sexta-feira, 22 de abril de 2016

Comida de onça - César Felício

• Temer e Renan, isolados, vivem hora de vulnerabilidade

- Valor Econômico

"Caititu fora do bando vira comida de onça". A frase atribuída ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA), reproduzida anteontem no jornal "Folha de S. Paulo", é um indicador de como se comportará o PMDB nesta hora decisiva para o partido, a confederação de caciques regionais, o ajuntamento de lideranças, ou como queira se chamar a sigla comandada pelo vice-presidente Michel Temer.

Dentro do PMDB, a tendência é de união frente aos grandes predadores, mais ameaçadores ainda quando estão feridos. Temer está longe de uma espera triunfante e serena. O silêncio a que se promete em São Paulo, diante dos ataques que recebe, é um silêncio atormentado.

Segundo um dos interlocutores do vice, há a certeza de que Dilma segue uma liturgia de vitimização. Primeiro investe na cristalização da marca, a de que Temer é um golpista. O segundo passo é o de despertar reações nas plateias, cujo ápice deve se dar hoje, quando a presidente aproveitará a cerimônia sobre o acordo climático de Paris na ONU para expor às nações do mundo a teoria do golpe. "O objetivo é provocar a reação dele, para termos a visão do traidor sinistro apunhalando uma velha senhora pelas costas". Para tornar mais complicado ainda esboçar uma estratégia, existem disputas de poder dentro do seu entorno.

O gregarismo é essencial para o caititu. Uma espécie de porco do mato, o caititu é observado do sul dos Estados Unidos até a Argentina, mas no sentido político da expressão deve estar presente em todo globo. Dentre suas características biológicas, está a de ter 38 dentes, o que lhe permite comer praticamente de tudo. Sozinho é relativamente franzino, pesa algo como 30 quilos no máximo. Em manada, torna-se perigoso. Para o caçador que se defrontar com um bando, o conselho mais prudente é subir em uma árvore e esperá-lo passar. A visão do caititu é péssima, mas seu olfato é apuradíssimo.

A decisão do STF de permitir o uso das citações contra Temer na delação premiada de Delcídio do Amaral para a eventual abertura de um inquérito deve aproximá-lo ainda mas de todos os caciques pemedebistas já vitimados pela Lava-Jato. Como Dilma também pode ser alvo de inquérito, o Brasil garante seu lugar no concerto das nações, ao ter os quatro primeiros postos da linha sucessória na mira da Justiça. Tirando Dilma todos são do PMDB e a força do caititu está na manada, frise-se.
O PMDB, desde a formação, em 1966, no rearranjo formado no regime militar, com o nome de MDB, foi um casamento de conveniência. Era uma sigla de oposição tão débil que os articuladores do marechal Castello Branco, presidente à época, pediram para caciques governistas migrarem para o partido, como forma de viabilizá-lo. Lá dentro foram se acomodando como podia. Não os unia o amor, mas o espanto, como diz um verso de Jorge Luis Borges.

Essa condição torna o PMDB um partido peculiar, em que convenções já viraram palco para pugilato e decisões da Executiva são ignoradas sem que nada aconteça.

Um partido assim não tem condições de formar um projeto eleitoral viável e este é um dos fatores que explica os fracassos de Ulysses Guimarães em 1989 e Orestes Quércia em 1994 e a impossibilidade de outra candidatura presidencial. Mas conta com o instrumental para, no poder, formar maioria que permita exercê-lo. Os integrantes do PMDB seguem a máxima de Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro da Itália: poder só desgasta aqueles que não o têm.

Mesmo sem projeto eleitoral para 2018, os caciques do PMDB, sofrem uma fortíssima atração para gravitar em torno de Temer, uma vez que as alternativas- derrota do impeachment ou convocação de eleições antecipadas - marginalizam o partido dentro da próxima estrutura a ser armada. A sociedade em torno de Temer aumenta o cacife de cada um.

Renan Calheiros, acima de tudo um sobrevivente, é o condestável de um governo moribundo até meados de maio, no momento em que a admissibilidade for votada no Senado. Assim deve permanecer, dentre outros fatores pela sua tempestuosa relação com Temer.

A partir do fim de maio, o panorama é outro. O presidente do Senado é muito diferente do homólogo na Câmara e não é de sua praxe política bater chapa. Em outras palavras, Renan tende a agir com Temer do mesmo modo como agiu com Dilma: um aliado que dá trabalho. Não por uma questão de coerência, mas de método, tendo como norte preservar o mandato diante das denúncias que enfrenta, influenciar na escolha do sucessor na Mesa Diretora do Senado, não voltar à planície, garantir o mando estadual em Alagoas e assegurar espaço e interlocução no governo federal.

Para Renan e outros líderes pemedebistas, talvez seja mais viável assegurar objetivos dessa natureza cerrando fileiras em torno de Temer do que implodindo-o.

O próprio Temer constrói a ascensão apresentando-se como um caminho que leva a muitas partes. O vice já anunciou, uma e mil vezes, que não disputará a eleição presidencial, o que abre uma avenida de possibilidades à sigla. O partido pode apoiar os tucanos, interferir na escolha do candidato e ainda conduzir o país para um semipresidencialismo. Existe uma caixa de ferramentas para ser aberta.
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O desfilar de deputados no microfone da Câmara no último domingo para enunciar o voto vai um pouco além do folclórico e do assombro que o telespectador teve ao observar as entranhas do baixo clero. O baixo clero está onde sempre esteve, e quem tem memória para outros momentos do Congresso deve se lembrar de cenas semelhantes. Mas nunca em semelhante volume.

O que fica da indigência mental demonstrada dia 17 é a radicalização. Seja cantando, pedindo a paz em Jerusalém, invocando torturadores, cuspindo nos colegas, tentando botar o filho para votar, a marca que ficou é o sectarismo e uma sinalização de que "pacto" e "união social" parecem ser expressões de outro planeta.

Tudo diferente do que aconteceu em 1992. O tom era de mais euforia nas ruas e relativa compostura nos espaços institucionais. Ajudava a contenção dos ânimos o fato de ser um jogo de uma torcida só: foram 38 votos contrários, ou quase quatro vezes menos do que o lado perdedor no domingo.

Em tempo: a análise da Comissão do Senado que examinou a admissibilidade do pedido de impeachment em 1992, elegeu seus integrantes, proferiu parecer e o votou em duas horas. Agora, serão dez dias.

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