Em pronunciamento, Bolsonaro mente sobre ações do governo na pandemia e agora diz que 2021 será o ano da vacinação
Presidente
adota tom diferente em pronunciamento de rádio e TV no dia em que Brasil
registra mais de 3.000 mortes pela Covid em 24 horas
Daniel
Carvalho e Gustavo Uribe / Folha de S. Paulo
"Estamos
fazendo e vamos fazer de 2021 o ano da vacinação dos brasileiros. Somos
incansáveis na luta contra o coronavírus", afirmou Bolsonaro, que
distorceu ações do governo durante o combate da pandemia e mentiu sobre a sua
atuação.
O
pronunciamento foi veiculado no dia em que, em
apenas 24 horas, 3.158 mortes por Covid-19 foram
registradas no país.
Apesar
do lento ritmo de vacinação, o presidente prometeu ainda imunizar toda a
população até o final de 2021. "Ao final do ano, teremos alcançado mais de
500 milhões de doses para vacinar toda a população. Muito em breve, retomaremos
nossa vida normal", afirmou.
Bolsonaro
repetiu o discurso de que, desde o começo da pandemia, há um ano, tem dito que
os desafios são dois, o vírus e o desemprego.
Ele
afirmou que "em nenhum momento, o governo deixou de tomar medidas
importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na
economia, que poderia gerar desemprego e fome".
O governo lançou uma série de medidas econômicas, mas Bolsonaro, durante os últimos 12 meses, minimizou a pandemia, provocou aglomerações, falou contra o uso de máscaras, brecou negociações de imunizantes e, por diversas vezes, manifestou-se contra as vacinas.
No
pronunciamento, o presidente afirmou ainda que o Brasil é o quinto país que
mais vacina no mundo e que mais de 32 milhões de doses foram distribuídas a
todos os estados "graças às ações que tomamos logo no início da
pandemia".
Se
considerarmos a taxa de vacinação por habitantes, o país está na 58ª posição,
segundo dados do projeto Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford.
Bolsonaro
ignorou ter acelerado as negociações para compra de imunizantes depois que o
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), começou a articular a compra da
chinesa Coronavac.
"Sempre
afirmei que adotaríamos qualquer vacina, desde que aprovada pela Anvisa. E
assim foi feito", afirmou Bolsonaro, omitindo que até mesmo sua principal
aposta, a vacina Oxford/AstraZeneca, foi contratada antes da aprovação pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O
presidente disse no pronunciamento que "em julho de 2020, assinamos um
acordo com a Universidade de Oxford para a produção, na Fiocruz, de 100 milhões
de doses da vacina AstraZeneca e liberamos, em agosto, R$ 1,9 bilhão".
A autorização
para o uso emergencial só foi concedida pela Anvisa em 17 de janeiro, junto
com a da Coronavac.
No
pronunciamento, Bolsonaro cita a adesão ao consórcio
Covax Facility, mas não menciona que, por opção do governo, foram
adquiridas doses para apenas 10% da população por meio da iniciativa.
Documentos
mostram que cada país poderia optar por doses para 20% da população ou mais.
O
presidente também afirmou que intercedeu pessoalmente junto a Pfizer para
antecipar o calendário de entrega de 100 milhões de doses.
Ele,
porém, não menciona que, como a Folha mostrou,
o governo
brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica que previa 70
milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, 3
milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses
distribuídas no país até o início de março.
O
pronunciamento foi gravado na tarde desta terça. É o primeiro sob a orientação
do almirante
Flávio Rocha como titular da Secom (Secretaria Especial de Comunicação
Social).
Apenas
em março, Bolsonaro cancelou três
pronunciamentos que faria na cadeia de rádio e televisão. Nesses
episódios, ele foi convencido a recuar diante da intenção de usar a cadeia
nacional para criticar medidas de restrição de deslocamento adotadas por
governadores e prefeitos.
Desde
o início do ano passado, quando o coronavírus começava a se espalhar pelo
mundo, Bolsonaro tem dado declarações nas quais busca minimizar os impactos da
pandemia da Covid-19, que já deixou 298.843 mortos no Brasil.
