Houve
uma mudança na correlação de forças políticas e sociais em decorrência do
agravamento da crise sanitária e das complicações do cenário econômico
O presidente Jair Bolsonaro nem desconfia de que o saldo macabro da pandemia da covid-19 no Brasil, que já passa dos 300 mil mortos, é todo dele. Não há mais com quem dividir essa conta. A tentativa de responsabilizar governadores e prefeitos fracassou. Os militares, com a saída do general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde, estão se livrando da mala sem alça. A tentativa de jogar nas costas do Congresso o que ainda vem pela frente (estima-se que podemos chegar a 500 mil mortos) não colou. Muito pelo contrário, está provocando um deslocamento perigoso dos políticos do Centrão, cuja solidariedade desprezou, ao descartar a indicação da médica goiana Ludhmila Hajjar e nomear Marcelo Queiroga.
Houve
uma mudança na correlação de forças políticas e sociais em decorrência do
agravamento da crise sanitária e das complicações do cenário econômico. Os
grandes empresários responsabilizam o presidente da República, sabem onde foi
que o Brasil perdeu o rumo na crise sanitária e na recessão econômica. Os
políticos estão sendo cobrados pelo apoio aos desatinos de Bolsonaro, dentro de
casa, nas ruas, nas redes sociais. Os políticos do Centrão são especialistas na
interlocução dos interesses econômicos com o mundo político, fazem isso com
maestria no Congresso. Suas relações com o governo federal não se restringem
apenas ao empreguismo e fisiologismo, passam pela intermediação dos grandes
interesses privados com as políticas públicas do governo.
A
fissura entre o bolsonarismo raiz e os principais aliados de Bolsonaro —
militares, empresários e políticos — está se aprofundando. O general Pazuello
foi defenestrado sem choro nem vela nas casernas, saiu atirando nos políticos.
O ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Neto, que opera em silêncio a
máquina administrativa, foi parar no estaleiro por causa do estresse. A panela
de pressão do mercado financeiro está apitando, com a alta da taxa Selic pelo
Banco Central (BC). A indústria está dando férias coletivas porque não vale a
pena manter a produção com tantos trabalhadores adoecendo. Daqui a pouco, o
agronegócio terá dificuldades para exportar, principalmente a proteína animal,
porque o Brasil virou um risco sanitário mundial.
Outro
que está escavando a fissura é o ministro da Economia, Paulo Guedes. Comprou
uma briga desnecessário a com o economista Felipe Salto, diretor do Instituto
Fiscal Independente (IFI) do Senado, por causa das análises dos economistas da
instituição sobre a situação fiscal do país. Irresponsabilidade fiscal dá em
impeachment. Paulo Guedes vive numa eterna fuga para a frente, administra uma
economia de guerra e promete recuperação econômica. Entretanto não consegue
aprovar as reformas administrativa e tributária, nem avança nas privatizações.
Vende, mas não entrega a mercadoria.
A
representação dos políticos não deve ser subestimada. Mesmo quando impera o
cretinismo parlamentar — ou seja, quando os políticos se descolam dos
interesses que os levaram ao Congresso —, existe uma linha tênue no horizonte,
que se transforma em terra firme. Em meio à tempestade da pandemia, os
políticos não desistem de chegar ao porto seguro nas eleições. A nau capitânia
está à matroca; a flotilha, não.
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