A democracia nasce moldada pela ideia de
representação. Seria impossível reproduzir as práticas da democracia direta da
antiguidade grega. Tratava-se de governar grandes Nações e não Cidades-estados,
com escalas populacionais muito maiores. Vale lembrar que, mesmo na Atenas de
Péricles, mulheres, estrangeiros e escravos não votavam.
Para dar funcionalidade à democracia moderna
nasceram instituições e a divisão de poderes. De um lado, o parlamento,
representativo do conjunto plural da sociedade, e os partidos políticos,
ferramentas organizadoras de pessoas com alguma identidade de ideias visando a
disputa do poder. De outro, a dinâmica republicana de freios e contrapesos com
a divisão de papéis entre executivo, legislativo e judiciário.
Para se governar é preciso conquistar maioria
parlamentar e legitimação social. Governo sem maioria não consegue implantar
seu programa. No parlamentarismo europeu, canadense ou japonês, ao perder a
maioria, o governo caí, e aí uma nova maioria se forma ou convoca-se novas
eleições. No presidencialismo americano, o sistema bipartidário assegura alguma
estabilidade.
Digo isso, para chamar atenção para um
aspecto central: boa parte da indefinição de rumos do Brasil nas últimas duas décadas
se deve ao fato de o governo não dispor de maioria parlamentar sólida, que
apoie e aprove as medidas necessárias para a implantação do programa eleito dentro
do presidencialismo brasileiro. O parlamento tem protagonismo crescente, mas
sem as responsabilidades institucionais proporcionais com a governabilidade.
Deveríamos migrar para o parlamentarismo e para algum tipo de distritalização
do voto. Há, no entanto, enormes resistências a qualquer mudança.
Se o Brasil vem inovando, com governos sem
maioria parlamentar consistente, a democracia contemporânea também vem sendo
desafiada pela fragmentação social e a pulverização partidária. Não somos mais
solitários.
Macron perdeu a maioria na França. Milei
governa sem maioria na Argentina. Pedro Sanchez, na Espanha, formou maioria por
um triz, ancorado nas minorias nacionalistas catalã e basca. Luís Montenegro,
em Portugal, também não possuí maioria e tem que pendular entre a esquerda e a
extrema-direita. A coligação semáforo na Alemanha é pressionada pelos péssimos
resultados eleitorais. Trump sequestrou o Partido Republicano das suas melhores
tradições e ameaça a democracia americana.
O desafio presente no Brasil é: como aprovar as transformações estruturais necessárias para retomar um desenvolvimento vigoroso e sustentável sem que haja um bloco político majoritário fiador dessas mudanças?
Um comentário:
Muito bom! "Trump sequestrou o Partido Republicano das suas melhores tradições e ameaça a democracia americana." É bem isto!
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