Por Malu Delgado | Valor Econômico
Apresentador aumenta rede de aliados, mas é visto com cautela no meio político
SÃO PAULO - A candidatura de Luciano Huck à Presidência da República é um caminho possível para 2022, mas são muitas as baldeações no trajeto. A viabilidade da candidatura é escrutinada em constantes pesquisas de intenção de votos encomendadas por seus apoiadores, que são categóricos: nenhum passo objetivo será dado antes de 2021 e, até lá, todas as variáveis estão no radar: o protagonismo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso, é uma incógnita; o ministro Sergio Moro pode ser candidato; o próprio Huck pode declinar, como fez em 2018; a economia pode propiciar um gás inesperado à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Nessas sondagens feitas para consumo interno, Huck já aparece com intenção de votos superior a Ciro Gomes (PDT), que terminou em terceiro na eleição de 2018. Há amostragens qualitativas que deixam os entusiastas da candidatura animados: entre cada cinco eleitores de Lula, três admitem votar em Huck, ou seja, é flagrante a entrada do apresentador nas classes C e D simpatizantes do lulismo. A viabilidade eleitoral de Huck funciona como ímã para várias forças políticas. O apresentador não admite a candidatura e, diante de sua alta exposição nos últimos meses, está mais recolhido. Ao Valor, Huck alegou que, com uma agenda atribulada, preferia não conceder entrevista no momento.
Enquanto concilia sua atividade profissional com o que seus apoiadores chamam de espírito cívico, Huck intensifica contatos políticos com lideranças de centro-direita, tendo aliados no DEM, mas está impelido a buscar também pontes com figuras da esquerda abertas ao diálogo.
O que é inegável, no momento, é que Huck amplia a sua influência para esboçar políticas públicas que poderão constar num programa de governo. O estímulo mais imediato para uma candidatura partiu de fundadores do Agora, movimento político suprapartidário ao qual Huck aderiu em 2017, mas há simpatizantes e apoiadores em outros movimentos sociais recém criados, como o RenovaBR e parte do Livres e Acredito.
Está em curso a reorganização de um campo que vai da centro-esquerda até uma visão liberal reformista”
— Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo
Interlocutor frequente de Huck, o cientista político e cofundador do Agora Leandro Machado diz que o apresentador encontra no grupo um canal de debate sobre questões relevantes do país, como educação e segurança, mas isso não significa que ali esteja se gestando o plano de governo de uma eventual candidatura ao Planalto. Machado questiona os interesses de partidos que, vendo em Huck um nome competitivo, se aproximam dele. “É ele se aproximando ou é o DEM e o PSDB que se aproximam dele?”, pergunta.
O empresário Eduardo Mufarej, criador do RenovaBR, é um dos maiores entusiastas da candidatura. Procurado pelo Valor, também preferiu não falar sobre o assunto. Se, por um lado, o apoio de movimentos é um gás para a candidatura, por outro, a antecipação da disputa deixa integrantes dos mesmos movimentos, que não querem se associar a partidos, mas a ideias, reticentes e ressabiados.
Fontes confirmaram ao Valor que Huck já pediu ajuda para conhecer mais profundamente alguns políticos da esquerda. Se o diálogo com o PT parece impossível, outras pontes vem sendo construídas. Um nome que está no radar do apresentador, por exemplo, é o do governador do Maranhão, Flávio Dino. Hoje no PC do B, Dino dá sinais de que se prepara para uma disputa presidencial, possivelmente no PSB.
“Antes de olhar para 2022 precisamos olhar o que dá para fazer numa caminhada positiva que diminua o sofrimento da população brasileira”, disse ao Valor o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, hoje o principal conselheiro político de Huck. Em 2018, apresentado ao possível candidato pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Hartung chegou a ser sondado para vice, caso a empreitada fosse levada adiante. A primeira conversa por e-mail mais longa entre Armínio e Huck data de fevereiro de 2018.
“O que precisa ser reorganizado no país, e para a minha alegria isso está em curso, com muitas conversas e boa interlocução, é um campo político que vai do pensamento de centro-esquerda, que tem muita sensibilidade para os gravíssimos problemas sociais do país, até uma visão liberal reformista, que trabalha a ideia de modernização da economia, melhorar o ambiente de negócios, de dar segurança jurídica para quem quer trabalhar, gerar empregos, gerar oportunidades”, define Hartung. "Esse campo começa a dar passos de diálogo e a olhar para ajudar o país a sair dessa encrenca que entrou”, diz.
Não sou político, mas acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo”
— Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central
Neste esforço contínuo de diálogo, o ex-governador trabalha para levar Dino ainda neste ano a uma conversa na Casa das Garças, no Rio, um espaço de debates sócio-econômicos identificado como reduto do pensamento tucano. Hartung também teve conversas recentes com o governador da Bahia, Rui Costa (PT). Os governadores de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), e do Ceará, Camilo Santana (PT), são outros interlocutores frequentes da esquerda com esse centro “liberal progressista”, como Hartung tem definido.
