quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Ribamar Oliveira: O silêncio de Dilma sobre a saúde

• Governo patrocinou aumento no piso de recursos para o setor

- Valor Econômico

É curioso que a candidata Dilma Rousseff não tenha explicitado até agora a sua proposta para a área de saúde, nem mesmo nas diretrizes para o programa de governo que protocolou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No fim do ano passado, o governo da presidente Dilma Rousseff patrocinou uma importante mudança no texto constitucional para destinar 15% da receita corrente líquida da União para as ações e serviços públicos de saúde. A proposta de emenda constitucional com a mudança foi aprovada pelo Senado em 2013 e, em maio deste ano, pela Câmara, em primeiro turno, faltando votar os destaques.

O aumento de recursos da União para a saúde proposto pelo governo Dilma foi incluído na emenda constitucional que trata do chamado "orçamento impositivo", que torna obrigatória a execução das emendas feitas por deputados e senadores ao Orçamento. A proposta de "orçamento impositivo" foi aprovada pela Câmara, mesmo com a oposição do governo, e enviada ao Senado.

O relator da proposta no Senado foi o líder do governo na Casa, Eduardo Braga (PMDB-AM). Quem apresentou a emenda mudando o piso de recursos a serem aplicados em ações e serviços de saúde pela União foi o senador Humberto Costa (PE), líder do PT. Em 2013, o governo Dilma estava sendo pressionado pela campanha "Saúde + 10", promovida pelo movimento nacional em defesa da saúde.

Em agosto de 2013, o movimento apresentou aos presidentes do Senado e da Câmara um projeto de lei de iniciativa popular, com mais de 2,2 milhões de assinaturas coletadas em todo o Brasil por mais de cem entidades, sindicatos e associações ligados ao setor. O projeto previa que 10% da receita corrente bruta da União seria destinada às ações e serviços públicos de saúde.

A campanha "Saúde + 10" foi uma iniciativa que ganhou força com as manifestações de junho de 2013, quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar por melhores serviços públicos, nas áreas de saúde, educação e transporte, entre outras coisas.

Os líderes do movimento foram recebidos por ministros do governo Dilma, em reunião no Palácio do Planalto. A iniciativa dos senadores governistas de incluir o assunto na chamada "PEC do orçamento impositivo" foi uma resposta do governo Dilma a essas pressões. Na justificativa de sua emenda, Humberto Costa diz que o gasto mínimo a ser assumido pela União "não está bem definido" e concorda com o movimento de que é preciso mudar o paradigma de financiamento do setor.

A regra atual definida pela Lei Complementar 141/2012, que vem sendo observada desde a emenda constitucional 29/2000, estabelece que a União aplicará na saúde o valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido, no mínimo, da variação nominal do PIB. O líder do PT admitiu que, apesar dos avanços que essa regra permitiu, a participação da União no financiamento das ações e serviços de saúde caiu de 58,6% em 2000 para 45,4% em 2011.

Para Costa, a sistemática aplicada à União acaba por funcionar como uma "catraca", que impede a elevação dos gastos com saúde em um determinado ano, ainda que haja eventual folga no Orçamento, uma vez que o valor empenhado vinculará os orçamentos subsequentes. Ele rejeitou, no entanto, o critério apresentado pela campanha "Saúde + 10", de vincular o mínimo de recursos da União para a saúde à receita corrente bruta.
O líder do PT argumentou que determinadas receitas tributárias arrecadadas pela União não pertencem integralmente a ela, devendo ser transferidas a Estados e municípios. Além disso, observou que a legislação brasileira desconhece o conceito de receita corrente bruta. "A vinculação de recursos à RCB poderia suscitar questionamentos de natureza constitucional e operacional". O mais adequado, argumentou, seria vincular o gasto à Receita Corrente Líquida (RCL), definida na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A proposta de Costa foi a de fixar em 15% da RCL o mínimo de recursos da União às ações e serviços públicos de saúde, sendo que esse percentual seria atingido no prazo de quatro anos. No primeiro ano de vigência, as aplicações subiriam para 13,2% da RCL, 13,5% no segundo, 14,4% no terceiro e 15% no quinto ano. Uma das críticas que a Frente Parlamentar da Saúde faz ao percentual definido por Costa é que 10% da receita corrente bruta defendida pelo movimento "Saúde + 10" corresponderia a 18,7% da RCL e não a 15% da RCL.

Em seu parecer, o relator da matéria, Eduardo Braga, acolheu a emenda de Costa, deixando claro que "a ideia é substituir a atual sistemática de cálculo do limite mínimo (de recursos da União para a saúde)". Braga ampliou o prazo de transição e, para isso, alterou os percentuais de aplicação para 13,2% no primeiro ano, 13,7% no segundo, 14,1% no terceiro, 14,5% no quarto e 15% no quinto ano.

Neste ano, o gasto mínimo da União está estimado em R$ 91,6 bilhões, o que equivale a 12,3% da RCL prevista pelo Tesouro para 2014. Se este fosse o primeiro ano de vigência da nova regra, a União teria que aplicar R$ 98,1 bilhões - R$ 6,5 bilhões a mais. No quinto ano, as aplicações subiriam para R$ 111,5 bilhões (a preços de hoje e tomando a RCL deste ano como referência), quase R$ 20 bilhões a mais.

Em seu parecer, Braga promoveu outra alteração que está dificultando a aprovação da proposta pela Câmara dos Deputados. Ele definiu que 50% das emendas dos parlamentares ao Orçamento teriam que ser destinadas à saúde e que esse percentual seria incluído na aplicação mínima da União.

Como as emendas impositivas corresponderiam a 1,2% da RCL, os deputados teriam que fazer emendas destinando 0,6% da RCL à saúde. Com isso, os críticos argumentam que a parte efetiva da União, em cada ano, seria reduzida em 0,6 ponto percentual da RCL. Os deputados querem mudar esse dispositivo e, por esta razão, a votação está paralisada.

O silêncio da candidata Dilma Rousseff sobre a proposta para a saúde defendida por seu governo no Senado e na Câmara em 2013 e neste ano não é compreensível. Ele pode ser interpretado como uma rejeição ao que foi apoiado até agora por sua base política. A candidata do PSB Marina Silva quer implementar gradualmente a proposta do movimento "Saúde + 10", ao longo de quatro anos.

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