Sem ter como negar o que é inegável – que Dilma Rousseff “pedalou” as contas públicas, razão pela qual está sendo acusada de ter cometido crime de responsabilidade –, a defesa da presidente sabe que não lhe resta alternativa senão recorrer a chicanas para dificultar o impeachment. É por isso que o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, mandou avisar que pode ir à Justiça para anular o processo em curso na Câmara. Eis o desespero dos que, já derrotados no campo moral, apelam à rabulice.
Na quarta-feira passada, o relator da Comissão Especial do Impeachment na Câmara, Jovair Arantes (PTB-GO), fez a leitura de suas conclusões e votou pela admissibilidade “jurídica e política” da acusação contra Dilma. A ênfase a esses dois aspectos é necessária, pois não se trata somente de um caso jurídico – a Câmara não é um tribunal, mas sim a Casa onde os representantes do povo tomam decisões eminentemente políticas.
O relatório deixa claro que os delitos saltam do terreno jurídico para o político ao dizer que “o comportamento do Executivo, ao afrouxar, por conta própria, os procedimentos de gestão fiscal, permitiu postergar a conscientização da sociedade sobre a real situação das finanças públicas e adiou a discussão política de medidas estruturantes urgentes e necessárias ao País”.
Em outras palavras, as “pedaladas” prestaram-se para maquiar as contas públicas e esconder do País a verdadeira situação fiscal, permitindo que Dilma mentisse na campanha eleitoral, apresentando-se como dedicada zeladora dos fundamentos da economia. Houve, diz o relatório, “grave desvio” dos deveres da Presidência e “quebra da grande confiança que lhe foi depositada”, justificando o impeachment.
O relatório desconsiderou as alegações da defesa de Dilma, a começar pelo esdrúxulo argumento de que o impeachment só está em andamento graças a um desejo de “vingança” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para Cardozo, só isso explicaria a deflagração do processo, pois, afinal, segundo pensa o Palácio do Planalto, Dilma não fez nada que outros presidentes já não tivessem feito.
No entanto, estudo do Banco Central, feito a pedido do Tribunal de Contas da União, mostra claramente como o saldo da dívida do Tesouro com os bancos federais – as “pedaladas” – disparou a partir da gestão Dilma, atingindo R$ 60 bilhões no final de 2015, contra R$ 948 milhões ao fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002. Como sempre, Dilma mandou dizer que o espantoso aumento não quer dizer nada, pois tudo se resume a uma prática “adotada em gestões anteriores”.
É com base nesse tipo de raciocínio que José Eduardo Cardozo disse que o relatório da comissão do impeachment está repleto de “vícios” e “nulidades”. Prepara-se assim o terreno da judicialização do processo, anunciada pelo próprio advogado-geral da União. “Seguramente iremos à Justiça”, disse Cardozo, sobre as providências que pretende tomar caso o processo siga adiante.
Numa democracia saudável, em que cada instituição trabalha dentro dos limites constitucionais, a bravata do governo não teria como prosperar. Afinal, a soberania do Congresso nesse caso é clara. Mas a atual barafunda política e moral do País parece estimular intervenções excêntricas.
Tome-se, por exemplo, o caso do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que já sinalizou que Dilma tem o direito de recorrer à Justiça caso sofra impeachment. “O Judiciário é a última trincheira da cidadania”, disse Marco Aurélio, esquecendo-se do fato de que, se Dilma for julgada no Senado, quem presidirá o julgamento será o presidente do próprio Supremo. Ou seja: caso Dilma seja condenada, terá sido graças a uma decisão da qual o Supremo não pode se arvorar de árbitro. Trata-se de prerrogativa exclusiva do Legislativo e é evidente que não cabe nenhum recurso aí.
Mas vivemos tempos estranhos, em que um ministro do Supremo – o mesmo Marco Aurélio – manda a Câmara aceitar um processo de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer, imiscuindo-se claramente em atribuições exclusivas do Congresso. Talvez seja por isso que o advogado de Dilma esteja tão confiante; afinal, nunca foi tão fácil criar confusão no Brasil.
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