Cronograma
de vacinação está sob o risco de não ser cumprido
“Essa pode ser uma guerra sem fim”, disse o
ministro da Economia, Paulo Guedes ontem, durante debate na Comissão Temporária
da Covid-19 do Senado. Uma aparente frase solta no ar tem hoje mais fundamento
do que parece. Os especialistas da área avaliam que a vacinação contra a
covid-19 terá que ser anual e que esse tende a ser o maior gasto do governo com
medicamentos, contra a doença e suas mutações. O setor de saúde passará a ser
estratégico no mundo. “Temos que nos preparar para uma batalha de fôlego
longo”, disse um especialista da área.
Nesse contexto, o Brasil deveria ser um dos grandes players globais, abrindo a produção de vacinas para o setor privado. Hoje, 99% das vacinas é do Ministério da Saúde. Pelos menos dois laboratórios, além das instituições públicas Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e o Instituto Butantan, tentaram entrar, mas suspeita-se que faltou apoio do governo federal. São eles a Funeb, de Minas Gerais, que começou uma conversa com a chinesa Sinofarma, que não prosperou; e o laboratório Tecpar, do Paraná, que teve contato com a produção da Sputnik V, russa, mas também não chegou a um termo. A União Química, no Distrito Federal, é, atualmente, a única empresa privada que está produzindo vacina (Sputnik V).
É
bastante provável que as autoridades do Ministério da Saúde tenham privilegiado
a produção da vacina pela Fiocruz porque o preço é muito mais atraente do que o
das demais. Cada dose da AstraZeneca custa em torno de R$ 10,00, enquanto as
demais rondam a casa dos R$ 50,00, sendo que a Coronavac, do Butantan, custa R$
58,00 a dose. A vacina mais cara, porém, é a que não existe.
Guedes
admite que pode ter sido uma grande “ilusão” acreditar, no fim do ano passado,
que a guerra contra a pandemia estava ganha. “Não foi má-fé”, sublinhou ele.
Veio a nova cepa, e a saída, agora, “é a vacinação em massa, aceleradamente.
Temos que buscar vacina onde tiver”, disse o ministro. Ele adiantou que poderá
isentar de impostos as vacinas importadas pelo setor privado. Nas contas dele,
se o governo conseguir vacinar 1 milhão de pessoas por dia, em 60 dias o país
poderá vislumbrar “um novo horizonte”.
Nesse
aspecto, ele está totalmente de acordo com a carta dos economistas e
banqueiros, divulgada no domingo como um grito de alerta pelo agravamento da
pandemia, que já contabiliza mais de 300 mil mortos em um ano. “Acelerar a
vacinação, estou de acordo. Usar máscaras, eu uso sempre. Distanciamento
social? Estou há um ano sem ir ao Rio de Janeiro, onde moro! Ação coordenada?
Propus a criação do Conselho da República, com a participação dos três Poderes,
em 2019”. A carta tinha como alvo o chefe do governo que, esta semana, virou a
chave, e tornou-se defensor intransigente da vacinação, junto com um
“tratamento precoce”, do qual Jair Bolsonaro ainda não desistiu, mesmo não
tendo qualquer comprovação de que funciona.
Da
parte do Ministério da Economia, “já temos todo o protocolo para ser disparado
em sequência nessa nova onda”, salientou Guedes. Aprovado o Orçamento da União
para este ano, o governo vai antecipar os pagamentos de benefícios aos
aposentados e pensionistas, em um valor total de R$ 50 bilhões. Mais R$ 27
bilhões de diferimento do pagamento do Simples e outros R$ 44 bilhões de
auxilio emergencial. São dezenas de bilhões que o setor público deixa de tirar
do setor privado e que deve servir para manter os sinais vitais da economia
funcionando. Soma-se a isso a reedição de programas de financiamento às
empresas como o Pronampe, destinado às pequenas e médias companhias, e o
Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que são
medidas já praticamente prontas para serem editadas.
O
ministro apresentou, também, uma proposta que não é nova mas que está com mais
detalhes. Ele disse que gostaria de pegar um patrimônio estatal estimado em R$
1,3 trilhão que se diz que é do povo brasileiro e entregar uma parte dos
dividendos que esse patrimônio gera para os mais pobres. O formato seria
mediante a criação de um Fundo Brasil, que receberia, também, uma parcela das
receitas das privatizações de empresas públicas. Esses recursos seriam
divididos em quatro partes: uma iria para o Renda Brasil, programa de renda
mínima que foi discutido no ano passado, mas que Bolsonaro engavetou por tempo
indeterminado; outra parte seria destinada ao abatimento da dívida pública; uma
terceira parcela iria para renegociar a dívida dos Estados. O diferencial desse
Fundo, porém, seria o de também pagar dividendos para os mais pobres. “Imagina
uma pessoa que recebe R$ 250 por mês no fim do ano receber uma bolada de R$ 40
mil!”, disse ele, a título de dividendos pagos pelo conjunto dos ativos
estatais. Este seria, sem dúvida, um melhor uso dos recursos públicos do que
hoje, quando as empresas estatais são tomadas pela classe política para atender
aos seus anseios eleitorais, quando não meramente financeiros.
O fato é que a demanda por vacinas no mundo, hoje, é muito superior à oferta. A cadeia de produção é complexa, pois os que produzem vacinas também produzem os demais equipamentos, oxigênio, respiradores e etc. Diante disso, há o sério temor de que não haja mais as condições objetivas para cumprir o cronograma de vacinação que o governo, agora, gostaria de implementar. Por enquanto, o cronograma é mais uma torcida do governo do que uma segurança.
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