O relatório da Moody"s pondo o crédito bancário dos bancos brasileiros em perspectiva negativa é precipitado e velho ao mesmo tempo. Precipitado porque é, mais uma vez, a reação natural das agências: quando erra muito num país, precisa exagerar o risco do outro para parecer vigilante. Velho porque ressalta o aperto de crédito internacional enfrentado pelo Brasil em setembro.
Não há uma economia sem riscos neste momento. Então, qualquer um que queira fazer um relatório sobre os riscos de qualquer setor do mundo encontrará alguns bons argumentos. Mas as agências classificaram a AIG e o Lehmam Brothers com o melhor nível de risco, AAA, um pouco antes de os dois quebrarem. A Moody"s classificava a Islândia como AAA e dizia que ela tinha "instituições sólidas", um pouco antes de o país desmoronar. A Moody"s elevou a classificação do Banco Santos, aqui no Brasil, um pouco antes de ele quebrar. Na verdade, as agências, seus critérios, suas ligações com os bancos emissores de papéis que foram dados como bons e eram arriscados estão agora em debate na nova regulação do mercado. Elas avaliaram como risco baixo os portfólios de hipotecas que detonaram a crise que vivemos. Mas as agências continuam existindo, soltando seus relatórios e provocando oscilações.
Na Febraban, o documento foi recebido com tranquilidade. Não seria, segundo entendeu a federação, um relatório negativo sobre os bancos brasileiros, mas sobre o crédito. Ora, o próprio relatório vai de uma coisa à outra: se deteriorarem as condições de crédito e a capacidade de os bancos se financiarem, eles é que entram em perspectiva negativa. O relatório mesmo diz, explicitamente, dos riscos dos bancos médios brasileiros. E mais: é bom lembrar que a Moody"s dá C para as instituições brasileiras (entre A e E).
Não é que os riscos não existam. Mas há duas coisas a dizer. Primeiro: logo após setembro houve, realmente, um momento difícil. As linhas de crédito secaram rapidamente para os bancos brasileiros e a reação deles foi suspender o financiamento à exportação e as operações no interbancário. Naquele momento, os bancos pequenos e médios tiveram dificuldades. A ação do Banco Central foi rápida: liberou compulsório, induziu os bancos grandes a comprarem as carteiras dos menores, criou linhas de crédito com as reservas para financiar a exportação, via bancos. Naquele momento, os bancos brasileiros passaram por um verdadeiro teste de estresse, porque houve uma reviravolta no sistema de crédito. Agora, o sistema está voltando a funcionar mais normalmente. Tanto que em fevereiro, dado que ainda será divulgado, o nível de rolagem dos ACCs (linhas de crédito de exportação) é o mais alto desde o começo da crise. Há também uma certa recuperação do crédito da pessoa física e um crescimento dos depósitos nos bancos. O segundo ponto é que falar em perspectiva negativa para crédito e para bancos, neste momento, cria fatos concretos. Em outros países, os bancos estão entrando em colapso, o que não é, nem de longe, nem remotamente, o caso do Brasil. A crise criou nos Estados Unidos o que os economistas chamam de "bancos mortos vivos", e os bancos do Leste da Europa estão abrindo uma nova frente dessa interminável crise. Os brasileiros estão em situação inteiramente diferente: aqui há menos crédito disponível, houve uma pequena elevação da inadimplência, os bancos já estão fazendo provisões contra devedores duvidosos, o Brasil tem regras mais exigentes que os outros países em termos de requisição de capital dos bancos.
Ceres Lisboa, analista de bancos da Moody"s, disse que depois da crise de setembro vem, agora, a segunda fase, quando os bancos brasileiros terão que administrar dois problemas: a falta de crédito externo e a inadimplência interna, com o desemprego e a queda na produção das empresas. E isso pode afetar os bancos médios, que são baseados num único modelo de negócios. Estes seriam os mais vulneráveis. Agora, a qualidade da carteira de cada instituição passa a ser fundamental.
O país entrará, de fato, numa fase de menor crescimento, com queda da massa salarial e do emprego. O ponto é que os problemas de crédito vividos em outros países são de uma natureza inteiramente diversa da que é previsível no Brasil.
O relatório de ontem é curioso porque é cercado de elogios à "resiliência" da economia brasileira, à qualidade da regulação prudencial, e diz que é saudável o fato de 75% do crédito e dos ativos estarem concentrados em algumas poucas instituições. Por outro lado, alerta que um crescimento menor e um prolongado estreitamento do crédito podem afetar os bancos individualmente. Diz que mantém estável a avaliação sobre os bancos, mas que permanecerá atenta para futuras reavaliações das classificações de risco.
Não é nada, não é nada, veio num dia em que aumentam as preocupações com o sistema bancário mundial, em que a bolsa despencou 5%, o risco subiu 8% e o dólar teve alta de 3%. A hora não podia ser pior.
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