Desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu um "choque de energia barata" para reindustrializar o país, reduzindo em até 50% o custo do gás natural como insumo, formou-se grande expectativa no setor produtivo em torno de eventuais medidas do governo para quebrar o "monopólio" da Petrobras. A simples iniciativa de colocar o assunto em pauta é muito bem vinda, pois realmente necessária, mas convém calibrar as expectativas.
Deve-se lembrar, antes de mais nada, o contexto das discussões. Com o pré-sal, a oferta de gás associado ao petróleo no Brasil deve saltar dos atuais 65 milhões para 150 milhões de metros cúbicos por dia, em um período de dez anos. Guedes está convencido de que surge, assim, uma chance de repetir-se por aqui o mesmo ganho de competitividade vivido pela indústria americana com o desenvolvimento do "shale gas". Para dar vazão à oferta, é preciso criar demanda - hoje inexistente por causa dos altos preços no país. A indústria brasileira paga mais de US$ 12 por milhão de BTU (unidade térmica britânica e referência no setor), excluindo impostos, na Ásia o custo fica em US$ 10 e US$ 7 na Europa. Nos Estados Unidos, com o gás de xisto, gira em torno de US$ 4.
Para criar demanda, é preciso rever o papel da Petrobras. Ela produz 75% do gás no país, mas é a única fornecedora relevante do mercado, já que gigantes como Shell e Repsol, sócias da brasileira na exploração do pré-sal, vendem suas parcelas à própria estatal por dificuldades de acesso à infraestrutura de dutos. A Petrobras detém ainda fatia de 100% do tratamento, 95% da comercialização e 60% no transporte de gás - além de participação acionária em 19 concessionárias estaduais de gás canalizado.
O ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni, professor da Fundação Getúlio Vargas e incumbido pelo ministro de confeccionar um plano para o gás, tratou de afastar o clima de triunfo que começava a instalar-se. "Não é um pacote", explicou. "É um processo de desregulamentação, que acompanha o aumento da oferta, sem canetadas e artificialismos. Eu acredito no mercado".
O roteiro traçado por Langoni, com a ajuda de especialistas como Marco Tavares e João Carlos de Luca, passa pela assinatura de termos de ajuste de conduta da Petrobras com a ANP e com o Cade. A estatal declinaria da exclusividade no uso de gasodutos de transporte, aceitaria um novo sistema tarifário que viabilize o acesso de terceiros e se comprometeria a vender 100% de sua participação nas distribuidoras estaduais.
Paralelamente, a renovação antecipada das concessões de distribuidoras e o socorro financeiro para Estados endividados dariam ao governo a possibilidade de exigir a harmonização de normas e o fomento à figura do consumidor livre.
São ações ousadas, com potencial para transformar o mercado e despertar projetos industriais adormecidos à espera de melhores condições, principalmente dos preços da energia. Onde o gás é matéria-prima, essa tração pode ser ainda maior - setores como siderurgia, petroquímica, alumínio e fertilizantes são bons exemplos. Trata-se, em última instância, de não usar as riquezas do pré-sal como mera commodity de exportação, mas como motor para um processo de reindustrialização.
Os otimistas quanto à concretização do plano dirão que o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, um liberal alinhado com o ministro da Economia, aceitará enxugar a participação da estatal no mercado. Castello Branco acredita que é ineficiente deixar a empresa com o peso de um mamute e que ela deveria se concentrar em sua especialidade: exploração e produção. Nessa linha, um acordo com o Cade serviria como álibi para enfrentar resistências corporativas.
Em documento apresentado ao governo, a Petrobras mostrou que até aceita falar em abertura - mas para que mesmo trabalhar com senso de urgência? Ela sugeriu um cronograma de quatro anos e a criação de uma subsidiária integral, o Gestor Independente do Mercado de Gás (GIMG), uma espécie de ONS do setor. Ou seja, até 2022, quer ter acesso a todos os contratos e tarifas praticadas por seus concorrentes, contrariando o espírito de concorrência que se pretende imprimir.
Além disso, renunciar voluntariamente a posições contratuais que lhe são vantajosas - essência do compromisso no Cade - pode ser uma conduta interpretada pelos acionistas minoritários como lesiva aos interesses financeiros da Petrobras. Como se vê, ainda sobram dúvidas e incertezas sobre os efeitos do plano para uma redução efetiva dos preços.
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