Jair
Bolsonaro comportou-se como se réu num tribunal. Discurso defensivo. E – claro
– mentiroso. Perfeitamente de acordo com o padrão bolsonarista. Não havia mesmo
margem para que fosse diferente. Faltava o que apresentar. E sobravam suspeitas
– desconfianças – sobre as práticas do Brasil. Faltava, esclareça-se, o que
apresentar de bom; de conquistas derivadas de políticas públicas para o meio
ambiente. Regredimos; e – agravante – sem que estivéssemos em bom lugar. E
então o presidente lançou-se a promessas. (Mas desde que, como um cachorro
pidão, recebendo dólares de apoio antes.)
Improvável
que alguém – entre os ouvintes gringos – compre esse Bolsonaro do amanhã. O
passivo de ontem é pesado; e está fresco na memória o uso populista da
soberania nacional para desqualificar o Fundo Amazônia – que tem seus dinheiros
paralisados porque o governo brasileiro se negou a admitir representantes da
sociedade civil na comunidade gestora dos recursos. Mas as promessas foram
feitas. Promessas, diga-se, para efeito em longo prazo. (O dinheiro pedido,
porém, teria de vir imediatamente.)
Imediatamente nos vem à cabeça o passado – tão presente. Bolsonaro divulgou metas que até seriam louváveis, para 2050, não houvesse dois anos de práticas ambientais avessas – hostis mesmo – aos compromissos assumidos; práticas que, continuadas, nos devastarão até 2030. Como acreditar? Se o que fazemos hoje, e progressivamente, atenta contra os objetivos projetados no discurso, como crer?
Note-se
que o presidente prometeu muito pouco para já. Aliás, deve-se temer que a
promessa – para já – de melhor dotação orçamentária ao Ibama sirva, na prática,
para bancar a (ampliação da) estrutura burocrática de supervisão de fiscais
claramente destinada a evitar flagrantes e dificultar multas. O Ibama vai
desmontado. Idem, o IcmBio.
Não
se pode ignorar o movimento explícito de o Ministério do Meio Ambiente haver
estabelecido, como superior hierárquico, um censor para o fiscal do Ibama. Um
óbvio investimento em impedir flagrantes. Flavia Oliveira tratou disso mais
cedo no CBN Rio. Não se pode ignorar que o superintendente da Polícia Federal
no Amazonas – defenestrado, não à toa, logo a seguir – remeteu ao Supremo uma
notícia crime contra o ministro Ricardo Salles por, entre outras coisas,
advocacia administrativa em prol de organização criminosa derrubadora de
floresta. Não se pode ignorar que esse mesmo delegado acusou um esvaziamento
dos meios do Ibama ao ponto mesmo de a PF vir fazendo operações já sem poder
contar com o suporte do órgão.
E
que jamais nos esqueçamos de que hoje faz um ano desde que, naquela reunião
ministerial de 22 de abril de 2020, o ministro Ricardo Salles – eficientíssimo
na execução do programa que lhe foi designado – expôs a sua tática de passar a
boiada enquanto o país morria distraído pela peste. A boiada tem volume e
avança: um conjunto de medidas infraconstitucionais, que passa despercebido, no
ponto cego da burocracia, para minar os instrumentos de controle e enfraquecer
os órgãos fiscalizadores.
Enquanto
Paulo Guedes palestra, é Salles o agente a colocar a granada no bolso do
inimigo. E Salles é Bolsonaro, cumprindo à risca a agenda – de madeireiros e
garimpeiros, além de produtores rurais do século XX – com a qual o chefe se
comprometera, sem disfarçar, quando candidato.
Salles é Bolsonaro. E não é um Weintraub, um Ernesto, ou qualquer outro entre os fanfarrões bolsonaristas. Trata-se de executivo realizador, com rara capacidade de se adaptar às circunstâncias. E que, neste momento, impulsionado pelas campanhas que lhe pedem a cabeça, ascende à condição de estrela entre os eleitores que compõem a base de apoio fundamental do presidente. Ou seja: Ricardo Salles, na contramão da carga por sua queda, fortalece-se. Só cairá – como bem já apontou Vera Magalhães – se para a conta de Bolsonaro vier a fatura do prejuízo econômico decorrente da transformação do Brasil em pária mundial.
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