quarta-feira, 24 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A necessidade de ação conjunta – Opinião / O Estado de S. Paulo

O coronavírus é o grande beneficiário dessa falta de coordenação entre os entes federativos na definição de políticas públicas

Os governadores de São Paulo e Rio de Janeiro e os prefeitos das respectivas capitais – mas não só eles – demonstraram há poucos dias uma perigosa dissonância quanto às medidas a serem adotadas em nível estadual e municipal para conter o vertiginoso crescimento dos casos e mortes por covid-19.

O coronavírus é o grande beneficiário dessa falta de coordenação entre os entes federativos na definição de políticas públicas locais com o objetivo de frear a disseminação descontrolada do patógeno. O desencontro de ações governamentais é especialmente grave no momento em que o País atravessa a fase mais dramática da pandemia, com hospitais à beira do colapso, falta de insumos básicos para um bom atendimento médico e predomínio de contaminação por uma cepa mais contagiosa. O resultado é uma média móvel de mortes diárias por covid-19 superior a 2 mil.

No Estado de São Paulo, são 483 mortos por dia, em média. No Rio de Janeiro, 121. Os atuais patamares de média móvel de mortes diárias representam crescimentos de 62% e 31%, respectivamente, em relação à semana anterior. Ou seja, o momento impõe soma de esforços. Sem o acerto entre o governador paulista, João Doria, e o prefeito da capital, Bruno Covas, a tendência é de piora, não de melhora dos indicadores. O mesmo pode ser dito sobre as diferenças entre o governador fluminense, Cláudio Castro, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes.

No caso de São Paulo, Doria não gostou de não ter sido previamente alertado por Covas sobre a decisão do prefeito de antecipar feriados de 2021 e 2022 como forma de aumentar o isolamento social na maior cidade do País. Uma decisão como essa de fato não deveria ser tomada sem levar em consideração os impactos que pode produzir nas cidades do interior e do litoral. Em boa hora, alguns prefeitos dessas regiões anunciam ações como fechamento da orla e do comércio não essencial, além da criação de bloqueios sanitários, como forma de evitar o afluxo de turistas oriundos da capital paulista.

No Rio de Janeiro, a situação é mais grave, pois disputas de natureza política contaminam ainda mais a definição das políticas de saúde pública. O governador Cláudio Castro é fiel aliado do presidente Jair Bolsonaro, ferrenho opositor de medidas que restringem a circulação de pessoas. Há dias, decretou um “superferiado” de dez dias no Estado, mas, ao mesmo tempo, autorizou que bares e restaurantes fiquem abertos até as 23 horas.

O prefeito Eduardo Paes, favorável ao endurecimento das medidas de isolamento nesta fase de recrudescimento da pandemia, batizou a decisão do governador fluminense de “Castrofolia”.

A hora é grave. Todos os que podem devem ficar em casa. Vidas dependem desse esforço individual, mas de inestimável benefício coletivo. É dever de governantes ciosos de sua grande responsabilidade, em todos os níveis, estimular o cuidado com a população, seja o individual, seja o zelo com o bem-estar coletivo.

Há quase um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu – e reiterou o entendimento em diferentes julgamentos posteriores – que a Constituição estabelece competência concorrente entre União, Estados e municípios para definição das ações de combate à pandemia. Mas uma coisa é a autonomia dos governadores e prefeitos para decidir que medidas melhor protegem a saúde de seus governados. Outra, bem diferente, é lançar mão da faculdade para, ao fim e ao cabo, anular esforços de entes contíguos.

Uma pandemia, por óbvio, desconhece as circunscrições geográficas. Para ser debelada, é impositiva uma conjugação de esforços, inclusive em nível transnacional.

Além disso, o STF tomou a decisão que tomou imbuído do espírito de preservação da vida, um bem protegido pela Lei Maior. Ao reconhecer a competência concorrente dos entes federativos, a Corte não deu carta branca para que os governantes decidam de modo a pôr em risco direitos assegurados pela Constituição, entre eles a inviolabilidade da vida. Todos os níveis de governo devem agir em harmonioso acordo visando unicamente à saúde pública.

