'Alvorada
sem alambrado/ Pão sem leite condensado/ Sou eu assim sem você. Ema sem
cloroquina/Dudu sem carabina/ Sou eu assim sem você.'
Na
hora e meia em que esperou sua vez de falar sem convicção na Cúpula de Líderes
sobre o Clima convocada por Joe Biden, Jair Bolsonaro bem poderia cantarolar
essa versão negacionista do sucesso de Claudinho & Buchecha.
Não
que o clássico do funk carioca mereça ter seus versos solares e meigos
substituídos pelo lamento do presidente brasileiro sobre o isolamento a que foi
relegado no tabuleiro mundial depois que seu amigo Trumpinho foi derrotado nas
urnas. Mas sua visível falta de ambiente na reunião em que teve de ler, a
contragosto, um papel com o contrário daquilo que pensa e pratica em termos de
política ambiental me lembrou os versos “Eu não existo longe de você/ E a
solidão é meu pior castigo”.
Antes, quando era Trump, e não Biden, o anfitrião, Jair, família e agregados eram recebidos com alegria galhofeira. A caravana dos puxa-sacos exóticos dos Trópicos vestia boné, ganhava tapinha nas costas e se achava a tal. Podia mandar às favas os indicadores vergonhosos de desmatamento e queimadas. Afinal, primo Donald não estava nem aí para esse mimimi.
Agora,
as coisas mudaram. Biden, vejam que amolação, resolve fazer uma Cúpula do Clima
e, ainda por cima, exigir metas concretas. Jair não pode nem ler o mesmo
discurso de sempre, como gostaria, porque os chatos do Itamaraty, depois da
saída do Ernesto, vêm estragar o almoço do costelão e dizer que talvez seja
melhor propor alguma coisa com cara de concreta.
Então
toca colocar terno e gravata verde (ainda se tivesse o escudo do Palmeiras,
talkey?) e fazer cara de sério ao lado do Salles, esquecer a Anitta e
desenterrar aquele discurso “comunista” dos governos do PT e do PSDB.
Bolsonaro
deve ter ensaiado diante do espelho para repetir palavras como biocombustíveis,
biomassa, bioma e biodiversidade sem intercalar com um palavrão ou falar que
aquilo é tudo coisa de maricas.
Do
lado de lá da tela do computador, Biden (que até saiu da sala, dado o climão da
Cúpula do Clima) e os demais líderes mundiais devem ter achado certa graça em
ver o antes destemido presidente brasileiro prometer com a voz baixinha dobrar
recursos para a fiscalização de crimes ambientais, uma semana depois de mandar
exonerar o superintendente da Polícia Federal que ousou combatê-los por meio de
uma operação.
Até
Trump, onde quer que esteja curtindo seu merecido oblívio, deve ter soltado uma
gargalhada e exclamado: “Quem é esse cara?”. Nem parecia aquele que até ontem
estava disposto a lhe fazer companhia na bravata de abandonar o Acordo de
Paris. Que deixou de sediar a COP-25, que se recusou a conversar com a diretora
do Greenpeace, Jennifer Morgan, quando a encontrou em Davos em 2019. Seria o
mesmo cara? Aquele do filho de boné que não sabe falar inglês, mas queria ser
embaixador?
Eventos
como os desta quinta-feira evidenciam a absoluta inadequação de alguém como
Jair Messias Bolsonaro para presidir o Brasil, e de auxiliares como Ricardo
Salles para gerir qualquer coisa que não seja destinada à destruição.
Ao
conseguir, em três minutos de fala, prometer o oposto do que praticou ao longo
de dois anos e quatro meses de desgoverno, Bolsonaro assinou diante de um mundo
livre do trumpismo o atestado do desastre que é sua gestão.
Resta verificar o dia seguinte da Cúpula em que o Brasil e seu presidente ficaram nus diante do mundo com sua incompetência. Parece difícil que, diante de todas as evidências de que Bolsonaro apenas fez malabarismo retórico para pedir um trocado no final, Biden esteja disposto a financiá-lo. Assim como Trump só enrolava o “amigo”, os Estados Unidos sob nova direção devem continuar a dar chá de cadeira no Brasil.
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