Lira
e Pacheco comportam-se como reféns de uma dívida acidental com Jair Bolsonaro
Com
a pressão elevada pela carta de exortação
dos banqueiros e o apelo direto do empresariado paulista à
interferência dos presidentes da Câmara e
do Senado,
o presidente Jair Bolsonaro pode
estar entrando hoje numa nova onda. Participa de encontro com os presidentes dos três
Poderes, governadores e ministros para ser aconselhado
sobre a gestão da pandemia.
Todos sabem, trata-se de um faz de conta institucional, como se o presidente já não soubesse o que precisa fazer. Vá lá, serve o pretexto. Apostas na mesa sobre o resultado desta iniciativa:
Um.
Os financiadores de campanha abrem a Bolsonaro a brecha para abandonar os
delírios impostos pelo obscurantismo que move suas atitudes e assumir a
coordenação das soluções da crise de saúde pública com base na ciência e
eficiência.
Dois.
O presidente usa a reunião para promover um movimento circense destinado a
distrair a arquibancada e dar a impressão que faz alguma coisa com seu mandato
presidencial.
Três. Bolsonaro busca e encontra, no grupo, disposição para socialização do prejuízo e da impopularidade. Como de hábito, ouvirá uma coisa, fará outra e, diante das consequências trágicas, coletivizará as culpas.
O
histórico da personalidade do presidente manda jogar as fichas na terceira
opção.
Mas
só ele tem o comando executivo das soluções. Não é mais possível viver na
expectativa dos recuos de Bolsonaro, cujas mutações obedecem apenas às suas
conveniências pessoais e eleitorais.
O Supremo Tribunal
Federal, única instância que parece estar cuidando do
interesse da população aflita, submeteu o convite para o encontro ao seu
colegiado. Que o aprovou, desde que não haja conflito de interesse.
Ora,
é só o que há. Na reunião do Palácio
do Planalto, o presidente do STF poderá recomendar o isolamento
social para enfrentar o colapso hospitalar. Ao atravessar a praça, de volta ao
seu plenário, estará diante de ação de Jair Bolsonaro contra os que decretaram
o isolamento. Como ele fica?
O
ceticismo em torno deste Conselho se impõe. Parece haver uma só saída para
reinserir o Brasil na rota da humanidade nesta pandemia sem controle: a
intervenção objetiva, seja pelo afastamento do presidente da República, seja
por algum tipo de sobreposição às suas funções executivas.
A
qual instituição, senão ao Poder Legislativo, caberia esta função? Pode o
Congresso, no limite, tentar algo parcial, assumindo tarefas e deixando ao
presidente o papel de malabarista verbal nos encontros com sua claque, no
gradil do Alvorada.
Mas
há abertura para ir além disto. Se por ela optasse, o Brasil não precisaria
esperar mais dois anos, quem sabe seis, para se salvar.
O Congresso tem uma velha tradição
de astúcia em negociações de acordos. Estabelece um contrato de compra e venda
do varejo político que, um dia, a depender do objeto determinado, transforma-se
em cumplicidade dolosa.
Os
presidentes da Câmara e do Senado comportam-se como reféns de uma dívida
acidental com Jair Bolsonaro, contraída por ocasião de sua eleição. Sua
propalada independência tem sido pura ficção.
No
Senado, os pruridos da reciprocidade impedem que Rodrigo Pacheco instale a CPI
da pandemia, única medida capaz de conter, até pelo medo, os desmandos do governo.
Tem sido excessiva e injustificada a prudência do Poder Legislativo.
Na
Câmara, Arthur Lira já teria quitado sua fatura com a prioridade a um assunto
fisiológico, a PEC da impunidade parlamentar, e a surdez ao clamor contra a
entrega da presidência da CCJ ao governo, para ser exercida por uma parlamentar
extremista e investigada. Mas foi além, condenando ao esquecimento 50 pedidos
de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.
As abstenções, tanto quanto as ações, não permitem reconhecer que o Congresso esteja cumprindo sua parte na luta contra a pandemia.
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