Veto inconsequente – Opinião / O Estado de S. Paulo

Bolsonaro veta projeto de interconectividade das escolas públicas que beneficia alunos pobres

Em mais uma iniciativa desastrosa, que prejudica a formação e a emancipação intelectual dos segmentos mais pobres das novas gerações, o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de conectividade do ensino público. O projeto autorizava a União a repassar R$ 3,5 bilhões para as Secretarias da Educação, com o objetivo de assegurar acesso gratuito à internet para alunos e professores da rede pública de ensino básico, em decorrência da pandemia.

De autoria conjunta de 23 parlamentares, o projeto foi aprovado em dezembro pela Câmara, com base em parecer da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), e, em fevereiro, pelo Senado. Ele beneficiava alunos de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, num total de 18 milhões de crianças e jovens. Também favorecia alunos das escolas de comunidades indígenas e quilombolas e o professorado do ensino básico, num total de 1,5 milhão de docentes. O projeto previa ainda que os R$ 3,5 bilhões viriam do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. 

Para ter ideia da importância desse projeto, números do Instituto DataSenado revelam que, dos 56 milhões de crianças e jovens que estudavam no ensino básico e superior no auge da pandemia, em agosto de 2020, 32,4 milhões passaram a ter aulas remotas. Desse total, entre os alunos da rede pública que tinham aulas virtuais, 26% não tinham acesso à internet, por falta de condições financeiras de suas famílias. Outra pesquisa, esta promovida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, aponta que, em 2020, 28 milhões de domicílios não tinham internet. 

Ao justificar o veto, Bolsonaro apresentou três argumentos. Em primeiro lugar, alegou que o projeto não apresenta estimativa de impacto da ajuda financeira no Orçamento da União. Em segundo lugar, disse que ele aumenta a rigidez orçamentária, dificultando o cumprimento da meta fiscal. E, em terceiro lugar, afirmou que seu governo já “emprega esforços” para melhorar a contratação de internet de banda larga para escolas públicas. Essas informações, porém, constam expressamente do projeto.

Por isso, os argumentos usados por Bolsonaro com o objetivo de justificar o veto não passam de mera cortina de fumaça para ocultar suas reais intenções. Como é contra a política de isolamento social, crítico do fechamento das escolas e a favor da retomada imediata das atividades econômicas, o presidente não quis sancionar um projeto de iniciativa do Legislativo que buscava aprimorar o ensino virtual no momento em que a suspensão das aulas presenciais é defendida por especialistas para conter a pandemia. Além disso, o presidente, que se confronta com os governadores, não quer repassar recursos federais que beneficiem as populações de seus Estados. Entre o interesse público e seus interesses eleiçoeiros, Bolsonaro não hesitou. Mais absurdo ainda, o próprio Ministério da Educação (MEC), que nada fez para articular nacionalmente medidas emergenciais no ensino público desde a eclosão da pandemia, deixando Estados e municípios à própria sorte, endossou o veto, evidenciando a servilidade e a mediocridade daqueles que estão à frente da pasta. 

As consequências do veto de Bolsonaro são trágicas, uma vez que penalizam estudantes das famílias mais pobres. Como não têm acesso à internet e as aulas presenciais estão suspensas, eles não podem se beneficiar das aulas virtuais, o que comprometerá sua aprendizagem. Com isso, em vez de uma educação pública de qualidade e com equidade, como é dever do governo federal, o que se terá é o aumento da disparidade de capital humano nas próximas gerações, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. 

Para derrubar o veto de Bolsonaro são necessários, no mínimo, 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 no Senado. Diante dos efeitos desastrosos causados pela iniciativa do presidente, resta esperar que deputados e senadores façam o que deles se espera, decidindo em favor das novas gerações. 

