• Ao contrário do que ocorreu depois das manifestações de 15 de março, os protestos deste domingo não devem alterar o tabuleiro político
- Folha de S. Paulo
Programadas para este domingo (12), novas manifestações de rua terão impacto relevante no cenário político? Surpreendentes pelo tamanho e pela amplitude social e geográfica, as manifestações do último 15 de março obrigaram o governo, os partidos e as lideranças políticas a redefinir às pressas suas estratégias e discursos.
O governo se viu forçado a acordar para a deterioração veloz das expectativas econômicas e políticas, que se aproximava de um ponto de não retorno. Sem uma narrativa plausível para justificar a mudança brusca da política econômica e mostrar que existe vida depois do ajuste, declarou-se aberto ao diálogo.
De concreto, a nova disposição oficial resultou em dar mais ouvidos a quem tem mais poder no Congresso. Sabendo da dependência do Executivo, agora reconhecida, o PMDB puxou com mais força a corda que o liga ao governo, mas não com a intenção de rompê-la. Dá claros sinais, porém, de que baterá asas próprias em 2018.
Lula e seus "exércitos" fizeram um recuo tático no propalado enfrentamento com o "golpismo", diante das inesperadas cenas do 15 de março e do tombo de Dilma nas pesquisas de opinião. Incentivadas pelo ex-presidente, lideranças do PT hoje falam em articular uma frente popular, apostando em uma nova encarnação do lulopetismo, também de olho em 2018.
Já o PSDB, continua a jogar parado, fiando-se na inércia de um quadro político que nos últimos 20 anos, na hora "h" das eleições à Presidência da República, dividiu-se entre tucanos e petistas.
Surpresas como as manifestações de 15 de março não se repetem a todo instante. Por isso, penso que o tabuleiro político não será fundamentalmente alterado pelas manifestações do próximo domingo. Mudanças significativas dependem de fatos novos na Operação Lava Jato.
Dependem também da reação ao inevitável agravamento do desemprego e da perda de renda. Se a insatisfação se traduzir em greves, paralisações de serviços e/ou bloqueios à circulação, em escala capaz de abalar a já frágil confiança do empresariado e produzir sensação de desgoverno na população, a cena social muda e, com ela, a política.
Seja como for, neste incerto horizonte, não vejo descontinuidade política (impeachment) nem colapso econômico (crise cambial, disparada da inflação etc.). Sim, é verdade que os aspectos políticos e econômicos da crise atual tendem a se contaminar mutuamente, em círculo vicioso. Não menos verdade é que a caixinha de surpresas da Operação Lava Jato continua aberta.
Os riscos de agravamento do quadro, no entanto, são contrabalançados por um conjunto de fatores: uma equipe econômica com competência e instrumentos suficientes para tirar o Brasil da sala de emergência e abrir uma perspectiva de melhora lenta ao paciente; instituições capazes de processar com razoável normalidade a tensão entre os Poderes, agora notadamente entre o Executivo e o Legislativo, e absorver os choques provocados pela Lava a Jato, sem desmoralização do processo judicial.
Há também que se considerar partidos e forças políticas que têm interesse no transcurso legalmente previsto do mandato presidencial, ainda mais quando a perspectiva de transferência antecipada do poder apresenta mais custos que benefícios para os principais envolvidos.
Nessa prolongada digestão da crise, os grupos mais envolvidos nas manifestações de rua terão de recriar as suas pautas, para além de um esquivo objetivo de impeachment, e aprofundar a reflexão sobre o papel que podem desempenhar no aperfeiçoamento da democracia brasileira. Política requer convicção, mas também paciência.
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Sergio Fausto, 52, cientista político, é superintendente-executivo da Fundação iFHC
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