Por Maria Cristina Fernandes – Valor Econômico
"À Mesa com o Valor", Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) diz a Maria Cristina Fernandes que, depois de votar sim pelo impeachment de Dilma, o próximo alvo é Eduardo Cunha. O deputado também defende que um eventual governo Temer deva buscar diálogo até com o PT.
Cunha tem de ser o próximo, diz Jarbas Vasconcelos
BRASÍLIA - "Voto sim, senhor presidente, mas quero dizer do meu desconforto de ter uma pessoa como Vossa Excelência presidindo esta Casa. O processo de impeachment fica profundamente maculado com sua presença." A sorte da presidente Dilma Rousseff já estava selada quando o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) proferiu o 348º voto, um dos últimos da sessão iniciada 63 horas antes pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A sobriedade contrastava com a algazarra provocada, minutos antes, pela definição do placar. O papel picado era o mesmo que, nos dias que antecederam o impeachment, encerrava as reuniões da oposição de monitoramento de votos, mas os empurrões e cotoveladas que se seguiram foram inéditos em sua vida parlamentar. Encerrada a sessão já depois da meia-noite, a maioria dos deputados rumou para as festas de comemoração e Jarbas foi para casa dormir. Às 9h do dia seguinte, uma segunda-feira, chegou a uma Câmara deserta, com os elevadores funcionais ainda desligados, para ler a crônica do confete.
Na véspera do impeachment, durante um café da manhã em seu apartamento na Asa Sul, ele avisara do cravo e da ferradura: "Sou daqueles que acredita que na vida é preciso ter prioridades. A nossa agora é o impeachment. Mas a prioridade é Dilma agora e ele [Cunha] amanhã ".
Alessandra Cordeiro, a cozinheira pernambucana herdada do ex-ministro do Tribunal de Contas da União José Jorge serve tapioca com manteiga e coco, milho cozido, ovos mexidos, presunto, queijo prato e iogurte com gelatina. O deputado dá início aos trabalhos pelas frutas e pelo apartamento funcional que ocupa em prédio reservado ao Senado, Casa que lhe deu assento por oito anos até dezembro de 2014.
Depois de indicar o vice na chapa que sucederia Eduardo Campos no governo de Pernambuco, pensou em se aposentar, mas teve medo de endoidar. A reeleição não dava, então resolveu tentar a Câmara. De volta a Brasília, ligou para o presidente do Senado, Renan Calheiros, o correligionário de quem já havia pedido a renúncia em 2007 durante outra temporada de escândalos.
"Você vê alguma extravagância em eu ficar morando onde estou? Lá tem três ministros do STJ e dois do TCU." Renan foi afável. Disse que ele poderia ficar no apartamento, mas não havia como formalizar a permanência. Jarbas recuou. Não abriria o flanco. "Tenho uma tese de que em política tudo aquilo que você tem que explicar é complicado."
Nesse momento, a bola rolou para seus pés. O senador Romário Faria (PSB-RJ) havia reformado às suas expensas o apartamento funcional da Câmara que ocupou em seu mandato anterior como deputado e queria ficar por lá. Jarbas sugeriu uma permuta e Renan editou um ato formalizando-a.
Aos 73 anos, no exercício do seu quinto mandato parlamentar (três de deputado federal, um de senador e o primeiro, de deputado estadual), intercalados entre os quatro no Executivo (dois de prefeito do Recife e dois de governador de Pernambuco), Jarbas é o aliado que o vice-presidente gostaria de ver sentado na cadeira de Cunha.
Cinco dias antes do impeachment, Michel Temer pediu que Jarbas reunisse, em seu apartamento, um grupo de parlamentares cuja lista ficaria a cargo do anfitrião. Alessandra preparou o cardápio: filé mignon ao molho madeira, frango recheado e um galo do alto, peixe de águas profundas.
Do Recife vieram o bolo de rolo e a goiabada e da turma de Jarbas chegaram os deputados Heráclito Fortes (PSB-PI), Benito Gama (PTB-BA), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Rubens Bueno (PPS-PR), Mendonça Filho (DEM-PE) e os pemedebistas Osmar Terra (RS), Carlos Marun (MS), Baleia Rossi (SP) e Lelo Coimbra (ES). "Na condição de presidente do PMDB", esclarece, veio o senador Romero Jucá, o conterrâneo do partido que fez carreira em Roraima, mas nunca tocou por sua partitura. Cada um falou um pouco. "Ainda não tínhamos atingido o quórum do impeachment, mas todos concordamos que havia uma longa e penosa travessia pela frente e, para dar uma resposta ao Brasil, o porvir não poderia ser do PMDB. Tinha que ampliar." Temer saiu de lá à meia-noite. "Não houve nem de longe essa coisa de participação em governo. Era uma discussão sobre o país."
