• Governo quer que BC afrouxe ponderação de risco de Basileia 2
- Valor Econômico
Cientes de que até a votação do impeachment, aguardada para o dia 17, não há muito o que fazer, a área econômica do governo já pensa no que será o dia seguinte, caso o processo seja derrotado e Dilma Rousseff tenha pela frente o comando da Presidência da República até 2018. Será "um novo governo", diz uma autoridade.
A primeira providência, nesse caso, estará a cargo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: recompor a base de apoio político do governo no Congresso e colar as fraturas da sociedade civil. A segunda é buscar os mecanismos possíveis para melhorar a economia, tendo em mente que a matéria-prima que pode mudar o jogo é a confiança. E não haverá recuperação da confiança sem uma equação fiscal sólida e convincente.
Há quem diga que com a permanência de Dilma no cargo não haverá espaço para recuperação da confiança e, portanto, a crise econômica que paralisa a atividade e destrói milhões empregos só vai piorar. Não haverá, também, conserto das profundas rachaduras do sistema político. Sabedor desses problemas o PT insiste que quem dará as cartas será Lula, tido ainda como exímio negociador. Antes, porém, será preciso saber o destino que o Supremo Tribunal Federal dará ao ex-presidente.
Há muitas dúvidas sobre qual Lula assumiria o controle do governo, se o que em 2003 fez um forte ajuste fiscal e produziu um choque de credibilidade, ou o sindicalista que ressurgiu com o velho discurso da luta de classe.
Para os economistas do governo, não há a menor chance de vingar um Lula populista, porque o dinheiro que regaria essa opção acabou como resultado da desastrada gestão fiscal de Dilma. Em 2010 o déficit nominal das contas públicas era de 2,41% do PIB. Em fevereiro deste ano ele é de 10,75% do PIB. "A opção populista levaria o país a uma espiral negativa instantânea", disse um alto funcionário do governo. Só resta espaço para uma solução: reequilibrar as contas públicas. E Lula já teria escolhido Henrique Meirelles para executar a tarefa.
Segundo esse raciocínio, a agenda do "day after" já está traçada. Além das medidas fiscais propostas pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e da proposta de reforma da Previdência ainda não descartada pela Fazenda, o governo trabalha na expansão da oferta de crédito.
Desta vez o foco é a redução dos fatores de ponderação de risco que o BC adota para os bancos, no âmbito do acordo de Basileia 2. O entendimento da Fazenda é que o BC é mais rigoroso do que os termos de Basileia 2 e que há espaço para flexibilidade nos percentuais adotados pela autoridade monetária. A parcela do patrimônio de referência exigido relativo às exposições ponderadas por fator de risco varia, aqui, de zero a 300% (caso de alguns créditos tributários dos bancos).
Diminuir os percentuais para algo mais próximo do padrão internacional, segundo fontes oficiais, liberaria uma boa soma de recursos para os bancos emprestarem. O BC não confirma que estuda essa alternativa junto com os bancos. Resta saber quem vai querer emprestar mais, além dos bancos públicos, em especial a Caixa, e se há demanda para tomar dinheiro emprestado.
A agenda da Fazenda, porém, está sob sério risco. A renegociação das dívidas dos Estados com a União pode ser aprovada apenas com as bondades, sem as contrapartidas exigidas pelo Tesouro Nacional. "O pacote tem que ser completo", tem dito Barbosa. O Congresso, sob pressão do servidores dos Estados e da bancada do PT, não está convencido de que tem que impor limites aos governadores.
A distância entre a real e dramática situação fiscal do país e o que os parlamentares enxergam como possível é abissal. Mesmo sabendo que o Orçamento da União, deficitário em cerca de R$ 100 bilhões este ano, é absurdamente engessado por verbas carimbadas - apenas 8% é de livre alocação -a Câmara aprovou mais uma rodada de vinculação de receitas para a saúde a partir de 2017.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 01/15, aprovada por 402 votos a favor e um contra, em primeiro turno no fim de março, prevê o aumento do valor mínimo obrigatório repassado pela União a Estados e municípios para financiar o Sistema Único de Saúde (SUS). Pela regra em vigor, o piso para este ano é de 13,2% das receitas líquidas de 2015, em um acréscimo gradativo para 15% em 2020. A nova PEC eleva o percentual para 14,8% em 2017 até 19,4 % ao fim de sete anos.
Nunca houve, no Brasil, uma séria discussão sobre a questão fiscal. As receitas despencam, as despesas crescem sistematicamente e a dívida pública assumiu uma trajetória insustentável, colocando dúvidas sobre a solvência do país.
O governo Dilma, responsável pela deterioração das contas públicas, não teve vontade quando podia e não tem condições políticas, hoje, para levar adiante uma profunda reforma fiscal que restabeleça as condições de crescimento da economia. As propostas de Barbosa são insuficientes para dar credibilidade ao governo e não contam com apoio nem do PT - que continua acreditando que basta taxar mais os ricos que a solução aparece.
A Previdência, responsável por 54% dos gastos públicos, demanda mudanças urgentes. Os programas sociais vão ter que passar por um pente-fino qualquer que seja o governo. A folha de salários da União não comporta mais aumentos e tem que ser reduzida como proporção do PIB.
Há 30 anos os governos tentam contornar as restrições fiscais com aumento das receitas. Esse modelo se exauriu. A arrecadação de impostos e contribuições cai desde 2010. É compreensível que os políticos gostem de distribuir benesses e sejam avessos a cortar gastos. Afinal, corte de despesa não tem apelo eleitoral. Mas é imperativo que deixem de lado, por um momento, os interesses pessoais para cuidar do país.
A irresponsabilidade fiscal que ameaça o mandato de Dilma levou o Brasil a uma triste situação: a União, assim como boa parte dos Estados, está quebrada. Políticas erradas e avalanche de corrupção estrangularam as finanças das maiores estatais. A economia mergulhou em forte recessão, os bancos cortaram o crédito por causa da inadimplência e milhões de brasileiros perdem os empregos.
Não há mais para onde correr. Resta a Executivo, Legislativo e Judiciário enfrentar essa dura realidade. O contrário será condenar a economia a longo período de estagnação, e a sociedade, a mais empobrecimento.
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