Combinação auspiciosa – Opinião / O Estado de S. Paulo

Maioria já não se seduz com os discursos de Lula e de Bolsonaro sobre corrupção

A mais recente pesquisa do Datafolha, publicada no dia 22 passado, revelou que a maioria dos brasileiros está escolada e já não se deixa seduzir nem pela narrativa do ex-presidente Lula da Silva nem pela do presidente Jair Bolsonaro no que diz respeito à corrupção. É alvissareiro que os discursos falaciosos de um e de outro sobre tema tão presente no debate nacional, tido por muitos como uma das maiores mazelas do País, sejam recebidos com a devida desconfiança pela maior parte dos eleitores.

Como a pesquisa mostrou, Lula da Silva pode muito bem voltar aos palanques travestido de inocente, distorcer os fatos e mentir como poucos diante de um microfone, mas a maioria dos brasileiros já não cai na sua lábia. Logo após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter anulado as condenações do chefão petista na 13.ª Vara Federal de Curitiba por considerar aquele foro incompetente para julgá-lo – o que o tornou elegível –, Lula fez do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC um palco para alardear a versão de que fora “absolvido” pelo STF dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, o que é uma mentira. A anulação das sentenças de primeiro grau pelo ministro Fachin se deveu a uma questão de ordem estritamente processual, sem tratar da culpabilidade do ex-presidente.

Isto parece ter ficado claro mesmo para os que não são versados nas tecnicalidades do Direito Processual Penal. Para 57% dos entrevistados pelo Datafolha, as condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do sítio em Atibaia, entre outros, foram justas. Vale dizer, o chefão petista pode ter voltado a ser ficha limpa do ponto de vista estritamente eleitoral, mas, aos olhos da maioria dos brasileiros, Lula é considerado culpado pelos crimes de que fora acusado no âmbito da Operação Lava Jato. Para 38% dos entrevistados pelo Datafolha, as condenações do ex-presidente foram injustas; e 5% não souberam ou não quiseram responder.

O Datafolha também revelou um aumento significativo do porcentual de brasileiros que acreditam que os casos de corrupção vão aumentar no Brasil durante o governo Bolsonaro. Em abril de 2019, quatro meses após a posse do presidente, 40% dos entrevistados pelo instituto de pesquisa esperavam que a corrupção fosse aumentar no País sob o novo governo, ante os 35% que acreditavam que os casos iriam diminuir com Jair Bolsonaro na Presidência da República.

Quase dois anos depois, com o escândalo das “rachadinhas”, uma mansão de R$ 6 milhões, uma suspeita de tráfico de influência e uma genuflexão diante do altar do Centrão, subiu para 67% o porcentual dos que acreditam que a corrupção vai aumentar no Brasil, um salto de quase 30%. É muita coisa.

Ainda mais impressionante é a queda de 35% para 8% no número de brasileiros que acreditam que a corrupção vai diminuir no País enquanto Jair Bolsonaro estiver instalado no Palácio do Planalto. Como se vê, em apenas dois anos, a fantasia de caçador de corruptos vestida por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 já está bastante puída.

Por um lado, é muito positivo que a maioria dos eleitores se mostre refratária a discursos falaciosos na seara da corrupção, como os sustentados por Lula e por Bolsonaro. Por outro, é preocupante a percepção de aumento generalizado dos casos de corrupção no País, na medida em que abre perigoso espaço para a desqualificação da política como meio mais apropriado à concertação dos múltiplos interesses da sociedade. O Brasil paga até hoje a pesadíssima conta dos ataques indiscriminados à chamada “classe política” perpetrados, entre outros, por alguns membros do Ministério Público que se arvoraram em grandes purgadores da alma nacional. Deu no que deu.

O amadurecimento da percepção dos cidadãos sobre a corrupção deve ser acompanhado pelo republicanismo das instituições de controle, que, ao combater a corrupção, devem agir em total acordo com as leis e a Constituição. O País avançará muito com esta combinação auspiciosa.