Ele
já usou as palavras
histeria e fantasia para classificar a reação da população e da imprensa à
pandemia. Tem criticado as medidas de isolamento
social no país e disse que os problemas precisam ser enfrentados pela
população.
“Nós
temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão
ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar,
obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai
parar o Brasil se nós pararmos?”, questionou no começo de março.
No
início deste ano, quando os números apontavam para novo avanço da Covid-19 no
país, Bolsonaro afirmou que o Brasil estava vivendo “um finalzinho de
pandemia”.
No
início do mês, o governo lançou o que ficou informalmente conhecido como "Plano
Vacina", uma tentativa
de guinada no discurso
contrário à vacinação que Bolsonaro, filhos e ministros vinham
sustentando.
A
iniciativa inclui uma campanha nacional de vacinação, que deve ser veiculada
ainda neste mês, com intuito de estimular a população a se informar sobre a
imunização de sua faixa etária. O material deve explorar a imagem do Zé
Gotinha.
Aos
66 anos, Bolsonaro também decidiu se vacinar quando chegar o momento de
imunização de sua faixa etária. Ele deve ser vacinado pelo recém-empossado
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, com uma dose da Oxford/AstraZeneca.
O
presidente entendeu que era preciso flexibilizar seu discurso radical diante da
queda de popularidade e da fuga de apoio nas redes
sociais, sua principal bússola.
Soma-se
a isso a volta
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à arena política. Em seu
primeiro discurso, o petista atacou a condução de Bolsonaro no enfrentamento da
pandemia.
Pesquisa
Datafolha apontou que 54% dos brasileiros veem a atuação de Jair
Bolsonaro como ruim ou péssima, um recorde de rejeição.
Além
de adotar uma retórica pró-vacina, Bolsonaro cedeu à pressão para sacar o
general Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde para dar o cargo a um médico, o
cardiologista Marcelo Queiroga, empossado nesta terça.
O
Palácio do Planalto espera que a mudança de ministro marque uma nova fase da
gestão, embora o próprio Bolsonaro lance uma dose de ceticismo sobre qualquer
mudança mais profunda já que mantém
as críticas a medidas de distanciamento social e a promoção de um ineficaz
tratamento precoce.
Bolsonaro
também foi surpreendido com uma fissura no apoio que ainda tem no empresariado.
No domingo (21), mais
de 500 economistas, banqueiros e empresários do país assinaram e divulgaram uma
carta aberta em que pedem medidas mais eficazes para o combate à
pandemia do novo coronavírus.
A
tudo isso soma-se a crescente insatisfação do centrão, que atualmente
representa a principal sustentação de Bolsonaro no Congresso.
O
mal-estar que começou com nomes
indicados pelo bloco sendo preteridos na escolha do novo ministro da
Saúde se agravou com a falta de ação do governo e o crescente número de mortos
pela Covid-19.
"Qualquer
pessoa responsável no Brasil não deve compactuar com a forma e a conduta que o
presidente Bolsonaro tratou essa maior crise sanitária da história do Brasil.
Infelizmente, o presidente foi irresponsável na condução da pandemia no
Brasil", disse o deputado Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE) em
entrevista à Rádio Jornal, do Recife.
Nesta
quarta-feira (24), Bolsonaro
receberá no Palácio da Alvorada os presidentes do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Supremo Tribunal Federal,
Luiz Fux.
Também
participam do encontro o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, ministros
do governo e alguns governadores que representarão cada uma das cinco regiões
do país.
A
ideia é discutir medidas de combate à pandemia do coronavírus. No Legislativo e
no Judiciário, porém, o gesto é visto com ceticismo.
A
intenção do presidente é usar o encontro para anunciar medidas de saúde que
envolvam todo o poder público, como a criação de um gabinete de emergência.
Esta é mais uma tentativa de reverter o derretimento de sua própria imagem.
Mas tanto integrantes do Congresso como do STF veem com ceticismo esta nova roupagem, já que Bolsonaro insiste em acenar para sua base radical e a atacar governadores e prefeitos que adotam medidas restritivas para tentar frear a disseminação do vírus.
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