O
novo na condenação de Derek Chauvin pelo homicídio de George Floyd se apresenta
pela imaginação, pelo desejo e, sobretudo, pela forma de realização da justiça
Há
sociedades que se movem em direção ao novo, há sociedades que parecem não sair
do lugar, e há aquelas que se movem em direção ao passado. Sim, imaginação. A
abertura para o novo e para as mudanças que ele pode trazer exigem imaginação.
Um dia se imaginou que o homem chegaria à lua. Ao longo da pandemia, o esforço
de combatê-la e de pensar no que sobreviria exigiu imaginação. Aqui nos Estados
Unidos o trabalho da imaginação esteve presente ao longo da campanha de Joe
Biden, em sua vitória, durante o turbulento período de transição, e continua
presente quatro meses depois do início de seu governo.
Imaginou-se que o país seria capaz de imunizar rapidamente a população em alguns meses utilizando as vacinas mais sofisticadas do mundo. Estamos a um par de meses de conseguir fazê-lo. Imaginou-se que o debate sobre clima e meio ambiente se tornaria central na reorganização das políticas públicas. O Plano Biden está aí para mostrar que também isso foi possível, a despeito do que venha a ocorrer durante as discussões no Congresso. Imaginou-se que a retomada econômica viria com a criação de empregos e com o apoio aos mais vulneráveis. Novamente, o pacote aprovado no início de 2021 tem como princípio norteador a ajuda aos mais pobres. Imaginou-se que seria possível começar a enfrentar o racismo e a violência policial contra os negros. No dia 20 de abril, o policial que ajoelhou sobre o pescoço de George Floyd a ponto de esmagá-lo e asfixiá-lo foi condenado por seus crimes. Não é mais do que um início, como muitos têm enfatizado. Mas, para quem vive aqui nos Estados Unidos e é testemunha do que se passa a toda hora com a comunidade negra, a esperança é palpável. Para quem viveu os anos Trump, mais ainda.
O
novo na condenação de Derek Chauvin pelo homicídio de George Floyd se apresenta
pela imaginação, pelo desejo e, sobretudo, pela forma de realização da justiça.
Nesse caso em especial, a justiça se realizou como fruto das interações de instituições
e sociedade, em particular, da ação social como forma de atualizar o caráter
republicano das instituições. Sabemos que o tempo das instituições é demorado e
que a questão do racismo nos Estados Unidos é, como no Brasil, estrutural,
portanto de longa duração. Mas essa arquitetura estruturante das relações que é
o racismo foi desafiada, no caso do homicídio de George Floyd, pelo tempo
célere das novas tecnologias comunicacionais, as quais parecem naturalmente
incorporadas à vida dos mais jovens. O assassinato foi gravado por uma menina
que empunhava um telefone celular e que, durante os nove minutos de agonia,
captou cada instante da vida que escapava de Floyd por força do joelho do
policial. O policial, em determinado momento, parece sorrir para a câmara
enquanto praticava o mortífero ato.
O
vídeo de nove minutos que registrou o homicídio rodou o mundo e despertou
reações de solidariedade. Essa circulação ampla tornou George Floyd um ícone
global da violência policial contra os negros em particular, mas também contra
outras raças. A solidariedade que sobreveio de ser testemunha da agonia da
vítima, de seu sofrimento intenso, de sua declaração “não consigo respirar”
durante uma pandemia em que tantos se viram asfixiados, dos momentos finais em
que chamou sua mãe, transcendeu as fronteiras dos Estados Unidos. Testemunhamos
ações de protesto em todo o mundo e elas também perduraram nos Estados Unidos.
Tudo isso torna possível dar passos além da imaginação rumo ao aperfeiçoamento
do caráter republicano das instituições. O júri que condenou Derek Chauvin era
composto de seis pessoas brancas. Seis pessoas brancas que não titubearam em
declará-lo culpado pelos três crimes que lhe foram imputados.
O
novo que vem pela realização da justiça e pela atualização das instituições a
partir da ação social movida pela imaginação e pelo sentimento é
particularmente interessante.
Ele
suscita muitas reflexões sobre como os caminhos para o novo podem ser
percorridos no Brasil. O que não falta em nosso país são injustiças e
mobilizações para demandar a implementação de direitos. O que parece nos faltar
é a imaginação e a crença de que a ação social é, sim, capaz de moldar instituições,
ainda que elas se mostrem engessadas e cada vez menos preocupadas com o
bem-estar da população.
A
movimentação por um país que enxerga na justiça o caminho para o que é novo
começa agora. Que entregue bons frutos em 2022.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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