• Sou daqueles que acredita que na vida é preciso ter prioridades. A nossa agora é o impeachment, mas a de amanhã tem que ser o Cunha
Na liturgia de Brasília, o jantar foi um signo de prestígio. O desejo de Temer cumpriria o vaticínio de Ulysses Guimarães, que considerava Jarbas, presidente do partido durante sua campanha presidencial de 1989 e único pemedebista com quem rivalizava na sisudez, seu sucessor na política.
Tratava-o como filho. Em 1990, ao ser derrotado na primeira vez em que disputou o governo do Estado, Jarbas recebeu um telefonema do velho pemedebista, preocupado com seu estado de ânimo. "Não sou viúva de eleição, dr. Ulysses", disse-lhe. O amigo não acreditou. Dali a alguns dias, baixou com a mulher, Mora, no Recife. Chegaram com uma caixa de papelão toda furada. Dentro estava Vick, filhote de fox terrier. O pemedebista nunca fora muito chegado a cachorro, mas era muito festejado pelo fox terrier do casal Guimarães, que julgou o filhote um presente de consolação ao amigo derrotado nas urnas.
O deputado encara o mamão e o melão antes de relatar as premissas de sua campanha anti-Cunha. Há dois meses as expôs, pela primeira vez, na presença do senador Aécio Neves (PSDB-MG), ao pelotão pluripartidário da frente pró-impeachment na casa do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI). "Meu nome tem sido colocado para presidir a Câmara. Então quero colocar para vocês o seguinte: não sou candidato. Isso me dá liberdade para dizer que esse camarada é uma excrecência. É uma desmoralização que presida o processo de impeachment."
É possível que os presentes tenham acreditado mas, nas alas que desembarcaram nas últimas semanas do Planalto e querem fazer uma clonagem de Cunha para sua sucessão, o bombardeio sobre o deputado já começou. Do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, partido recordista em réus da Lava-Jato, vem a provocação: "Se for candidato, não terá mais que 30 votos".
Jarbas era favorável a que se reabrisse a peça acusatória para incluir a denúncia da OAB que abrigava a delação do senador Delcídio do Amaral contra a presidente da República e daria mais robustez ao crime de responsabilidade. Credita a pressa a Cunha. "Quando o PT diz que ele agiu por vingança, não está inventando. É uma inteligência voltada para o malfeito. A única regra que ele quebra é que todo amoral é simpático. Ele é um gelo. Não tem amigos, tem seguidores. Não sabe o que é o alvorecer, o pôr de sol, o sentimento de família."
Jarbas filia Ulysses e Egídio Ferreira Lima, ex-deputado federal pelo PMDB de Pernambuco, na escola da política que não se precipita nem cria inimigos. A ojeriza a Eduardo Cunha, acredita, não o deixará de segunda época. Assume ter errado em dar seu voto para elegê-lo presidente da Câmara: "Eu o tinha por lobista e regimentalista. Votei nele para evitar PT. Não dava para deixar que Dilma se reelegesse e ainda tivesse a Câmara na mão. Mas estava desinformado sobre ele e sou responsável por isso".
Agora pretende agregar a sua campanha contra o presidente da Câmara aqueles que temem ver o eventual governo Temer vítima das mesmas chantagens que açodaram a gestão Dilma Rousseff. Como parece provável que o Senado confirme o placar da Câmara, as manobras que o presidente da Casa já começou a fazer em torno da pauta fiscal, impactarão diretamente o sucessor de Dilma.
Naquela manhã, Brasília havia amanhecido sob o bombardeio de informações de que os governistas haviam virado o jogo, colocando 20 votos à frente da oposição. O vice-presidente, que havia viajado na véspera para São Paulo, decidira retornar a Brasília para a contraofensiva. Jarbas não parecia se abalar com as notícias.
