Por Cristiano Romero, Andrea Jubé e Fernando Taquari - Valor Econômico
BRASÍLIA e SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu criticar abertamente a política econômica do governo por duas razões: a própria presidente Dilma Rousseff não mostra convicção em relação às medidas do ajuste fiscal e a chamada base social do PT é contrária ao arrocho nas contas públicas. "Lula está se posicionando, garantindo a base social e o PT", revelou um interlocutor privilegiado do ex-presidente.
A informação, dada pelo Valor, de que Lula está pressionando Dilma a mudar a economia, substituindo o ajuste fiscal por uma política de estímulo ao crescimento a qualquer preço, surpreendeu o mercado porque, em sua gestão, ex-presidente promoveu um forte ajuste nas contas públicas, principalmente, no primeiro mandato (2003-2006). O ajuste tirou o país de uma crise profunda e criou, rapidamente, as condições para a economia crescer a taxas elevadas nos anos seguintes.
"Ela [Dilma] não quer consertar o que está errado. Vou eu defender a política econômica dela?", teria indagado Lula em conversa com amigos. A avaliação é que a presidente tem agido de forma "pendular". O melhor exemplo foi o envio, ao Congresso, de uma proposta orçamentária deficitária, decisão que teria sido a gota d'água para a Standard &Poor's retirar o grau de investimento do país.
"Depois do rebaixamento, o governo reagiu e prometeu medidas. Quando essas vieram, ficou claro para todos que não haveria cortes efetivos de despesas, mas sim aumento de impostos", observou um interlocutor de Lula, acrescentando que a relação dele com Dilma está bastante "desgastada". "Ele [o ex-presidente] não vai defender o ajuste fiscal sem haver antes um diálogo."
Quando estava na Presidência, Lula apoiava as decisões do Ministério da Fazenda e do Banco Central, mas vazava à imprensa, por meio de assessores, a versão de que não concordara com algumas medidas, especialmente, quando o BC elevava a taxa de juros. O objetivo do vazamento era fazer um aceno à "plateia" (o PT e os movimentos sociais, insatisfeitos com o ajuste). Na prática, porém, ele endossava as decisões tanto da Fazenda quanto do BC.
Agora, diante da crise política que assola o governo, o ex-presidente faz os mesmos acenos, com a diferença de que os titulares da Fazenda e do BC não respondem a ele. "O Lula não vai ajudar na área fiscal." Um de seus interlocutores assegura que o ex-presidente não defende a demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Ele ajudou a convencer Dilma a nomeá-lo. Isso não existe", diz a fonte.
Na opinião do ex-presidente e de alguns de seus auxiliares, o ajuste da economia - não só o fiscal, mas todo o ajuste, que inclui, por exemplo, as contas externas - está sendo feito. O problema, acreditam, é que a hesitação de Dilma, refletida na falta de coesão do governo, estaria aumentando o custo social do ajuste. "A inflação vai demorar mais para cair, portanto, os juros também. Isso vai retardar ainda mais a recuperação da economia", disse uma fonte próxima a Lula.
Ontem, o ex-presidente fez uma rodada de reuniões em Brasília com a presidente Dilma e um grupo de ministros do PT. Com Dilma, reuniu-se no fim da tarde no Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência. À noite, estava previsto um jantar, sem a presença da presidente, com os ministros Jaques Wagner (Defesa), Edinho Silva (Comunicação Social), Miguel Rossetto (Secretaria Geral), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Carlos Gabas (Previdência Social).
No início da tarde, a presidente Dilma reuniu os ministros do PT no Palácio da Alvorada para explicar as medidas do pacote fiscal e da reforma administrativa e pedir apoio. Rossetto não participou. Em outra frente, Lula intensificou a pressão por uma guinada na articulação política.
Foi a primeira reunião de Lula com Dilma desde o anúncio do novo pacote fiscal, que contempla, entre outras medidas, a recriação da CPMF e o congelamento dos salários do funcionalismo público.
Ontem, o Instituto Lula negou, por meio de nota, que o ex-presidente esteja pressionando o governo a alterar a política econômica. Contudo, uma liderança do PT, próxima a Lula, admitiu em conversa reservada com jornalistas, após solenidade no Palácio do Planalto, que o ex-presidente defende a flexibilização do ajuste, com medidas como o aumento da oferta de crédito por meio da liberação de parte dos depósitos compulsórios. O objetivo seria "manter o poder de compra dos brasileiros".
Lula teria ficado irritado com o método do anúncio das medidas, porque os cortes não foram discutidos previamente com ele, o PT e o PMDB. Lula avalia, por exemplo, que poderiam ter sido adotadas fórmulas para atenuar o impacto das iniciativas, como escalonar o congelamento do reajuste dos servidores por faixas salariais.
Dilma e Lula discutiram mudanças no ajuste fiscal e a reforma ministerial. O ex-presidente está preocupado com os problemas da política do governo, num momento em que a oposição intensifica a pressão pelo impeachment na Câmara. Acha que Dilma deve, prioritariamente, se reaproximar do PMDB. Ele se reuniu com o vice-presidente Michel Temer em São Paulo, no dia 5.
Diante da renúncia de Temer ao cargo de articulador político, Dilma cogita chamar Berzoini. O assessor especial da presidência, Giles Azevedo, atuaria como seu braço-direito. Se o cargo for extinto na reforma administrativa, Berzoini acumularia as atribuições com a pasta das Comunicações.
O PT decidiu ontem apoiar com ressalvas o pacote fiscal anunciado esta semana para equilibrar as contas públicas. Em reunião em São Paulo, o partido divulgou documento que defende as medidas "para minorar os impactos da crise mundial". O texto, porém, reconhece a impopularidade do ajuste, cobra diálogo com os servidores e propõe a fixação de um piso de incidência da CPMF.
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