O Estado de S. Paulo
A retórica adotada pelo governador mineiro em evento contém o combo da construção de um populista a la Bolsonaro
O lançamento da pré-candidatura de Romeu Zema para disputar a eleição à presidência da República, em evento realizado neste sábado, 16, é uma tentativa do partido Novo de cacifar o governador de Minas Gerais ao posto de vice em uma chapa encabeçada por um nome mais forte da direita, com endosso de Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente está inelegível e em prisão domiciliar. Em breve, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob acusação de maquinar um golpe de estado. Zema e o Novo, nesse cenário, miram na candidatura própria para negociar uma retirada premiada com papel de coadjuvante.
O Novo é um partido pequeno — nanico, até, se
formos usar como parâmetro o número de parlamentares em exercício. São apenas
cinco deputados federais e um senador. O tempo de TV de Zema durante a campanha
seria ínfimo. O melhor que conseguiria seria participar dos debates organizados
pelas emissoras. E ele já começa mal nas pesquisas. Nos levantamentos mais
recentes, aparece quase sempre com o pior desempenho entre todos os nomes da
direita.
Fundado em 2011 com a aspiração de ser um
partido de direita liberal com coerência ideológica e com foco na ética, o Novo
não resistiu às forças centrífugas da polarização política e hoje se consolida
como um PL do B, ou seja, um apêndice do bolsonarismo.
O discurso de Zema no evento de lançamento de sua pré-candidatura confirma essa transmutação. Disse que pretende “varrer o PT do mapa”, “acabar com os abusos e perseguições de Alexandre de Moraes” e tirar o Brasil do Brics, grupo de países emergentes, para aproximá-lo de nações ocidentais com uma “raiz cultural comum”.
A retórica adotada por Zema contém o combo da
construção de um populista a la Bolsonaro. O primeiro item é o autoritarismo.
Numa democracia, o objetivo deve ser derrotar os adversários políticos no
confronto de ideias e nas urnas, não varrê-los do mapa, o que pressupõe
extinguir a existência do contraditório. O segundo é a imagem do homem forte,
que resolve os problemas como quiser, mesmo que para isso precise passar por
cima da arquitetura institucional do país. Um presidente pode discordar da
atuação de um ministro do STF, mas não cabe a ele interferir em suas decisões
ou acabar com seus abusos.
O terceiro item do combo é a visão ideológica da política externa. O Brics não é isento de problemas, alguns dos quais já foram elencados por esta coluna, mas o Brasil tem mais a perder do que a ganhar saindo do grupo. Já a ideia de que as relações externas devem ser norteadas meramente por afinidades culturais com nações ocidentais beira a racismo ou a xenofobia seletiva.
Nos últimos meses, Zema vem se esforçando para soar o mais bolsonarista
possível, por exemplo quando disse que a discussão se houve ou não ditadura no Brasil entre
1964 e 1985 “é uma questão de interpretação”. Também
afirmou que as sanções impostas pelos Estados Unidos a Moraes estão corretas,
num claro endosso a uma ingerência americana em assunto interno do país, ainda
que tenha considerado injusta a imposição de tarifa de importação de 50% sobre
produtos brasileiros.
No que se refere à pauta do liberalismo
econômico e da austeridade fiscal, Zema faz jus a uma temática que estava no
cerne da fundação do seu partido, mas que ele próprio não conseguiu colocar
inteiramente em prática na sua gestão à frente do governo mineiro. No evento de
lançamento de sua pré-candidatura à presidência, Zema disse que governo tem que
“parar de atrapalhar” a economia e que vai deixar o Estado brasileiro “mais
leve”, como afirma ter feito em Minas.
Mas verdade é que, como governador, ele não conseguiu cumprir a promessa de tirar o Estado do atoleiro fiscal. Até agora, fracassou até mesmo na promessa de privatizar as estatais estaduais. A Presidência é sonhar alto para Zema. Um convite para ser vice em uma chapa bolsonarista vencedora talvez seja, também.
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