• Eleições locais medem força de novas legendas diante de tradicionais
Priscila Guilayn – O Globo
MADRI - Há uma unanimidade sobre as eleições municipais e autonômicas deste domingo: é o pleito local mais importante desde a morte, há quatro décadas, do ditador Francisco Franco. Depois das eleições de 2011, na qual o governista Partido Popular (PP) teve um resultado excepcional, ganhando quase todas as capitais, regiões e cidades importantes, este poder, provavelmente, será rompido. Entram em cena dois novos partidos, Podemos e Cidadãos, que mostrarão sua verdadeira força, enquanto os tradicionais, PP e Partido Socialista (PSOE), passarão pela prova de fogo de manter, de alguma forma, sua hegemonia.
— Antes, o que o PP perdia, o PSOE ganhava. Agora se dividirá em quatro. Isso nunca aconteceu antes. É a primeira vez na História da Espanha que quatro partidos de tamanho similar de votos, não de deputados, por conta do sistema eleitoral espanhol, podem se consolidar — explica José Juan Toharia, presidente do instituto de pesquisa de opinião Metroscopia.
A erosão causada pela longa crise econômica em um país onde surgem novos escândalos de corrupção ou detalhes sobre velhos casos são a razão da saturação dos espanhóis, que passaram a ser mais exigentes com a ética ao vivenciar o aumento das diferenças sociais e uma taxa de desemprego de 23% — que, entre os jovens, sobe para 50%.
— Vão votar por uma decisão conjuntural, e não por tradição ou por inércia — explica María José Canel, especialista em Comunicação Política da Universidade Complutense de Madri.
O descontentamento e o desejo de castigar os dois principais partidos, o Socialista e o Popular, que nestes 40 anos de democracia vêm se alternando no poder em uma dinâmica bipartidarista, foi descarregado inicialmente no Podemos, surgido três anos depois do nascimento do movimento dos indignados, o 15-M, em 2011.
Quatro cidades como termômetro
De maneira meteórica elevada aos céus, esta nova formação de esquerda, liderada por Pablo Iglesias e que prefere não definir-se como tal, foi surpreendida por outra de centro-direita: Cidadãos. Novos no panorama nacional — mas não novatos, como insiste o líder Albert Rivera, por levarem quase dez anos na Catalunha — o Cidadãos vem ascendendo, desde janeiro, enquanto Podemos cai. O partido de Rivera passou de 5% a 14% em três meses, enquanto o de Iglesias despencou de 24% a 16%, segundo o Centro de Investigações Sociológicas sobre as intenções de voto para as eleições gerais no final do ano.
— Há uma desconfiança e uma decepção forte com o PP e o PSOE, e uma esperança e confiança, embora cautelosa, em relação aos novos partidos — opina Toharia.
As eleições deste domingo estão sendo consideradas uma espécie de primeiro turno da votação que, provavelmente em novembro (a data ainda não foi definida), formará o Parlamento espanhol e decidirá o novo presidente do Governo.
Outra figura usada para ressaltar a importância do pleito é tratá-lo como primárias, já que tanto o PP como o PSOE ainda não têm candidatos para a chefia do Executivo, e um mau resultado poderia pôr em dúvida a liderança de seus secretários gerais Mariano Rajoy, chefe de Governo, e Pedro Sánchez, com o qual os socialistas tentam passar a imagem de regeneração do partido.
Mas as charadas não serão solucionadas com a apuração das urnas, que devem contar com mais de 40% de abstencionistas e indecisos. A partir de segunda-feira começarão a ser analisados os resultados nos mais de 8.100 municípios e nas 13 das 17 comunidades autônomas que, embora sejam a maioria das regiões, representam menos da metade da população, já que Catalunha, Andaluzia, Galícia e País Basco, que não escolhem este domingo seu parlamento regional, somam mais de 20 milhões de habitantes em uma Espanha de 47 milhões. Madri e Valência, redutos do PP, além de Barcelona e Zaragoza — as quatro cidades com maior orçamento e mais povoadas — servirão de termômetro para prever o clima dentro de seis meses.
Uma das perguntas que provavelmente não terá resposta é se realmente chegou o fim do bipartidarismo. Alguns coincidem que, dependendo dos resultados, poderá se dizer que já está em andamento uma mudança estrutural, mas é prematuro julgar a resistência da dinâmica bipartidarista.
— Poderá surgir um novo bipartidarismo corrigido. O PP pode ser um dos dois, e o outro pode ser o PSOE, mas também pode ser Cidadãos, ou Podemos. Com o sistema eleitoral espanhol é impossível que quatro tenham número similar de deputados, mesmo que o número de votos seja parecido. Dois partidos prevalecerão — explica Toharia.
Também ficará por evidenciar o real poder do Podemos, que não competirá nas municipais, embora apoie candidaturas fortes à prefeitura, como a da juíza Manuela Carmena, de Agora Madri. Ela poderia obter um empate técnico com Esperanza Aguirre, do PP, ou a da ativista antidespejos Ada Colau, do Barcelona em Comum, que está lado a lado com o candidato nacionalista Xavier Trias, de Convergência e União. Podemos estará, contudo, na disputa nas autonômicas.
— Haverá muitas pistas, embora não possamos comparar o poder de Podemos em todo o país. Sobre Cidadãos, porém, a radiografia será mais completa. Mas há muita volatilidade — afirma o analista político Ignacio Molina, da Universidade Autônoma de Madri.
Trasladar os resultados deste domingo às gerais, portanto, pode ser precipitado. Molina ressalta que os eleitores costumam considerar as eleições locais menos importantes, e, portanto, pode ser que a encarem como um castigo, mas que revisem seus votos no final do ano:
— A incógnita é total. Mesmo que o resultado das urnas de Podemos ou de Cidadãos seja fantástico, não significa que nas eleições gerais o PP vá perder, ou que os eleitores dos dois novos partidos terão o mesmo comportamento.
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