Como dizia o legendário dirigente corintiano Vicente Matheus, o jogo só acaba quando termina. Concluída na segunda-feira, a 20 dias da eleição presidencial, a nova pesquisa Ibope/Estado/TV Globo interrompeu a série de "mais do mesmo" dos levantamentos de intenção de voto desde que Marina Silva apareceu como ameaça efetiva à reeleição de Dilma Rousseff. É o que ela continua sendo, ainda mais com a queda da presidente na simulação do segundo turno: ambas continuam em situação de empate técnico, mas a diferença a favor da ex-ministra passou de 1 para 3 pontos porcentuais.
O que mudou, quem sabe sugerindo um pouco de prudência aos que apostam que o embate será fatalmente decidido entre as duas mulheres, foi o estreitamento da vantagem de que desfrutavam em relação ao tucano Aécio Neves. Com Dilma perdendo 3 pontos, Marina 1 e ele ganhando 4, depois de semanas de estagnação, a distância que o separa da presidente caiu de 24 para 17; no caso da candidata do PSB, o intervalo diminuiu de 16 para 11. As variações das primeiras podem ser irrelevantes estatisticamente, em virtude da margem de erro dos resultados, mas a subida de Aécio não pode ser atribuída à inerente imprecisão das consultas. Trata-se de um ganho real que, acrescido às oscilações das adversárias, o repõe no páreo - ainda que na condição de azarão.
A esta altura, apenas se pode especular sobre o que teria dado a Aécio o empurrão de que ele necessitava para conter o ceticismo de seus próprios aliados, não raros entre eles já rascunhando os termos de um futuro contrato de adesão a Marina para a cartada derradeira de 26 de outubro. Pode ter sido o primeiro indício da "onda de razão" em que diz apostar para restabelecer o quadro que parecia cristalizado antes da tragédia que dele removeu o pernambucano Eduardo Campos, em terceiro e afastado lugar nas pesquisas: um duelo de igual para igual com Dilma na finalíssima, ficando para o ex-governador experiência e patrimônio para 2018. A onda se nutriria do esforço de Aécio em persuadir eleitores atraídos pela figura de Marina de que ele, e não ela, encarnaria a "mudança segura".
Isso, de acordo com a sua narrativa - repetida no horário eleitoral e em todas as oportunidades de contato do candidato com públicos específicos e, naturalmente, com a imprensa -, não se explicaria apenas pela falta de nitidez e as ambiguidades das posições de Marina. Nem tampouco somente por sua presumível incapacidade de construir o suporte político para que o seu eventual governo consiga se entender com um Congresso no qual o seu partido contará pouco. Mas principalmente porque, examinadas as coisas bem de perto, seria possível ver em Marina uma "petista de roupa nova". Se a hipótese tem fundamento, Aécio teria começado a reaver as simpatias de parte dos eleitores avessos ao PT e à presidente, mas descrentes das chances do PSDB nas urnas. De fato, Marina tende a ser a primeira escolha dos eleitores não dilmistas nos grupos de baixa renda.
De olho no eleitorado mais pobre, por sinal, Marina protagonizou um inesperado espetáculo de apelação no horário de propaganda. Foram imagens, tomadas em um comício em Fortaleza na semana passada, em que a candidata investiu aos berros e de dedo em riste contra a presidente: "Dilma, você fique ciente! Não vou lhe combater com suas armas, vou lhe combater com a nossa verdade". A sua verdade é que, ao contrário dos boatos que teriam partido da campanha da petista, se eleita, não acabará com o Bolsa Família - porque já passou fome na vida. A apelação consistiu em ela narrar um episódio evidentemente verdadeiro em que os seus pais fingiam estar sem fome, embora "há mais de um dia" sem comer, para que os seus oito filhos pudessem compartilhar "um ovo com um pouco de farinha e sal".
Não faltou a expressão corporal de quem respira fundo para conter o choro, levando a pensar que o político, à maneira do poeta de Fernando Pessoa, "chega a fingir que é dor a dor que deveras sente". Foi tudo de caso pensado - como indica a esperteza de encaminhar o vídeo à imprensa para sair na internet antes de ir ao ar, a fim de aumentar a sua audiência. Não há santos em palanques.
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