• A leniência da classe política foi tal que os desequilíbrios no sistema previdenciário — que só tendem a aumentar — passaram a exigir tratamento de choque
Ainda há quem resista à reforma da Previdência. Mas os argumentos a favor dela, fundamentados em números, são tão sólidos que apenas a fé ideológica pode impedir que se constate a marcha rumo à falência total de um sistema estruturalmente abalado devido a motivos indiscutíveis: enquanto a expectativa de vida da população felizmente aumenta — está em 75 anos —, os segurados no INSS continuam a se aposentar muito cedo — 54 anos, em média. Dessa forma, não há adesão ao sistema de novos contribuintes que possa bancar o pagamento de benefícios e pensões. Estas também necessitam de ajustes.
O déficit da Previdência, por decorrência, não para de subir, e isso degrada a percepção de risco da economia brasileira no mercado de crédito. Para um país já cotado no nível de junk, lixo, de risco muito elevado, o quadro é muito ruim. E a simples sinalização de que uma reforma sensata poderá ser aprovada pelo Congresso já começará a desanuviar o horizonte. Se for de fato, e de maneira que permita atualizações constantes das regras para continuarem compatíveis com a demografia brasileira, tanto melhor.
O estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria — 65 anos para homens e mulheres —, havendo uma progressão para a paridade dos dois sexos dentro de algum tempo, apenas equiparará o Brasil a muitos outros países, em que a obtenção do benefício só por tempo de contribuição não existe.
Levantamento do GLOBO revelou que 46 países estão, inclusive, elevando o parâmetro etário mínimo dos respectivos sistemas previdenciários — Alemanha, Estados Unidos, Grécia, Cuba, Reino Unido etc. No âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de que vários desses países fazem parte, alguns já elevam a idade-base para 67 anos. A Coreia do Sul, outro exemplo, aumenta a sua, de forma gradual, de 61 para 65 anos.
Dados colhidos pelo governo mostram o crescimento do peso dessas despesas sobre o PIB: da década de 90 até o ano passado, este índice subiu de 4% para 7,4%. Neste ano, deve atingir os 8%. E se for somado ao INSS o sistema previdenciário dos funcionários públicos — proporcionalmente ainda mais deficitário — e outros gastos assistenciais, chega-se a graves 12% do PIB, taxa de países ricos com o dobro da população idosa brasileira.
A continuar neste ritmo, em 2060 a parcela assustadora de 20% do PIB terá de ser destinada a aposentadorias e similares. O sistema quebrará antes. É por isso que o Planalto não pode perder tempo, deve inclusive analisar com frieza se há possibilidade de convencer grupos de sindicalistas refratários a qualquer negociação. Na França, por exemplo, o governo foi forçado a baixar por decreto uma reforma da legislação trabalhista. Poucas questões aritméticas são contaminadas por tanta paixão de ideologia como esta.
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