Em
seu discurso na Cúpula do Clima, Jair Bolsonaro improvisou a redução de uma
meta ambiental que, na prática, nunca chegou a existir.
Até
ontem, o Brasil nunca havia se comprometido a neutralizar suas emissões de
carbono em 2060, como o presidente sugeriu em seu discurso. Na mais recente
manifestação formal sobre o tema, protocolada na Organização das Nações Unidas
em dezembro, o país apenas dá um “indicativo de longo prazo” de que poderia
chegar lá.
A
data de 2060 foi mencionada em um documento oficial de compromisso, conhecido
como NDC, protocolado 22 dias antes da data final para cada país entregar à ONU
sua lista quinquenal de compromissos contra o aquecimento global.
Nele, a diplomacia brasileira fixou metas numéricas para a redução da emissão de carbono até 2030 e indicou que, a continuar nesse ritmo, o país poderia chegar à neutralidade em 2060. A neutralização das emissões acontece quando o país emite apenas o volume de gases que provocam o efeito estufa equivalente ao que consegue retirar da atmosfera.
Na
ocasião, porém, os diplomatas fizeram um alerta que já antecipava o discurso de
Bolsonaro nesta Cúpula: “A definição final de qualquer estratégia de longo
prazo para o país, em particular o ano em que a neutralidade climática pode ser
alcançada, vai depender no entanto do bom funcionamento dos mecanismos
previstos no Acordo de Paris”. Traduzindo: pode ser ainda mais ousado no futuro
se o dinheiro prometido pelos países ricos chegar.
O
documento de dezembro também havia eliminado uma das metas mais relevantes
assumidas pelo Brasil em 2015, que Bolsonaro ontem resolveu ressuscitar: zerar
o desmatamento ilegal até 2030.
O
novo tom no discurso de Bolsonaro acontece num momento em que seu governo está
sob intensa pressão internacional para mudar a política ambiental. Vários
fatores pesam contra o Brasil.
Nos
dois anos de governo de Bolsonaro, o desmatamento cresceu e alcançou, em
2020, a maior devastação em 12 anos, segundo dados do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, sofre críticas e protestos de fiscais do Ibama e do ICMBio, ONGs,
lideranças indígenas e, mais recentemente, até da Polícia Federal.
Também
afetou a credibilidade do Brasil o malogro do Fundo Amazônia, que tem R$ 2,9 bilhões doados pela
Alemanha e pela Noruega travados no BNDES por falta de consenso com o governo
brasileiro sobre a forma de gerir e aplicar os recursos.
O
ministro do meio ambiente fazia questão de vetar o acesso de entidades da
sociedade civil, estados e municípios aos recursos, e não aceitava as regras de
governança impostas pelos financiadores.
Além
disso, o presidente brasileiro perdeu seu principal aliado no cenário mundial
com a derrota, nos Estados Unidos, de Donald Trump para Joe Biden -- que fez
questão de deixar a reunião minutos antes de Bolsonaro falar.
Nesta
quinta, EUA, Reino Unido e Noruega anunciaram a criação de um novo fundo de US$
1 bilhão para o combate ao desmatamento de florestas tropicais. É o mesmo valor
que Salles pretendia obter nesta cúpula em doações para o Brasil.
Mas,
diferentemente do que foi feito na criação do Fundo Amazônia, o dinheiro desta
vez só virá como compensação para resultados. Com seguidos recordes nas taxas
de desmatamento, o país não terá acesso a esses recursos tão cedo.
Apesar do discurso, na prática ainda vigora no cenário internacional a desconfiança expressada pelo secretário de estado americano, John Kerry, quanto à nova meta de Bolsonaro: "Isso funciona para nós. A questão é se eles farão o que têm que fazer". Ou pelo próprio vice-presidente Hamilton Mourão: "Em 2060, estaremos todos mortos. Tem é que reduzir o desmatamento agora".
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