sábado, 3 de março de 2018

Alberto Aggio: Impasse nas eleições italianas

Revista Será? (PE)

Em meio às nossas turbulências paroquiais, acompanhamos desde o Brasil as eleições para o Parlamento italiano a serem realizadas no próximo domingo, 04 de março. São eleições gerais para a recomposição do Parlamento e indicar um novo governo para o país. Contudo, pelas últimas pesquisas, não é certo que se consiga indicar um novo Primeiro Ministro e formar um novo governo. A divisão em três blocos políticos assume feições irreconciliáveis, impedindo a formação de uma maioria. Isso faz parte da lógica do Parlamentarismo que os italianos conhecem muito bem.

As eleições de domingo não mexem com a Presidência da República, hoje exercida por Sérgio Mattarella. A mudança, se houver, atingirá o Primeiro Ministro, Paolo Gentiloni, que governa com o apoio de uma coalisão que tem no Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, sua maior força.

Apesar dos anos de crise e austeridade, a Itália vem saindo da recessão e a economia vem evidenciando um crescimento significativo para padrões europeus. Dessa forma, é equivocado imaginar que a retomada econômica não tenha sido resultado de programas e ações governamentais, como alguns imaginam. As eleições não se realizam, portanto, em meio a um cenário de fracasso irreversível do governo de turno. E, mesmo com as divisões políticas, com as quais os italianos convivem há décadas, não se pode dizer que a população espera que o melhor é não haver governo algum. Esse é um raciocínio hipócrita e calcado numa visão estereotipada dos italianos de que, em seu momento, Mussolini se aproveitou, ao afirmar que “governar os italianos não era impossível, era inútil”.

Estas eleições se realizam num cenário novo do ponto de vista institucional em razão da nova lei eleitoral que reintroduziu a proporcionalidade no sistema eleitoral. Isso pode dar ensejo a uma alteração no perfil da democracia italiana, que passaria a ser uma “democracia de partidos” e não apenas de líderes, ainda que haja necessariamente uma combinação entre essas duas dimensões. Com essa mudança aumentou a fragmentação partidária e a competição eleitoral, com a necessidade da formação de coalizões relativamente autônomas com vistas à formação do futuro governo.

Em função dessas mudanças e de outras que já estavam em curso, houve um significativo realinhamento de forças políticas. A maior novidade foi a consolidação do Movimento 5 Estrelas (M5S), criado pelo cômico Beppe Grillo, em 2009, e que hoje se afirma como o maior partido isoladamente, com aproximadamente 28% do eleitorado, de acordo com as pesquisas. Trata-se de um partido-movimento que nasce na vaga da antipolítica que vicejou nos últimos anos na Europa e no mundo. A contestação e o antagonismo a todo sistema político acabaram por fixar no M5S uma política antialiancista que pode inviabilizá-lo como força política capaz de formar governo. A não ser que cometa um “estelionato eleitoral” e se proponha a governar com algum partido de extrema-direita, como a Liga Norte, que compartilha das mesmas críticas maximalistas contra o sistema político.

Sem ter um partido que ultrapasse o percentual de 20% do eleitorado, a centro-direita italiana pode alcançar mais de 37% dos votos e se credenciar para a formação do novo governo. Compõem a centro-direita a Forza Italia, de Silvio Berlusconi mais a extrema-direita representada tanto pela Liga Norte quanto pelos Fratelli di Italia, expressões do renascimento do fascismo na Itália de hoje. A centro-direita parece ser uma união de fachada, sem organicidade programática e muito flutuante. Se a marca de neoliberista, de eficiência, empreendedorismo, elitismo, mais europeísmo são características fortes de Berlusconi, esses temas tocam pouco aos extremistas de direita que buscam empurrá-lo para temas anti-imigração e um nacionalismo fora de contexto. Com suas divisões reais, a centro-direita também terá dificuldades em formar governo depois das eleições, mesmo porque não atingirá o quórum necessário para não precisar do apoio de mais nenhum outro partido.

Por fim, a centro-esquerda comandada pelo PD. Não há dúvida que o PD passa por momentos muito difíceis eleitoralmente. É fiador de um governo relativamente exitoso, mas que não se envolveu diretamente na campanha em favor do partido (há que se considerar que a votação na Itália é tanto por partido quanto por lista e nomes). Desta forma, a identificação entre os êxitos do governo e o PD ficou rarefeita. Nas pesquisas, a sua votação se fixa em torno de 22%, disputando com o M5S o lugar de primeiro partido. No entanto, o PD conseguiu formar uma coalizão com pequenos partidos e movimentos que, segundo as previsões, deve elevar a votação da centro-esquerda a 27 ou 28%. Não fosse a fratura sofrida pelo partido, com a saída de líderes pós-comunistas, como Massimo D’Alema, Bersani, dentre outros, para formarem uma coalisão denominada Liberi e Uguali, que deve atingir por volta de 5 a 6%, a esquerda italiana estaria disputando a liderança da eleição com a direita.

Dividida em três polos, as forças políticas da Itália muito dificilmente terão condições para formar um novo governo nascido das eleições de 04 de março. O líder do PD, Matteo Renzi, afirma que jamais formará um governo com M5S e/ou Berlusconi. Este, por sua vez, não pode assumir o posto de Primeiro Ministro, por questões jurídicas: ainda está cumprindo pena de exclusão da vida pública. Terá problemas se indicar Matteo Salvini, da Liga Norte, para o comando do governo, na medida que não poderá controla-lo. Luigi Di Maio, líder do M5S anuncia na imprensa os ministros de seu possível governo, mas não diz como conseguirá a assunção ao poder.

Tudo isso significa que não há a mínima possibilidade de se propor qualquer transversalidade programática entre as principais forças políticas na Itália ou pelo menos entre algumas delas. O resultado será a indefinição e uma nova convocação ao eleitorado.

Mas, há hipóteses em circulação. Uma delas, de difícil realização: uma possível aliança entre o PD de Renzi e Forza Italia de Berlusconi, para um governo de transição visando novas eleições daqui a um ano. Outra hipótese, mais plausível, é a de um novo período para Paolo Gentiloni, ainda indefinido, com consentimento tácito do Parlamento, na medida em que o atual Primeiro ministro pode figurar acima dos impasses eleitorais e compor um novo gabinete que pode continuar dando respostas efetivas à população. Uma saída que é também um paradoxo: Gentiloni não disputou as eleições, mas as venceria. É útil ficar atento à política italiana. Ao menos nos estimula a tentar compreender a complexidade.

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Alberto Aggio é professor titular de História da Unesp/Franca.

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