Divididos sobre Lula – Opinião / Folha de S. Paulo

Datafolha indica que petista terá muita rejeição a superar se for candidato

A perspectiva de uma sexta candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva —e aqui não está contada a tentativa de 2018, barrada pela Justiça— divide o eleitorado.

Conforme a mais recente pesquisa Datafolha, 51% dos brasileiros aptos a votar consideram que o líder petista não deveria disputar o Planalto em 2022, mesmo com a anulação de suas condenações por corrupção. Aliás, 57% avaliam que foi justa a primeira delas, referente ao famoso tríplex de Guarujá (SP).

É notável que os números sejam muito semelhantes aos apurados três anos atrás, quando Lula havia sido condenado em segunda instância e rumava à inelegibilidade e à prisão. Tanto tempo e tanto desgaste da Lava Jato depois, a opinião dos eleitores sobre a culpa do ex-presidente pouco se alterou.

Da mesma forma, somam 47% os que hoje acham que ele deveria disputar a eleição, o mesmíssimo percentual verificado ao final de janeiro de 2018.

Naquela sondagem, 43% achavam injusta a condenação em segunda instância referente ao tríplex, ante 38% agora, quando a pergunta mencionou a sentença do ex-juiz Sergio Moro, declarado parcial nesta terça (23) pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal.

Se as cifras forem tomadas como um indicador das chances de Lula na corrida presidencial, parece evidente que o PT poderá estar mais uma vez no segundo turno —como ocorreu nos 5 últimos pleitos, 4 deles vencidos pela sigla.

Entretanto é igualmente clara a persistente rejeição ao petista em amplas fatias do eleitorado, o que tende a dificultar bastante sua tarefa numa eventual disputa contra apenas um adversário, mesmo que este venha a ser o também muito rejeitado Jair Bolsonaro.

Calcula-se que o ex-presidente, se de fato for liberado para concorrer, buscará aproximar-se do centro político com a moderação do discurso econômico, em movimento que já realizou com sucesso na vitória inaugural de 2002.

Não se trata de missão simples. A situação das finanças públicas é muito pior atualmente, o que exige compromisso com medidas duras e limita dramaticamente a margem para promessas de redenção social.

Contam a favor de Lula as políticas responsáveis que adotou em seu primeiro governo e os resultados que colheu, especialmente, no segundo. Sua capacidade de diálogo e negociação, ademais, faz contraste vistoso com a rispidez autoritária e estéril de Bolsonaro.

Mas na bagagem petista também se encontram, além dos inegáveis esquemas de corrupção, a satanização de adversários, a hostilidade à imprensa, o apoio a ditaduras de esquerda e, não menos importante, a ruína econômica promovida por Dilma Rousseff.

Uma revisão madura de todos esses tópicos seria proveitosa não apenas para o partido, mas para o próprio debate político nacional.

Fracasso latino-americano – Opinião / Folha de S. Paulo

Além do Brasil, Peru e México se destacam na tragédia provocada pela Covid-19

Dá bem a medida do descalabro causado pela Covid-19 na América Latina o fato de que, embora abrigue 8% da população mundial, a região registre 19% dos casos e assustadores 27% das mortes globais. Em números absolutos, são cerca de 750 mil óbitos e quase 24 milhões de casos confirmados.

No quadro geral desolador, um trio de países vem se destacando negativamente em âmbito global —México, Peru e Brasil. Não por acaso. Os três compartilham um enfrentamento débil e descoordenado da pandemia, seja pelo azar de contarem com lideranças negacionistas, seja pelo impacto de graves turbulências políticas.

No México, que tornou-se a terceira nação do mundo em quantidade de mortes, o presidente Andrés López Obrador passou meses minimizando a pandemia, furtando-se a decretar quarentenas mais rigorosas, afirmando que o país estava prestes a vencer a batalha contra o Sars-CoV-2 e recusando-se a endossar o uso de máscaras.