Era seu primeiro impeachment. No de Fernando Collor, estava no Recife, sem mandato, para disputar a prefeitura. Neste, acompanhara as reuniões do comitê do impeachment e ficou seguro de que não deixariam escapar a votação. "É amadorismo ficar inquieto." Nas reuniões, os nomes eram esquadrinhados um a um. Para cada parlamentar indeciso havia um outro, da oposição, para monitorar, com lances dignos de espionagem: "Esse aí não está seguro, não. Vi um vice-líder do governo saindo do seu apartamento ontem. Volta o nome dele para a coluna do meio e vamos atrás", diziam os mais aguerridos.
Jarbas mais participou como observador e consultor da turma que ainda o olha com a reverência de quem tem de idade o que o deputado tem de vida pública (46 anos). Quando voltou para a Câmara, no início do ano passado, os colegas ora o chamavam de governador, ora de senador, diziam que o pai - ou o avô - tinha sido seu colega na Casa e mencionavam de cor entrevistas da década passada em que já desancava lideranças de seu partido como o ex-presidente José Sarney.
Afastado da cúpula do PMDB há mais de dez anos, Jarbas tem divergências ainda mais antigas. Egresso da esquerda do partido, foi um dos primeiros a visitar o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, preso no início da abertura. Um dos "autênticos" do PMDB, foi contra a maioria ao recusar voto em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985. E foi um dos primeiros do PMDB a subir no palanque de Lula no segundo turno de 1989. O ex-presidente ainda tentou, sem sucesso, fazer de Jarbas um interlocutor no PMDB, mas a ideia não prosperou: "O PT foi eleito há 14 em cima de duas pernas que empolgaram o país, a ética e a mudança. Hoje não é mais capaz de fazer uma coisa nem outra".
Sua origem à esquerda justifica o desconforto com a pauta que Eduardo Cunha, apresentou à Câmara nesta legislatura. Discorda do açodamento com o qual a terceirização foi aprovada ("saiu pior do que entrou na Casa") e ficou inconformado com a tramitação dada à redução da maioridade. "Os dois lados tinham pontos robustos e fomos obrigados a votar numa madrugada com o argumento de que 80% da população era favorável. O mesmo percentual deve querer o fechamento do Congresso. E é por isso que vamos fechá-lo?"
• Um governo do PMDB seria um desastre. É um erro do PSDB querer apoiar pela metade, sem participar. Michel deve buscar até o PT
O terceiro desserviço que diz ter sido prestado ao país pela Câmara dos Deputados foi a reforma política. Votou pelo fim do financiamento de campanha, mas sabe que ainda não se descobriu um jeito de fazer política sem dinheiro. E chama de arremedo qualquer reforma política que não imponha cláusula de barreira ou acabe com coligações proporcionais. Estava na Alemanha na década de 1980 quando os Verdes, finalmente, chegaram ao Parlamento depois de sucessivas eleições em que se aproximavam, mas não alcançavam os 5% de representação. "Hoje é um dos bons partidos de lá, se consolidou porque conquistou." Não acredita que Temer, um dos maiores defensores do "distritão" leve à frente a ideia de implantá-lo depois da derrota já sofrida pelo projeto na Câmara.
O afogadilho dessas votações tirou dos deputados as noites de terça e quarta. Jarbas, que sempre gostou de oferecer jantares aos colegas e de frequentar aqueles para os quais é convidado, passou a bater ponto na Câmara até a madrugada. "Somos operários, mas no sentido de aperfeiçoar o processo legislativo. Inicia a sessão mais cedo e termina até as 20h. Política não se faz apenas na ordem do dia, mas também na livre troca de ideias fora do Parlamento."
É dessa política que pretende se ocupar agora para ampliar a aliança em torno de um eventual governo Michel Temer. Não tem boas recordações de seus dias no Executivo, quando todo mundo soprava no seu ouvido o que tinha que ser feito. Por isso prefere bradar aos quatro ventos: "Um governo do PMDB é um desastre". A busca de composição deve incluir até mesmo o PT. Sabe que o partido do governo, se derrotado, vai resistir a aproximações, mas vê as pontes como inadiáveis para conter a radicalização política em que o país se meteu neste impeachment com ameaça de movimentos sociais de não dar sossego ao vice. "É uma coisa delicada essa. O grande nome do Michel para essa intermediação é o Paulinho [da Força]. Não quero atacar ninguém, mas não é ideal. Não faltam pontes, faltam nomes mesmo."
