Presidente
se mostrou no encontro como um aliado arrependido do trumpismo
Dezessete
chefes de Estado e a presidente da Comissão da União Europeia falaram antes do
presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes pelo Clima. O presidente do
país “detentor da maior biodiversidade do planeta”, como Bolsonaro definiu o
Brasil, começou a falar quase duas horas depois de a conferência virtual ter
começado. E não pôde, a exemplo de Angela Merkel (Alemanha), Emmanuel Macron
(França), Ursula Leyen (UE) e Cyril Ramaphosa (Africa do Sul), saudar, com uma
estocada da boa diplomacia, a volta dos Estados Unidos, anfitrião do encontro,
ao esforço contra o aquecimento global.
Os americanos voltaram ao Acordo de Paris um mês depois da posse do presidente Joe Biden e três anos e sete meses depois de o ex-presidente Donald Trump tê-lo denunciado. Os líderes europeus e da África do Sul não deixaram passar a oportunidade de lembrar Biden do passado muito recente do país que agora se arvora à liderança global do ambientalismo na tentativa de reconquistar um viés de “superioridade moral” perdido na era Trump. Bolsonaro, porém, não pôde fazer o mesmo porque, de todos os 40 chefes de Estado convidados para a conferência, foi o mais estreito aliado de Trump.
E
foi assim que o presidente brasileiro se mostrou no encontro. Como um aliado
arrependido do trumpismo, incapaz até mesmo de adotar a linha de outros
infratores das metas ambientais, como o primeiro-ministro canadense, Justin
Trudeau. No comando de um país que, a exemplo do Brasil, não cumpriu o que
havia acordado no Acordo de Paris, em 2015, Trudeau colocou o combate ao
aquecimento global como prioridade que secunda o enfrentamento da covid-19.
Como a pandemia nunca foi sua prioridade, Bolsonaro preferiu centrar seus
esforços numa única mentira, a do empenho nacional pela redução dos gases do
efeito-estufa.
Os
argumentos foram os mesmos apresentados na carta enviada, na semana passada, ao
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A carta parece ter sido tão pouco
convincente que o presidente americano esperou a vez de David Kabua, presidente
das Ilhas Marshall, país minúsculo do Pacífico que tende a desaparecer pelo
avanço dos oceanos, mas não Bolsonaro. Biden deixou a sala da conferência
virtual antes de o brasileiro começar a falar. A mensagem brasileira foi mais
ponderada do que as da era Ernesto Araújo, mas distorce a responsabilidade do
país pela emissão de gases estufa, traça meta de redução baseada numa pedalada
(para trás) sobre as conquistas anteriores e comemora a matriz limpa do parque
energético como feito de seu governo.
A
conferência deixou claras as dificuldades de Bolsonaro em limpar a imagem do
Brasil depois da devastação e do desmonte das instituições de fiscalização
promovidas por seu governo. Por razões inversas, Biden também pisou em ovos em
seu discurso, que abriu a conferência. Ciente de que uma parte importante do
eleitor americano rejeita o discurso ambiental, falou mais em emprego do que em
clima. Ancorou a necessidade de mudar a matriz energética do país com o
desenvolvimento de novas tecnologias como meio para a geração de emprego. O
temor do eleitorado se estende ao mercado. À tarde, de volta à tela, mal acabara
de falar da necessidade do esforço conjunto para o financiamento das ambiciosas
metas ali traçadas, as bolsas despencaram, alarmadas com aumento de impostos.
O
presidente chinês, Xi Jiping, citado por Merkel, Macron e pelo
primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em função dos esforços na pauta
ambiental que precedem os dos EUA, também tratou de seus interesses sem
subterfúgios. Ao enfatizar o multilateralismo, deixou claro que as conquistas
não decorrerão do novo protagonismo americano mas do conjunto das nações. Xi
insiste em se apresentar como liderança dos países em desenvolvimento
propugnando o reconhecimento dos esforços que estes têm feito no sentido de
buscar o desenvolvimento sustentável.
Todos
os chefes de Estado exibiram esforços maiores do que aqueles que têm sido
efetivamente feitos. E todos se comprometeram com metas ambiciosas para 2030 a
serem acordadas na conferência das Nações Unidas sobre o clima, em Glasgow, em
novembro. Nenhum deles, porém, enfrenta descrédito tão grande sobre a distância
a ser percorrida entre os esforços e as metas quanto Bolsonaro.
O
primeiro teste se dará no acesso ao fundo de US$ 1 bilhão, mobilizado a partir
da coalizão de EUA, Noruega e Reino Unido e de empresas como Amazon, Airbnb,
Bayer, Nestlé, Unilever, Boston Consulting Group, McKinsey, Salesforce e GKS (ver reportagem na página A5). É um
dinheiro a ser destinado para o mundo inteiro e não apenas para o Brasil como
desejava o Palácio do Planalto. E até mesmo os governos subnacionais estarão
elegíveis. Como o pagamento se dará por meio de resultados, e não
antecipadamente para armar a Guarda Nacional, como desejava o ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, as chances de o governo federal são mais reduzidas do
que, por exemplo, as do Consórcio Amazônia, que reúne os nove Estados da
região.
Por meio um plano chamado “Recuperação Verde da Amazônia Legal”, os governadores apresentaram projetos como apoio na certificação de produtos sustentáveis para acesso aos mercados nacional e internacional, incentivo à pecuária intensiva, redução de carbono nas atividades de mineração e fomento ao turismo ecológico. Os desembolsos se dão mediante averiguação, por consultores independentes, do desempenho acordado. Depois de carregar sozinho o fardo da herança trumpista na cúpula, Bolsonaro ainda corre o risco de ser ultrapassado, em casa, pelos governadores, no acesso ao dinheiro.
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