Por Malu Delgado - Valor Econômico
O ponto-chave para o êxito de um eventual governo Michel Temer, na opinião do sociólogo Brasílio Sallum Júnior, professor titular da USP, é a montagem do ministério e a pactuação política para aprovação imediata de alguma reforma estruturante, como a fixação da idade mínima para aposentadoria.
Observador atento do impeachment de Fernando Collor, em 1992, o professor considera a saída de Dilma Rousseff traumática, mas não enxerga alternativa. O profissionalismo político de Temer, sustenta, abre caminhos diante do flagrante amadorismo de Dilma nesse quesito. A proximidade das eleições municipais, a fragmentação partidária num sistema político-eleitoral deteriorado e a proximidade com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reflete o sociólogo, são problemas cruciais que Temer terá de enfrentar.
• Valor: Há ambiente propício à instalação de um governo de Michel Temer?
Brasílio Sallum Júnior: Menos difícil do que barrar o processo do impeachment no Senado será governar com esse nível de descrédito e falta de apoio. Uma presidente que tem 137 votos de apoio na Câmara é muito difícil. Você não tem condições de sustentar um governo dessa maneira. É uma deficiência de sustentação no interior da classe política muito grave. A previsão de que a presidente tem poucas chances de fato faz sentido, embora no Senado ela tenha mais apoio. Os políticos profissionais sempre encontram meios de resolver a crise. O impeachment é um deles. O vice é um político profissional e isso ajuda bastante, porque uma das deficiências da atual presidente é o amadorismo político.
• Valor: O que o senhor entende por profissionalismo político?
Sallum Júnior: A capacidade de interpretar a situação política do jogo no qual ele está inserido, a relação de forças entre os vários partidos, de grupos de pressão, correntes de opinião que atuam no meio político. Temer está há decênios na política. Isso não é um sinônimo de fazer um bom governo, mas é um requisito mínimo para manejar a situação.
• Valor: O senhor sustenta então que na atual condição política e econômica do país um eventual governo Temer seria saída mais razoável?
Sallum Júnior: Pode ser, se ele conseguir montar um bom governo. A gente não tem alternativa. A alternativa de reconstruir um governo Dilma está quase fora de questão. Hoje o governo Temer é uma alternativa razoável. Não sei se será bem-sucedido, mas é uma possibilidade. Espero que seja, para o bem de todos nós. A forma pela qual a presidente e o PT decidiram se defender do processo é extraordinariamente restritiva, e não há nenhum sinal de reflexão crítica. Como é que você vai repactuar se acusa os outros de uma das piores coisas que se pode fazer numa democracia, que é chamar o outro de golpista?
• Valor: O vice pode ter alguma implicação na Operação Lava-Jato e outro problema é a credibilidade que teria diante dessa imagem de "traidor", construída pelo PT. Isso o afetaria?
Sallum Júnior: A presidente fez um discurso contra ele, e ela ainda tem visibilidade, mas não acredito que isso vá se manter muito. Qualquer vice se prepara para a Presidência. Ele deve ter lutado pela Presidência agora no final, porque eles romperam. Se o governo dele for empossado e tiver alguma expectativa de que funcione, tenho a impressão de que, embora a Lava-Jato continue com delações premiadas e possa eventualmente aparecer alguma coisa, ao menos no TSE isso [processo de cassação da chapa Dilma-Temer] teria o ritmo reduzido. Isso caso ele consiga montar uma equipe que traga alguma expectativa positiva. Ele vai ter que mostrar ações que estejam mais ou menos sintonizadas com o que o mercado e os agentes econômicos estão esperando. Isso é mais difícil, porque estamos diante de uma eleição municipal.
• Valor: Se assumir, o senhor acha que Temer conseguirá, por exemplo, discutir uma reforma tributária e previdenciária em 2016?