Já o Peru, um dos países com pior taxa de mortes por milhão, conta cinco ministros da Saúde desde o início da crise sanitária, fruto de um desarranjo político e institucional que já derrubou dois presidentes nos últimos seis meses.

O Brasil, epicentro atual da pandemia, registra novo recorde de mortes diárias, agora acima de 3.000, em meio à sabotagem do presidente, ao colapso dos hospitais e à tibieza do Ministério da Saúde.

O quadro continental é agravado pela morosidade da vacinação. A América Latina aplicou pouco mais de 6% das doses mundiais, e países como Equador, Colômbia, Bolívia e Paraguai imunizaram menos de 3% de seus cidadãos.

A exceção honrosa é o Chile, que já administrou ao menos uma dose do imunizante em quase metade da população, o que o coloca entre as cinco nações que mais vacinaram. A receita do sucesso é simples: contratos com as farmacêuticas fechados com antecedência, diversificação de fabricantes e sinergia dos entes políticos.

A combinação de vacinação lenta com alta disseminação do vírus observada hoje na América Latina, além de provocar milhares de mortes evitáveis, favorece ainda o surgimento de mutações mais contagiosas e letais do novo coronavírus —mais do que uma ameaça à região, um risco para todo o planeta.

É inaceitável adiar mais uma vez o Censo – Opinião / O Globo

O corte quase total da verba de R$ 2 bilhões para a realização do Censo do IBGE este ano, com a transferência dos recursos para emendas dos parlamentares, é simplesmente inaceitável. Desvia-se a verba da mais importante pesquisa demográfica do país, ferramenta essencial de planejamento, para financiar obras de interesse político, por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional. O relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), deixou para o instituto apenas R$ 240 milhões, sem considerar que o Censo de 2020 não foi realizado devido à pandemia. O apagão de dados demográficos poderá ser agravado.

O coronavírus não serve de argumento para atrasar mais uma vez o Censo. O IBGE vem debatendo com outras instituições no exterior as alternativas que a tecnologia oferece para fazer pesquisas censitárias remotas, por telefone ou internet, de modo a proteger a saúde de pesquisadores e pesquisados. A coleta presencial das informações é a preferida, mas é também possível fazê-la sem contato pessoal. É dessa maneira que o IBGE continua realizando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, que fornece informações como taxa de desemprego a cada fim de trimestre. Há todo um sistema de levantamento de dados já desenvolvido para evitar a suspensão da coleta de informações durante a pandemia.

É provável que muitos parlamentares não entendam a importância dos levantamentos demográficos. Em artigo publicado no GLOBO, a presidente do IBGE e seu diretor de pesquisa, Susana Cordeiro Guerra e Eduardo Rios-Neto, lembram que, além do valor essencial para qualquer pesquisa envolvendo políticas públicas, o Censo também tem um lado mais prático, de interesse direto dos políticos: é usado pela União para calcular os valores de seus repasses a estados e municípios.

Em 2019, do total de R$ 396 bilhões transferidos, R$ 251 bilhões, ou 65%, foram distribuídos tendo como base informações demográficas. À medida que o tempo passa, políticas públicas vão ficando descalibradas. Uma lei de 2019 congelou os coeficientes do Fundo de Participação de Municípios nos valores de 2018, à espera dos resultados do Censo de 2020. Os repasses, portanto, já não refletem com a mesma fidedignidade o perfil demográfico das cidades.

Oito ex-presidentes do IBGE — Edmar Bacha, Eduardo Nunes, Eduardo Augusto Guimarães, Edson Nunes, Eurico Borba, Sérgio Besserman, Simon Schwartzman e Silvio Minciotti — assinaram carta aberta contra o corte. Destacam os prejuízos na qualidade das transferências da União a estados e municípios, de políticas econômicas e programas sociais, como o Bolsa Família. Pedem que a Comissão Mista do Orçamento (CMO) “não deixe o país às cegas”. Como nosso último Censo foi em 2010, dizem, “o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra, que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais”.

