segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Bolsonaristas não defendem crianças, por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Motivo da recusa em apoiar PL que visa proteger menores de idade na internet não tem a ver com receio de censura, mas com lucro de empresas

Bolsonaristas já deixaram bem claro que devem obstruir a votação do projeto de lei n° 2.628 de 2022, que visa proteger crianças e adolescentes na internet. O deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL, já declarou: "Se tiver qualquer sinal de censura, não vamos apoiar".

O projeto, de autoria do deputado Alessandro Vieira (MDB-SE), foi protocolado em outubro de 2022, mas foi aprovado pelo Senado apenas em dezembro de 2024. A relatoria coube ao deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), que já anunciou que após incorporar alguns pedidos, como proibir a monetização com conteúdo de menores de idade, deve colocar o texto em votação na semana que vem.

De acordo com Vieira, desde abril já foram realizadas 53 reuniões técnicas e três audiências públicas com parlamentares, especialistas, representantes das plataformas digitais, governo e instituição de proteção à criança. Daí a robustez do projeto em comparação aos tantos outros que pipocaram no Congresso para surfar na denúncia do influenciador Felca.

O projeto, apelidado de "ECA digital", é considerado o texto mais avançado sobre o tema por várias vozes da sociedade civil que atuam em defesa de crianças e adolescentes. Entre estas está a de Maria Mello, coordenadora do Instituto Alana, que já declarou que o projeto coloca crianças acima do lucro e não cria "censura".

A princípio, a iniciativa seria um "case" de sucesso. Une esquerda, direita, centrão e sociedade civil em torno de um projeto de lei que representa um grande avanço para o país. Mas por que então deputados bolsonaristas insistem em obstruir sua votação?

O motivo da recusa é simples e não tem nada a ver com censura. Mas sim com lucro. Lucro das big techs.

Há muito tempo, big techs e bolsonaristas usam o discurso de censura para criar alguma aura positiva para a defesa de crimes, como pedofilia, crimes de ódio e crimes de desinformação, que geram lucro para empresas e visibilidade para conteúdos de extrema direita.

Nos últimos anos, conteúdos alinhados ao bolsonarismo foram os recordistas em gastos publicitários na Meta em comparação com organizações progressistas e de centro.

De acordo com dados do Projeto Brief, organizações "conservadoras" gastaram R$ 33,8 milhões em anúncios na Meta entre agosto de 2020 e agosto de 2024. Foram R$ 23,5 milhões a mais do que gastaram organizações progressistas (R$ 11,8 milhões) e de centro (R$ 1,8 milhão).

No ranking dos 20 maiores anunciantes divididos por perfil político figura a Brasil Paralelo, descrita como a maior produtora de conteúdo conservador do país, com investimento de R$ 26,6 milhões. Valor muito superior ao que gastaram empresas como Ambev e Vale.

Não é à toa que foram os próprios executivos da Meta e do Google que deram palestras para bolsonaristas reunidos no 2º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal, realizado em junho deste ano.

No encerramento do evento, Jair Bolsonaro disse: "Eu lembro lá atrás quando eu criei ‘Deus, Pátria e a Família’, e faltava uma coisa. Faltava o espírito. E daí veio a palavra liberdade." Faltou acrescentar que a "liberdade" é apenas para as big techs. Lucro acima de tudo.

 

 

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