segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Fernando Limongi: Tiro curto

- Valor Econômico

Se só um prevalecer, Haddad e Alckmin dificilmente perdem

A campanha começou para valer. Será uma corrida de tiro curto. Resta pouco mais de um mês para o primeiro turno. É a hora do 'ou vai, ou racha'.

Contudo, vale ouvir a voz da sabedoria e da experiência. Tempos atrás, em entrevista ao Valor, Eduardo Cunha afirmou que as campanhas eleitorais se concentram em duas semanas: a que abre o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e a que antecede o primeiro turno.

O início da campanha eletrônica coincidiu com o afastamento definitivo da candidatura Lula. A decisão era esperada e não surpreendeu ninguém. O PT continua a fingir que acredita que Lula será candidato. Mais uma vez, diante do precipício, o partido lançou a corda bamba sobre a qual caminha. Por enquanto, evitou o tropeço fatal e avançou. A operação para fazer de Fernando Haddad o sucessor oficial de Lula, cedo ou tarde, terá que ser desfechada.

A forma de proceder e a estratégia serão definidas pelo ex-presidente. Tudo passa por Lula, não resta outra instância decisória no partido. É dele, e só dele, a palavra final. Fernando Haddad anunciou que visitaria Lula nesta segunda-feira para receber as instruções dos passos a tomar.

Mesmo os mais otimistas concordam que o perfil do herdeiro selecionado - um paulista da gema com pinta de almofadinha - pode gerar problemas. Nove em dez petistas preferiam que Jaques Wagner tivesse aceito a incumbência. Diz-se que esta era a intenção do próprio Lula, mas que Wagner teria resistido a aceitar a missão, temendo troca do certo (a cadeira no Senado) pelo duvidoso. Se isto for verdade, então há petistas que duvidam da capacidade do ex-presidente de transferir votos.

Fala a favor do sucesso da estratégia do PT a ausência de alternativas deixadas aos seus simpatizantes. Ao torpedear o acordo entre o PDT e o PSB, o PT retirou de Ciro Gomes a escada de que poderia se servir para atrair os eleitores que orbitam em torno do PT.

Nas últimas pesquisas, Marina Silva foi a maior beneficiada nos cenários em que Lula não figurava como candidato. A candidata da Rede, mesmo sem tempo de TV e com os arranhões deixados pelo rescaldo da última campanha, continua a marcar presença entre os eleitores mais pobres e identificados com o PT. A seu favor conta ainda a maior simpatia que pode angariar no centro.

Haddad, Marina e Ciro disputarão as preferências dos eleitores dispostos a, mas impossibilitados de, sufragar Lula. Nas próximas pesquisas eleitorais, Lula deixará de figurar como opção e o cenário neste quadrante da disputa ganhará maior inteligibilidade. Em algum momento, Fernando Haddad receberá o bastão do ex-presidente e iniciará o pique em direção à linha de chegada. Ciro e Marina correm por fora, esperando que o petista tropece e caia.

Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin correm na raia oposta, disputando as preferências dos eleitores que nutrem pouca ou nenhuma simpatia por Lula. A briga entre os dois tem lógica própria: disputam a capacidade de se apresentar como o legítimo representante do antipetismo e, desta forma, passar ao segundo turno.

Em eleições anteriores, não sem dificuldades e desafios sérios (Garotinho e Ciro, em 2002, e Marina, em 2014), o PSDB foi capaz de controlar este eleitorado. Bolsonaro é o desafiante da vez.

Não por acaso, o ex-governador de São Paulo não hesitou em abrir sua campanha disparando contra o homem da caserna. Alckmin não poupou munição em seu primeiro programa de rádio e televisão. Não escondeu o alvo, a bala que atinge a criança é endereçada a seu adversário direto.

A estratégia foi interpretada como prova de desespero. Usualmente, adia-se quanto o pode a campanha negativa. Os marqueteiros alertam que trazer a luta para o campo forte do adversário pode ser contraproducente.

De fato, a candidatura Geraldo Alckmin está por um fio. Se não crescer rapidamente, corre o risco de perecer por inviabilidade congênita.

Alckmin, contudo, não procurou atrair os eleitores de Bolsonaro. As imagens mostradas não têm o pendor de sensibilizar os fieis seguidores do capitão. Estes estão convictos de que as coisas só se resolvem à bala. Cenas como as mostradas, por fortes que sejam, não os farão mudar de juízo.

A campanha de Alckmin mirou os antipetistas e os independentes, aqueles que ainda não foram tomados pelo desvario do homem da caserna. A candidatura Alckmin não sobreviveria a uma nova arrancada de Bolsonaro.

Assim, o sucesso de Alckmin depende da sua capacidade de resgatar os indecisos, apostando que ainda resta alguma capacidade de raciocínio na direita. A tarefa, contudo, não é das mais fáceis, pois o partido foi atingido pela hipocrisia com que tratou os pecados de Aécio e Temer.

Alckmin, portanto, não pode esperar. Precisa recuperar imediatamente a confiança da direita e do centro, barrando o avanço do capitão-artilheiro.

Este, por sua vez, não vem dando mostras de que pretende redirecionar suas forças para conquistar o centro. O clã dos Bolsonaros fincou seu pé na direita e não pretende se aventurar em terras desconhecidas. Não pretende ou não sabe. A escolha do vice é um indicador da estreiteza da estratégia escolhida. Em lugar de ampliar, o clã preferiu afundar ainda mais a trincheira cavada na direita. Perguntado pelo "Estado de S.Paulo" sobre como pretende financiar o SUS, Bolsonaro não teve como recorrer ao Posto Ipiranga para responder. O candidato conquistou seu nicho, mas não tem ideias para ampliá-lo. E se não o fizer, morrerá de inanição na trincheira cavada. Falta tirocínio a quem sobra o tiro.

Em um cenário convencional, Haddad e Alckmin preponderam em suas respectivas raias e o embate final repetirá o de eleições passadas. Se só um deles prevalecer em seu campo, dificilmente perde o segundo turno. Para o caso de falha dupla, restam as casas de apostas de Londres. Neste caso, recomenda-se atenção à máxima de Cunha: para cruzar a linha, conta tanto o arranque inicial quanto o fôlego no final.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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