Este é um péssimo momento para ampliar o apagão estatístico. Os dados do Censo serão fundamentais para ajudar a planejar as ações de atendimento às vítimas da pandemia. É inconcebível que o paroquialismo dos políticos prejudique a qualidade da informação e da gestão pública no Brasil.

Momento crítico da pandemia exige articulação entre esferas de poder – Opinião / O Globo

A desconcertante falta de coordenação entre os governos no combate à pandemia de Covid-19 no Brasil levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a fazer um alerta às autoridades do país. “O número de casos aumenta, o número de mortes aumenta. O Brasil tem de levar isso a sério, seja o governo ou o povo”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. “É um esforço conjunto de todos os atores que realmente reverterá a tendência de crescimento, que está muito rápida e se acelerando muito.”

A desarticulação entre as esferas de poder é flagrante. Não custa lembrar que o presidente Jair Bolsonaro acionou o Supremo contra o toque de recolher decretado pelos governadores da Bahia, Rui Costa; do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite — ação rejeitada ontem pelo ministro Marco Aurélio, como todos esperavam, inclusive o próprio governo. Ele viu na ação um “erro grosseiro”: não ter sido assinada pela Advocacia-Geral da União. Bolsonaro queria mesmo era marcar posição contra as restrições, eficazes para reduzir o contágio e, consequentemente, a pressão sobre a rede de saúde.

Fica difícil esperar ação coordenada entre Ministério da Saúde, estados e municípios se o próprio presidente Jair Bolsonaro não parece preocupado com isso. A troca do general Eduardo Pazuello pelo cardiologista Marcelo Queiroga na Saúde foi anunciada no dia 15 de março, mas Queiroga só tomou posse ontem, oito dias depois. Deixou um vácuo de poder de uma semana no momento mais crítico da pandemia, quando é fundamental diálogo permanente entre as esferas federal, estadual e municipal para resolver problemas urgentes, como falta de oxigênio ou remédios para entubação, cujos estoques estão em níveis críticos.

Falta também entendimento entre estados e municípios. O governador fluminense, Cláudio Castro, tem tido atritos com os prefeitos do Rio, Eduardo Paes, e de Niterói, Axel Grael, sobre as medidas de restrição. Depois das críticas de Paes, Castro autorizou que cidades adotem medidas mais restritivas que o estado. Em São Paulo, também houve curto-circuito entre o governador João Doria e o prefeito da capital, Bruno Covas. Doria disse que faltou bom senso à decisão de Covas de antecipar feriados sem acordo com prefeitos das cidades litorâneas.

Está claro que não se vencerá o vírus com bateção de cabeça. É sabido que o governo federal desde o início da pandemia abriu mão de exercer a liderança, fundamental para a coordenação. Foi o que levou estados e municípios, respaldados pelo STF, a tomar suas próprias decisões, cada um a seu jeito. A troca de ministro na Saúde pode ser uma oportunidade para estabelecer um mínimo de coordenação. Também no âmbito dos estados, é preciso haver consenso. Não faz sentido que cidades de uma mesma região metropolitana, que têm dinâmicas semelhantes, adotem medidas distintas para combater o vírus. Gestores deveriam entender que o momento é grave demais para dissensões.

Cresce a pressão por ações eficazes contra a pandemia – Opinião / Valor Econômico

Em uma questão crucial, de vida e morte, o atual ocupante do Planalto não está à altura do cargo

Perto de realizar uma reunião com os chefes dos Três Poderes e governadores, para talvez criar um tardio comitê de crise, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Supremo Tribunal Federal contra as medidas de lockdown definidas pelos Estados - negada ontem pelo STF - e fez comentários despropositados sobre “estado de sítio”. Na primeira PEC da calamidade pública já se propunha a criação de um comitê parecido, mas a ideia não prosperou porque Bolsonaro não tolera opiniões diferentes e quer mandar em tudo. Ainda que uma coordenação nacional seja crucial desde o início da pandemia - foi refutada com ênfase por atos e palavras do presidente - a criação do comitê parece agora uma forma de o governo federal continuar se esquivando de suas atribuições e dividir responsabilidades que eram primordialmente suas.

