• Versão original previa reparação integral de danos causados
Por Francisco Leali - O Globo
BRASÍLIA — Foi tudo muito rápido. Em menos de 20 minutos, estava sacramentada a medida provisória com novas regras para acordos de leniência fechados entre empresas envolvidas em atos de corrupção e o governo. O texto assinado pela presidente Dilma Rousseff numa solenidade no Palácio do Planalto no dia 18 dezembro do ano passado mudava a chamada Lei Anticorrupção, em vigor há pouco menos de dois anos. A partir dali, as empresas não mais precisavam admitir prática de crime para aderir ao acordo. Quem assinasse passou a ficar liberado para voltar a contratar com o governo. Quinze dias antes da rápida cerimônia palaciana, o texto era diferente: tinha dois pontos importantes para assegurar punição dos envolvidos, mas eles acabaram desaparecendo da MP 703.
A versão original determinava que as empresas teriam que reparar integralmente o dano causado aos cofres públicos. No jargão oficial, essa era a “obrigação necessária” para a assinatura de um acordo de leniência em que companhia envolvida em irregularidades pudesse pagar pelos atos de corrupção, e começar de novo a operar com o setor público. Também sumiu da versão final outro trecho estabelecendo que forma, prazo e condições da reparação deveriam constar dos termos do acordo. Na solenidade daquele dia 18, a exigência de reparação integral chegou a ser citada no discurso de Dilma:
— Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a economia. Essa é a prática adotada internacionalmente.
Exigências desaparecem
Mas o texto que foi para o Diário Oficial da União diz apenas que a reparação — a palavra “integral” sumiu — considerará a capacidade econômica da empresa. A lei anticorrupção que a MP modificou continua prevendo que empresas são obrigadas a reparar o dano, mas a ideia de isso ser condição fundamental para assinatura de acordos de leniência foi guardada numa gaveta na Esplanada dos Ministérios.
A versão da gaveta, que tem data do dia 3 de dezembro de 2015, tinha um segundo ponto relevante. Quando listava o que deveria estar entre os compromissos assumidos pela empresa, a MP ditava que “administradores ou dirigentes” das pessoas jurídicas poderiam ser afastados de seus postos por até cinco anos, contados a partir da data da assinatura da leniência. Esse assunto era grafado como o parágrafo 2º-A — que não existe na versão Diário Oficial.
As duas exigências que desapareceram da MP não eram pontos desimportantes. Tanto é que o próprio governo destacou as medidas na minuta de Exposição de Motivos que, segundo a versão obtida pelo GLOBO via Lei de Acesso, foi assinada eletronicamente pelo então ministro do Planejamento e hoje ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. O texto explicava por que o governo iria propor tais regras: “Admite-se a reparação integral do dano como obrigação necessária para a celebração do acordo de leniência, resolvendo-se a questão da reparação, sua forma e condições no próprio acordo, dando maior celeridade ao ressarcimento do agente público lesado, e certeza jurídica nos efeitos da leniência”, dizia o texto ao se referir a uma regra que não vingou.
Logo em seguida, a Exposição de Motivos enaltece outra inovação que até aquele momento era importante para o governo: “Destaca-se como um dos aperfeiçoamentos, a possibilidade do acordo de leniência prever o afastamento dos administradores ou dirigentes, evitando-se a continuidade do uso da pessoa jurídica como instrumento de ilícito”.
Procurado, Nelson Barbosa não se manifestou. Em nota, o Ministério do Planejamento diz que o texto da MP corresponde ao do projeto aprovado no Senado. “A MP, na linha do projeto de lei, prevê a reparação do dano como condição necessária para a celebração do acordo de leniência.(...) Não houve alteração da lei na parte que estabelece que a aplicação de sanções não exclui a reparação integral do dano. A novidade, com a MP, é a reparação do dano ser condição para a celebração do acordo de leniência. Sem reparação do dano não há acordo”, diz. Procuradores ouvidos pelo GLOBO informaram, no entanto, que a MP abriu brecha para que o ressarcimento integral deixe de ser rápido, para se estender numa discussão judicial.
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