Sallum Júnior: Certas reformas são icônicas e permitem que haja reversão de expectativas, podem acelerar o processo de recuperação econômica. A Previdenciária é complicada. Às vezes é uma coisa que não afeta ninguém imediatamente, mas que tem grande impacto simbólico, tipo idade mínima para aposentadoria. Temer precisa se afirmar como governante. Ele não pode fazer um tipo de administração em que apenas mantém a máquina, senão ele não se mantém, e é bom lembrar que o processo está correndo no Senado. Ele precisa dizer a que veio.
• Valor: Outro aspecto complexo seria essa aliança entre Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Sallum Júnior: Aliança é um termo forte, mas de fato é um problema. No fundo, a credibilidade do governo dele fica conectada com alguém que é uma espécie de ícone da corrupção. Cunha é presidente da Câmara, e Temer vai precisar do presidente da Câmara. Não sei como o problema será resolvido. Mas é uma fragilidade de um eventual governo Temer.
• Valor: Há uma conversa nos bastidores de que o Cunha seria preservado da cassação no governo Temer.
Sallum Júnior: Não acredito que funcione dessa maneira. Acho que ninguém faria isso. Duvido que ele [Temer] tenha feito. É suicídio. Cunha pode ser retirado do posto, trocando isso por algum tipo de ação dentro do Conselho de Ética, ou o próprio STF pode enfrentar esse problema. De certa maneira, essa será uma acusação que o atual governo vai jogar o tempo inteiro contra Temer. Tem uma base de verdade. É diferente da acusação de traidor, que é juízo moral, não tem como provar. Mas, no caso do Eduardo Cunha, tem.
• Valor: E a pecha de traiçoeiro e golpista? Não o afetaria?
Sallum Júnior: Acho que não. A presidente teve muita responsabilidade pelo que aconteceu. Ocorreu um conjunto de processos que fez com que o vice-presidente se afastasse. Ele é vice-presidente, precisa se preparar para a Presidência. Claro que ele fez mais do que isso, ele lutou pela Presidência no final. É provável que ele tenha de assegurar que não vai ser candidato em 2018. Uma questão-chave que deveríamos enfrentar é reformar o sistema político-eleitoral, que produziu essa deterioração. São quase 30 partidos na Câmara. Vamos ter que mexer nisso para não chegarmos novamente a uma situação traumática de tirar um presidente no meio de um mandato. Uma coalizão não deveria ser apenas uma junção de partidos em que cada um faz o que quer. Tem que ter diretriz. Uma das questões que o próximo governo vai enfrentar é isso: o Temer vai ter que dar graças a Deus se houver figuras com disposição de ir para os ministérios, porque a desagregação dos partidos é uma coisa inacreditável. É um samba do crioulo louco, é inacreditável.
• Valor: O que o senhor acha que podemos esperar dos movimentos sociais e do comportamento do PT em um governo Temer?
Sallum Júnior: O impeachment tratou basicamente - embora o discurso e a retórica sejam o do golpe à democracia - da gestão econômica. A administração do Estado e sua relação com a economia é o que está em jogo. Qual é a acusação que pesa contra a presidente, não em termos de corrupção: ela ser promotora de um ativismo estatal, o Estado ser usado de modo arbitrário sem levar em conta a lógica do mercado. Esse pensamento, hoje, é hegemônico. Acho que vamos ter no próximo governo uma inflexão na área de concessões. Isso é uma das chamadas bondades que o governo Temer pode fazer. A tendência é ter uma política econômica mais para o mercado do que a da presidente Dilma. Não teremos, certamente, um governo neoliberal. Não acredito que se chegue ao limite do que está lá na proposta do PMDB, a Ponte para o Futuro. Aquilo seria um programa liberal demais para as possibilidades do sistema político. E mesmo para o empresariado, que está muito acostumado às benesses estatais. Não tenho dúvida de que as centrais sindicais vão se opor, mas não sei se terão tanta força. Não acho que haverá obstáculos suficientes para o exercício do poder e do governo. Estamos numa situação em que a dificuldade básica dos assalariados é o desemprego. O ativismo sindical pode se manifestar, mas não acredito que carregue muita gente atrás.
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