sexta-feira, 22 de abril de 2016

A grande traição – Editorial / The Economist

• Dilma não é a única responsável pela calamidade por que passa o Brasil; País precisa de renovação por meio das urnas

Dilma Rousseff frustrou os brasileiros. Mas o mesmo fez toda a classe política do País. O Congresso brasileiro já foi palco de não poucas cenas bizarras. Em 1963, o senador Arnon de Mello, pai do ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTB-AL), atirou contra um arqui-inimigo e acabou matando outro senador por engano. Em 1998, um dispositivo que elevava a idade mínima para a aposentadoria, incluído na reforma da Previdência proposta pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi derrotado porque o deputado Antônio Kandir se atrapalhou com o sistema eletrônico de votação e apertou o botão errado na hora de votar. Mas o espetáculo que se viu na Câmara no último domingo certamente figura entre os mais esdrúxulos. Um a um, 511 deputados comprimiam-se para chegar ao microfone instalado no meio do plenário e proferir, em destampatórios de dez segundos, transmitidas a uma nação em transe, o voto favorável ou contrário à admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Alguns vinham enrolados na bandeira nacional. Um deles chegou a soltar um rojão de confetes. Muitos aproveitaram para dedicar o voto a suas cidades, religiões, causas paroquiais – até os corretores de seguros foram lembrados. O parecer recomendando que as acusações contra a presidente fossem encaminhadas para julgamento no Senado acabou aprovado por 367 votos a 137, com sete abstenções.

A decisão acontece em um momento particularmente difícil. O Brasil enfrenta sua pior crise econômica desde os anos 1930. Entre o segundo trimestre de 2014, quando teve início a recessão, e o fim deste ano, o PIB brasileiro deve sofrer retração de 9%. As taxas de inflação e desemprego encontram-se ambas na casa dos 10%.

Dilma não é a única responsável pela calamidade. Com um misto de negligência e corrupção, toda a classe política traiu a boa-fé dos brasileiros. A menos que se proceda a uma faxina geral, as lideranças do País não conseguirão recuperar o respeito de seus concidadãos e não terão como enfrentar os problemas econômicos.

A votação de domingo não foi o fim da linha para Dilma, mas não há como imaginar que ela vá permanecer muito mais tempo no cargo. Os brasileiros dificilmente chorarão por ela. A incompetência na condução da economia durante seu primeiro mandato agravou em muito os problemas do País. Além disso, o PT desempenha papel central no gigantesco esquema corrupção que tomou conta da Petrobrás, desviando recursos de empreiteiras para políticos e partidos. Ainda que não esteja pessoalmente envolvida nos delitos, a presidente tentou proteger seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, nomeando-o para um ministério, a fim de que ele passasse a ter direito a foro privilegiado e só pudesse ser processado pelo Supremo Tribunal Federal.

O perturbador é que aqueles que trabalham pela destituição de Dilma são, em vários aspectos, piores que ela. Se o Senado aceitar julgar a presidente – decisão que será tomada em meados de maio –, ela terá de se afastar do cargo por até 180 dias. O vice Michel Temer assumirá a Presidência e, caso o Senado eventualmente aprove o impeachment, cumprirá o restante do mandato.

Temer talvez ofereça algum alívio econômico no curto prazo. Ao contrário de Dilma, o vice-presidente sabe como fazer para que as coisas funcionem em Brasília. E seu partido, o PMDB, tem uma relação mais amistosa com o mercado do que o PT de Dilma.

Ocorre que o envolvimento dos peemedebistas com a corrupção também é enorme. Um de seus líderes, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que comandou o espetáculo de seis horas no domingo, foi transformado em réu pelo STF em ação penal em que é acusado de receber propinas em contratos superfaturados da Petrobrás. Ao declarar o voto contra o impeachment, alguns dos aliados de Dilma na Câmara acusaram Cunha de “gângster” e “ladrão”, entre outras coisas.

A mácula da corrupção se espalha por muitos partidos políticos brasileiros. Dos 21 deputados investigados no escândalo da Petrobrás, 16 votaram pelo afastamento da presidente. Cerca de 60% dos congressistas são alvo de acusações criminais.

Não há soluções fáceis para consertar o estrago. As raízes da disfunção política brasileira remontam à economia escravocrata do século 19, aos regimes ditatoriais do século 20 e a um sistema eleitoral problemático, que torna as campanhas caríssimas e isenta os políticos de prestar contas a seus eleitores.

No curto prazo, o impeachment não resolverá o problema. A acusação em que se baseia o pedido de impeachment da presidente – de que ela teria recorrido a artimanhas contábeis para fazer com que o déficit fiscal parecesse menor do que era – é tão desimportante que apenas alguns congressistas se deram o trabalho de mencioná-la em suas diatribes de dez segundos. Se Dilma for destituída por conta de tal tecnicalidade, Temer terá dificuldade para se legitimar junto à grande minoria de brasileiros que ainda apoia a presidente.

Em qualquer outro país, a combinação de crise econômica e dissensão política talvez fosse perigosamente inflamável. O Brasil, porém, dispõe de reservas extraordinárias de tolerância. Por mais divididos que estejam sobre o impeachment, os brasileiros não parecem dispostos a ir às vias de fato. As três últimas décadas mostram que o País é capaz de passar por crises sem descambar em golpes ou colapsos. E é justamente aí, talvez, que resida um fio de esperança.

O fato de que o escândalo da Petrobrás tenha alvejado alguns dos políticos e empresários mais poderosos do País é um sinal de que certas instituições, em especial as que zelam pelo cumprimento da lei, estão amadurecendo. Uma das explicações para o aperto em que os políticos se encontram é o surgimento de uma nova classe média – mais escolarizada, com maior disposição para se manifestar publicamente – que se recusa a aceitar a impunidade. Alguns dos dispositivos que vêm sendo utilizados para colocar os delinquentes atrás das grades foram propostos pelo próprio governo Dilma.

Uma maneira de canalizar esse espírito seria realizar novas eleições. Um novo presidente talvez tivesse mais legitimidade para implementar as reformas que vêm sendo postergadas há décadas. Os eleitores também merecem a chance de se livrar de um Congresso totalmente contaminado pela corrupção. Somente novos líderes e novos legisladores serão capazes de promover as mudanças fundamentais de que o Brasil precisa, em particular a reformulação de um sistema político tão propenso à corrupção e a adoção de instrumentos capazes de acabar com o descontrole dos gastos públicos, que impulsiona o endividamento e restringe o crescimento.

O problema é que o caminho para a renovação por meio das urnas é repleto de obstáculos. Dado o seu histórico, não parece provável que o Congresso aprove uma emenda constitucional dissolvendo a si mesmo e antecipando as eleições gerais. O Tribunal Superior Eleitoral pode determinar a realização de novas eleições, se ficar comprovado que propinas oriundas do escândalo da Petrobrás irrigaram as contas da campanha de reeleição de Dilma e Temer em 2014. Mas isso está longe de ser uma certeza.

Há uma boa chance, portanto, de que o Brasil esteja condenado a seguir em frente sob o comando da atual geração de líderes desacreditados. É importante que os eleitores não se esqueçam do momento atual: mais cedo ou mais tarde, chegará a hora de ir às urnas. Quando isso acontecer, é fundamental que eles usem a oportunidade para votar em algo melhor.

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