O presidente continua sendo abalroado pela realidade trágica de aceleração do número de casos diários - a caminho dos 3 mil - e de mortes - a algumas horas dos 300 mil -, o colapso das redes hospitalares e a iminência da falta de insumos mínimos essenciais para atender aos que buscam tratamento. Mais de 500 economistas, executivos e banqueiros endossaram um abaixo-assinado que contém um conjunto simples e de extremo bom senso de medidas para combater a pandemia - que já poderiam ter sido aplicadas há muito tempo. Empresários tentam angariar apoio no Legislativo para ampliar a rede de proteção social e acelerar o combate à pandemia.

O agravamento extremo do contágio exerce pressão sobre o Centrão, a base governista no Congresso, que emergiu em cena para sustentar um presidente amedrontado por possíveis processos de impeachment. É do interesse dos novos aliados de Bolsonaro que a pandemia seja contida, que a economia volte a crescer e que possam ter a parceria produtiva esperada com esta aliança. Bolsonaro, no entanto, tem posto tudo a perder.

Não é segredo que o presidente prefere ouvir seus familiares a qualquer outro conselho e desta vez não foi diferente. A escolha de Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde - ele finalmente tomou posse ontem - desagradou seus aliados políticos. Com apoio parlamentar, a cardiologista Ludhmila Hajjar recusou o posto e a esperança de colocar alguém dos partidos do Centrão morreu logo, com a indicação de Queiroga por Flavio Bolsonaro, aceita pelo pai.

Com a pressão social crescendo, o Centrão resolveu subir o tom com o Planalto para que ele faça a coisa certa, mas isto parece missão impossível. O negacionismo, disse ontem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tornou-se “uma brincadeira de mau gosto, macabra e medieval”. A reunião de amanhã deve definir até que ponto Bolsonaro está disposto a ceder em sua ativa campanha contra qualquer medida que possa conter a pandemia. Por outro lado, criar um comitê de coordenação contra a vontade, apenas para salvar as aparências, pode ser a melhor forma de impedi-lo de funcionar.

A carta dos economistas, sem citar o presidente, contempla esta possibilidade e a necessidade de formação de um organismo vivo de coordenação nacional, sem o Executivo, com a união entre governadores e cientistas. Suas tarefas e objetivos são simples. A recuperação econômica plena não ocorrerá enquanto a pandemia estiver descontrolada. “A vacinação em massa é a condição sine qua non para a recuperação e a redução dos óbitos”, registra a carta. É preciso campanhas públicas pelo distanciamento e uso de máscaras, e a decretação de lockdowns nacionais ou regionais caso sejam necessários. A falta de trabalho decorrente da paralisia das atividades econômicas por medidas de restrição precisa ser amparada por auxílio emergencial aos mais vulneráveis, pobres, e às pequenas e médias empresas.

A insatisfação social, revelada pelas ações empresariais nos bastidores e de economistas e executivos às claras, revela uma erosão adicional do cacife político de Bolsonaro. Ainda que as ações sejam claramente apartidárias - entre signatários e atores, há apoiadores do presidente - indicam que em uma questão crucial, de vida e morte, o atual ocupante do Planalto não está à altura do cargo. A agenda econômica, incompleta, desidratada e boicotada pelo presidente, pode, diante da tragédia da pandemia, tornar-se quase secundária diante do fracasso político de Bolsonaro. O poder de difusão deste desencanto terá um inequívoco peso eleitoral no futuro próximo.

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