Os
reflexos condicionados contra uma frente ampla de oposição
Na culinária e na política, nem sempre quem faz o bolo come o bolo. Em 1992, o PT ofereceu a base popular para depor o presidente Fernando Collor de Mello. Certa hora, achou-se que Luiz Inácio Lula da Silva emergiria do processo imbatível em 1994. Mas Fernando Henrique Cardoso reagrupou as tropas dispersas do collorismo, pegou o trem do Plano Real e matou o sonho do PT de surfar a onda do impeachment rumo ao poder.
Deu-se o mesmo na queda de Dilma Rousseff. PSDB e PMDB (hoje MDB) decretaram o fim do quarto governo petista, reuniram-se em torno de Michel Temer e projetaram poder ir adiante no tempo. Mas a entropia trazida pela Lava-Jato foi além da conta e acabaram ambos tragados pelo tornado bolsonarista. O antipetismo trouxe junto a antipolítica e o antitudo, e tucanos e emedebistas viram o bolo escapar na undécima hora.
Esse
fenômeno não se dá só em situações contaminadas por derrubadas de governos.
Acontece também em transições normais, decorrentes de eleições convencionais.
Quantas vezes se viu a polarização eleitoral, antes resiliente, ser atropelada
por um azarão de última hora? Aí o oposicionista que fez de tudo e consumiu as
melhores energias para minar o incumbente fica na poeira. Pois se tem algo
difícil de combinar antecipadamente com o eleitor é o resultado de uma eleição.
“Na
pandemia, esquerda e centro ensaiam juntar-se para fazer o bolo da
lipoaspiração do atual presidente”
Assiste-se
agora à ofensiva da esquerda e da ex-direita, rebranded como centro, contra Jair Bolsonaro. No
momento, o objetivo de ambas é enfraquecê-lo para derrotá-lo na urna. Até
porque Hamilton Mourão não tem sido, por enquanto, um replay de Itamar Franco
ou Michel Temer. Não dá esperanças aos políticos hoje excluídos do poder. Nem
esses andam dispostos a cozinhar o bolo e, de novo, ficar a ver navios. E
Bolsonaro vai navegando…
Mas
os mares andam cada vez mais turbulentos. Inclusive por certos incômodos que a
condução governamental desencadeou e fez crescer na pandemia. Um deles,
importante: pela primeira vez a elite sente algo parecido com as gentes do
povão quando ficam doentes e não têm certeza de que vão encontrar um leito
vazio de hospital ou UTI.
Atenção,
eu disse “algo parecido”. Mesmo hoje, continuam situações no limite
incomparáveis.
Na
tempestade da pandemia, esquerda e centro ensaiam juntar-se para fazer o bolo
da lipoaspiração do atual presidente, mas sempre com um olho no peixe,
Bolsonaro, e outro no gato, o aliado de momento e já garantido adversário de
amanhã. E, ao contrário de situações históricas anteriores, desta vez nem
tentam disfarçar. Não é mais um jogo de dois, bolsonarismo e antibolsonarismo,
ou petismo e antipetismo, mas de três.
Jogo
de três é sempre mais complicado de operar. Se até o cachorro do Pavlov
aprendeu, desenvolveu reflexos condicionados, não é difícil supor que os
políticos também tenham aprendido. De viver, estudar ou ouvir falar, tanto faz.
Entrar de gaiato numa “frente ampla” para confeitar o bolo e correr o risco de
ficar sem nenhum pedacinho dele na hora de comer talvez não atraia mais tantos
incautos como no passado.
Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735
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