• Antes de assumir a Presidência, vice critica declarações do governo
Poucas horas antes de assumir interinamente a Presidência, o vice Michel Temer lançou mão de ofensiva internacional para se contrapor ao discurso da presidente Dilma Rousseff, que vem associando o processo de impeachment a um golpe. Em entrevista ao “The Wall Street Journal”, Temer disse que a associação é ruim para o Brasil. Dilma chegou ontem a Nova York, onde deverá repetir o discurso.
Vice contra-ataca
• Temer tenta neutralizar acusações de Dilma a golpe; manifestantes protestam contra ele em SP
Lauro Neto - O Globo
-SÃO PAULO- Em uma entrevista de 24 minutos concedida na manhã de ontem ao jornal “The Wall Street Journal”, o vice-presidente Michel Temer criticou a associação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff a um golpe de Estado e demonstrou incômodo com a acusação de ser traidor. A entrevista a veículos estrangeiros é parte da estratégia de comunicação para uma contraofensiva ao discurso de golpe adotado pela presidente e pelo PT. Aliados do peemedebista têm demonstrado grande preocupação com a fala de Dilma na ONU, marcada para hoje, e com a possibilidade de que ela faça circular entre chefes de Estado a ideia de que é vítima de um processo forjado de impedimento. Há evidências de que, principalmente no exterior, essa versão tem ganhado adesões. Temer assumiu ontem interinamente a Presidência pela primeira vez desde que foi aprovado, na Câmara, o prosseguimento do processo de impeachment de Dilma.
— Ela diz que sou o chefe do golpe, o que obviamente é uma perturbação para mim e para a Vice-Presidência da República — disse Temer ao “Wall Street Journal”, completando: — Cada passo do processo de impeachment está de acordo com a Constituição. Como isso pode ser um golpe?
Além de criticar o tratamento que os petistas têm dado ao processo de impeachment, o vice disse ao jornal que estará pronto para assumir o governo caso o afastamento de Dilma seja aprovado e que, “quando for a hora, terá nomes na cabeça para compor um Ministério”. Ele confirmou que tem conversado com possíveis nomes aos cargos para compor um governo de coalizão, mas que isso não significa qualquer disposição de atropelar o rito processual do impeachment.
— Eu vou retornar ao meu posto (de vice-presidente) assim que ela voltar — ressaltou Temer.
Na manhã de ontem, cerca de cem manifestantes do Levante Popular da Juventude, que não é ligado ao PT, fizeram um protesto em frente à casa de Temer em São Paulo. No ato, conhecido como escracho e normalmente feito contra torturadores de regimes militares na América Latina, os militantes de esquerda bradaram que o vice é golpista e pintaram com tinta branca a frase “QG do golpe” no chão da rua. A manifestação de 30 minutos fez com que Temer cancelasse os planos de passar o feriado e o fim de semana na capital paulista com a mulher, Marcela, e o filho Michelzinho, e seguisse para Brasília. No Palácio Jaburu, continuará as articulações políticas e comandará o país até o retorno de Dilma.
Por orientação de sua segurança e alegando temer incomodar os vizinhos do bairro nobre Alto de Pinheiros (Zona Oeste de São Paulo) com a movimentação de manifestantes em frente à sua casa, Temer embarcou para Brasília por volta das 16h de ontem. Durante o protesto, além de pintar o chão, os manifestantes estenderam uma faixa com a inscrição “Temer Golpista”, distribuíram cópias de notas de US$ 100 com o rosto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e espalharam no chão réplicas da capa da Constituição. Foram colados ainda cartazes nas lixeiras com a foto do vice e a frase “Temer Golpista”. Mais de dez seguranças acompanharam a manifestação, que transcorreu sem incidentes.
Medo de criar imagem de traidor
Para fortalecer o discurso externo, peemedebistas recrutaram a ajuda do ex-ministro da Comunicação de Dilma Thomas Traumann, que tem bom trânsito com a imprensa internacional. Internamente, correligionários procuram minimizar o impacto desse tipo de protesto. O presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, que esteve na casa de Temer na manhã de ontem, negou que a ida do presidente interino para Brasília tenha sido motivada pelo protesto.
— (A viagem de Temer para Brasília) Não atrapalha a articulação política. Pelo contrário, facilita — disse rapidamente na saída da casa de Temer, minimizando os efeitos da mudança de planos. A presença do vice em São Paulo era considerada estratégica para a composição da equipe econômica e a definição das políticas que devem ser adotadas. Essa é a prioridade dos aliados, já que contam com relativa folga de votos para o pleito no Senado que definirá o afastamento da presidente.
O vice foi poupado de ver a pichação “QG do Golpe” em frente à sua casa. Antes que partisse para o aeroporto, a empresa de limpeza Inova apagou a inscrição feita na rua com um jato d’água lançado de caminhão-pipa. A empresa presta serviços à prefeitura de São Paulo, que nega ter dado a ordem para a remoção da tinta. De acordo com a gestão municipal, a própria Polícia Militar, que reforçou a segurança da área, acionou a empresa. A velocidade da limpeza causou estranheza em moradores da região.
— Nunca vi lavarem essa rua com tanta rapidez. E olha que estamos em plena crise hídrica — afirmou a aposentada Urania Kipriadis.
No início da noite de ontem, uma nova mobilização contra o impeachment e que acusava Temer de golpista tomou corpo no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Mas, a essa altura, Temer já estava no Palácio do Jaburu, isolado do burburinho das ruas. (Colaborou Mariana Sanches)
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