A aproximação com a centro-esquerda é pragmática e interessa aos dois lados: caso se desenhe, no futuro, um segundo turno que tenha em um dos polos a direita, como o presidente Jair Bolsonaro, essas outras forças pretendem traçar, desde agora, condições de diálogo para evitar o que ocorreu em 2018, quando o petista Fernando Haddad não conseguiu construir pontes ao centro e foi derrotado.
O apresentador tem, entre seus conselheiros políticos, também a ala mais jovem do DEM. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia é figura frequente em jantares promovidos por Huck ou por seus aliados. Há também grande proximidade do apresentador com o ex-ministro da Educação José Mendonça Filho, que Huck conheceu numa das viagens profissionais a Pernambuco no início dos anos 2000, quando Mendoncinha, como é chamado pelos amigos e correligionários, era vice-governador. Mendoncinha, hoje, frequenta a casa de Huck e o considera um amigo. Símbolo da renovação geracional do DEM, o presidente da sigla, ACM Neto, prefeito de Salvador, é outro político que Huck respeita e escuta.
Nenhum político experiente que endossa a candidatura de Huck fala abertamente sobre o assunto. Um integrante do DEM admite, reservadamente, que o partido está com o pé em três canoas e que a fase atual é delicadíssima. “É uma missão possível construir uma candidatura ao centro, liberal democrática, menos ortodoxa, distante dos polos. Mas de um lado tem a hegemonia petista e, do outro, a bolsonarista. Penetrar nesse meio todo não é fácil.” Parte do DEM, segundo esse político, tem simpatia por Huck, mas também por João Doria, e há ainda os três ministros do partido no governo Bolsonaro. “O diálogo com esses três vai existir no DEM. Bolsonaro é detentor de capital político bastante elevado. Tirar isso dele não é simples”, diz essa fonte.
Recentemente, Huck foi aconselhado a não citar o nome de Bolsonaro em suas palestras. Quando afirmou, num evento em Vila Velha, em agosto, que Bolsonaro era o último capítulo de uma história que não deu certo, Huck e seus apoiadores perceberam o tamanho do estrago que o fã-clube bolsonarista pode provocar em reputações. O próprio Huck confidenciou a um interlocutor que Bolsonaro lhe dará dor de cabeça. A estratégia, agora, é defender as iniciativas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e estimular ações no Congresso, com o aval e a articulação direta de Rodrigo Maia, para que o máximo de reformas possam avançar neste governo.
A linha do discurso de Huck numa eventual campanha já está delineada e há até definição dos cinco eixos centrais que ele deve explorar: desigualdade social, sustentabilidade, educação, saúde e segurança pública. Para cada um desses eixos, conversas têm sido articuladas com especialistas em cada um desses setores.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga apresentou Huck aos economistas Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Ricardo Paes de Barros, que também é do Instituto Ayrton Senna e conselheiro do Livres. PB, como é conhecido, foi o principal formulador do Bolsa Família e é hoje a maior referência no país para elaboração de políticas públicas com base em dados e evidências. Esses profissionais estão incumbidos de subsidiar debates sobre desigualdade e macroeconomia.
As conversas sobre desigualdade começaram no Agora, em 2017, quando o advogado Beto Vasconcelos, alinhado a governos do PT, e o cientista social Humberto Laudares, simpático a governos tucanos, fizeram a cabeça de Huck sobre aspectos estruturais do problema. Foi ali que Huck ouviu sobre a dificuldade de endereçar publicamente o problema já que ele faz parte da elite super rica do Brasil.
Definindo-se como liberal progressista, Armínio Fraga diz que o debate sobre desigualdade é imprescindível num país como o Brasil. “Eu não sou político, mas realmente acho que o Luciano não tem que ficar na linha de frente da política. É muito cedo, não faz sentido. Ele pode aprender, influenciar onde puder, e mais para a frente ele pensa nisso”, diz Armínio Fraga. O ex-presidente do BC admite que “Luciano está mordido pelos assuntos públicos há muito tempo, e ele deve continuar fazendo isso”, sem ter 2022 como foco. “Ele tem uma cabeça muito prática: esse é o problema, quero entender, como fazer para melhorar.”
Na área de segurança pública, por exemplo, Huck conta com Ilona Szabó e Melina Risso, ambas cofundadoras do Agora e com atuação nessa área e interfaces no terceiro setor.
Se lá na frente o cavalo continuar arreado, uma saída é Huck se filiar ao partido Cidadania, o antigo PPS, comandado por Roberto Freire. A hipótese, admite Freire, foi discutida em 2018 e ainda está no radar. “O Cidadania ficaria muito gratificado se ele decidir ser candidato e se integrar ao partido. Só que isso não vai acontecer nem tão cedo, nada agora vai ser decidido. Se isso vier a se concretizar, não tenho dúvida: vamos ser protagonistas em 2022”, afirma o ex-deputado da Constituinte. (Colaborou Cristian Klein, do Rio)
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