Se o PT não tem razão alguma para participar de um eventual governo Temer, o PSDB deveria ter todas. É o que tem dito a seus amigos tucanos. Acha um erro o partido optar por apoio sem participação sob o risco de comprometer o projeto que se iniciou com o impeachment.
Concorda que as divisões do PSDB derivam, em grande parte, de suas disputas internas e assume com todas as letras seu lado na briga alheia: "Serra é o quadro político mais qualificado do país e é com os melhores que o Temer tem que governar". Diz que Temer não terá como escolher ministro da Fazenda sem pactuar com o PSDB. E que o partido erra em querer aderir pela metade - vota, mas não participa.
Jarbas já parara de comer há muito tempo. O insumo ali era a política. E o sentido que lhe quer dar é de urgência: para não se inviabilizar, o governo que vier a assumir tem que tomar as medidas impopulares e cortar na carne logo de cara.
E a Lava-Jato, é parte dessa desestabilização? "É uma das coisas mais exitosas que aconteceram no país nos últimos anos. O que eu concordo é que ela tenha tempo para terminar como o juiz Sérgio Moro já sinalizou. Que se façam outras, mas esta não pode ficar aberta por tempo indeterminado."
Para que não pairem suspeitas de que Michel Temer esteja sendo pressionado a colocar panos quentes sobre a operação, Jarbas defende que o PMDB venha a público defender o apoio à Lava-Jato. "Não se pode dizer que a operação atrapalhou o país. Da mesma maneira que a força-tarefa, em Curitiba, foi pra cima das empreiteiras, o Ministério Público e o Supremo têm que ir em cima da classe política. Há um descompasso."
Para cima de quem? O primeiro da lista, claro, é Eduardo Cunha. Ciente do acordo para livrar o presidente da Câmara no Conselho de Ética, defende pressão redobrada sobre o Supremo por seu afastamento. Acha que o ex-ministro Nelson Jobim, pela amizade mantida com o vice-presidente, pode ajudar, ainda que não vire ministro da Justiça. "É uma área difícil. Mesmo que não seja uma pessoa afeita à área jurídica, tem que ser desenvolta. Capaz de sentar com um ministro para conversar. Não se pode errar aí."
Já se aproximam de duas horas que o café da manhã começou. Sua coleção de arte popular, que estava no cardápio, ainda permanecia intocada e, pela premência, dos fatos, assim permaneceria. A joia de sua coleção de 1.118 peças são as de mestre Vitalino, ceramista de Caruaru, considerada por especialistas como a maior do artista em mãos privadas. Jarbas lhes desconhece o valor. "Me falam que uma ou outra peça foi vendida em leilão por R$ 5 ou R$ 6 mil, mas este não é um assunto que me interesse. Não vendo minha coleção de jeito nenhum." À sua declaração de bens, na Justiça Eleitoral, indicou um valor total de R$ 288 mil. Ainda amadurece a sugestão do amigo jurista Joaquim Falcão de fazer uma fundação para abrigar a coleção. Por enquanto, a maior parte está abrigada nos dois apartamentos do Recife que foram conjugados para recebê-las. Ficam, naquelas que são conhecidas como as "torres gêmeas", espigões de 42 andares que, há três anos, modificaram a paisagem do Cais de Santa Rita, no bairro de São José, um dos primeiros núcleos urbanos do país que guarda nichos do traçado holandês do século XVII.
Divorciado, depois de dois casamentos, Jarbas tem quatro filhos e cinco netos. O caçula dos filhos, que leva seu nome, disputou, aos 23 anos, uma vaga na Câmara de Vereadores, nas últimas eleições, sem sucesso. Hoje trabalha numa secretaria municipal no Recife. Numa quadra em que tantos penhoraram o futuro do Brasil na conta da gratidão para com os filhos, mulheres, pais, avós e todos os santos, Jarbas é econômico em falar do filho. Prefere que ele termine o curso de administração de empresas e siga carreira na iniciativa privada.
Ao fim dos três anos, sete meses e um Eduardo Cunha que lhe restam, planeja se aposentar da vida pública. Se não mudar de ideia antes, pretende se afastar da política como ela é para cuidar de seus bonequinhos de barro. Terá 77 anos.
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