços extremamente importantes no
sentido de aproximar o Poder Judiciário de uma atuação mais coadunada com o que
determina a Constituição. À primeira vista, pode parecer algo elementar, mas
decerto não foi fácil para a presidente do STF e do CNJ vencer as resistências
que se interpuseram entre ela e seus objetivos.
Um dos legados da ministra, por exemplo, é
o resgate da vocação colegiada do Supremo Tribunal Federal pela imposição de
limites às decisões monocráticas. Uma reforma regimental, aprovada durante sua
gestão, passou a obrigar que decisões liminares dos ministros sobre questões
urgentes sejam rapidamente submetidas ao colegiado, via plenário virtual. Outra
mudança alvissareira foi a definição do prazo de até 90 dias para a devolução
de pedidos de vista. Antes, não havia prazo algum, e qualquer ministro poderia
pedir vista e relegar um processo ao esquecimento pelas mais variadas razões.
A resolução para moralizar a presença dos juízes em eventos patrocinados, caso seja aprovada, como este jornal espera que seja, é particularmente bem-vinda no momento em que a confiança dos cidadãos nas instituições republicanas, em particular no STF, tem sido abalada tanto pelos ataques dirigidos pelos inimigos da democracia como, é forçoso registrar, pelos erros que os próprios magistrados cometem ao não se comportarem à altura de suas atribuições constitucionais.
Mais transparência no Copom
O Estado de S. Paulo
Ata mostra que divergências entre diretores
do BC não são políticas e afasta leniência no combate à inflação
A ata da última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) dirimiu dúvidas sobre as razões que motivaram a redução mais
intensa da taxa básica de juros pelo Banco Central (BC). No documento, mais
longo que o padrão, o BC explicitou os motivos técnicos que levaram a uma
divisão entre os diretores e reafirmou o compromisso do BC de conduzir a
inflação de volta à meta.
Havia muita expectativa sobre como a
decisão se daria e de que forma seria justificada. Seria, afinal, a primeira
reunião do colegiado desde a entrada de dois novos integrantes indicados pelo
governo Lula – Gabriel Galípolo, até então secretário executivo do Ministério
da Fazenda, e Ailton de Aquino Santos, servidor de carreira do BC. Parte dos
agentes acreditava que a nova composição do Copom poderia levar o BC, com o
passar do tempo, a ser mais leniente no combate à inflação.
Como já havia informado o comunicado,
quatro dos diretores defendiam a queda de 0,50 pp, enquanto outros quatro
preferiam uma redução de 0,25 pp. Alvo de ataques contínuos por parte do
governo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deu o voto definitivo a favor
do corte mais agressivo da Selic, para 13,25% ao ano.
Faltava, porém, a divulgação da ata para
afastar insinuações sobre a existência de motivações políticas a embasar a
decisão. De forma transparente, o documento mostrou que um grupo não
considerava haver sinais suficientes de mudanças no cenário e nas projeções
para permitir um corte mais agressivo da taxa básica de juros. Outro, no
entanto, destacou a dinâmica recente da inflação e a manutenção das metas de
inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) como fatores que contribuíram
para ancorar as expectativas, o que abria espaço para uma queda mais intensa
dos juros.
Na ata, o Copom admitiu haver mérito nas
duas posições. E, apesar das diferenças de opinião sobre o tamanho do corte, os
diretores, de forma consensual, reconheceram que a retomada da ancoragem das
expectativas ainda era parcial, uma vez que a atividade econômica mostra
resiliência e os núcleos e a inflação de serviços continuam elevados. Assim, ao
contrário do que havia ocorrido algumas vezes nos últimos meses, comunicado e
ata vieram em tom alinhado, corrigindo erros de comunicação cometidos em
ocasiões anteriores.
Por meio da ata, o BC também tentou segurar
apostas de um ajuste ainda mais ousado nas próximas reuniões, de 0,75 pp, como
parte do mercado passou a cogitar. Essa possibilidade, segundo o documento,
dependeria de “surpresas positivas substanciais” e de uma retomada da ancoragem
das expectativas “bem mais sólida”. É um cenário que o comitê julga ser pouco
provável, uma vez que superar os desafios fiscais e atingir as metas traçadas
pelo novo arcabouço será um objetivo, no mínimo, desafiador.
Com a ata, o Banco Central reafirmou sua autonomia de forma transparente e corajosa, deixando claro haver não apenas um compromisso firme de combate à inflação, como também espaço para opiniões divergentes na cúpula da instituição. Que este seja, a partir de agora, o padrão de comunicação do BC.
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